Artigo: Novos capítulos do embate entre China e Estados Unidos

Após um início de ano conturbado com as negociações comerciais, China e Estados Unidos voltaram a ser destaque internacional após série de acusações do governo americano às autoridades chinesas. Os desentendimentos iniciaram com acusações de Trump de que a China havia sido irresponsável no controle do Coronavírus, passou para acusações de espionagem de grupos hacker ligados à Pequim, até o fechamento do consulado chinês em Houston e americano em Chengdu recentemente. O governo americano tem se mostrado bastante duro com a China. O secretário de Estado, Michael Pompeo, afirmou que a atual situação poderia ser comparável ao que aconteceu na guerra fria com a União Soviética.

O movimento de afastamento diplomático da China tem também cunho político. Visando agradar parte do eleitorado conservador que tiveram os empregos perdidos por uma suposta concorrência desleal chinesa, Trump sinaliza que continuará investindo na divisão ideológica americana para as eleições de novembro. A evolução da pandemia nos EUA, contudo, pode dificultar a busca de Trump pela reeleição. Estados chave como Flórida e Texas se tornaram destaque pela nova onda de casos, juntamente com outros 40 estados americanos que também tiveram uma piora na situação epidêmica.

Outros fatores podem contribuir para a piora no cenário eleitoral de Trump. Entre eles, a discussão do pacote de ajuda econômica do pós-pandemia que enfrenta dificuldade para ser aprovado antes do recesso congressional em agosto. Republicanos defendem um pacote de US$ 1 tri, Democratas defendem US$ 3 tri e, segundo a líder democrata na câmara Nancy Pelosi, não há perspectiva de chegarem a um acordo final.

A questão é que algumas das medidas que seriam renovadas no pacote, correm o risco de perderem validade prejudicando milhões de trabalhadores americanos e piorando o cenário eleitoral para Trump.

Já Biden está construindo uma coalizão de centro capaz de integrar os membros mais a esquerda do partido e ao mesmo tempo conquistar os republicanos moderados e eleitores independentes. Outro fator que pode favorecer Biden é o movimento crescente anti-Trump que pode levar mais pessoas às urnas, já que o voto nos EUA não é obrigatório. O resultado observado até o momento é a larga vantagem que Biden tem sobre Trump nas pesquisas eleitorais.

Na Europa foi aprovado o pacote de EUR 750 bi para a recuperação econômica dos países membros. O pacote prevê EUR 390 bi na forma de concessões e EUR 360 bi em empréstimos e irá favorecer principalmente a Itália, país mais atingido pelo Coronavírus no continente. O mais importante desse acordo é que haverá emissão de dívida em conjunto pela primeira vez, aumentando a cooperação entre os países e quebrando a resistência dos países do norte, mais austeros, ao uso desse mecanismo.

Após iniciar um amplo plano de reabertura econômica, a Europa vive agora uma elevação no número de casos na Espanha que culminou no Reino Unido bloqueando as fronteiras para viajantes vindos do país. Países da Ásia também vivem uma piora no número de casos, com destaque para China e Hong Kong. A China voltou a níveis de março de casos diários e Hong Kong deve adiar as eleições legislativas. A piora de casos do Coronavírus no mundo mostra que o controle da doença será difícil e será sobretudo dependente de uma vacina que deverá chegar somente em 2021.

Cenário doméstico – Após um ano e meio, o governo Bolsonaro enviou a reforma tributária ao Congresso. Não é possível, contudo, esconder certo grau de frustração com a amplitude da reforma preparada pelo Ministério da Economia. Em meio à crise causada pela pandemia e indicações de maior aceitação dos parlamentares à uma ampla reforma, o executivo preferiu não entrar na discussão com estados e municípios, ao optar por não incluir o ICMS e o ISS na proposta. A reforma do governo propõe criar a Contribuição de Bens e Serviços (CBS) a partir de um imposto de valor agregado (IVA) sobre o PIS e Cofins, ambos impostos federais. Esse novo imposto incidirá sobre o valor agregado em cada fase da cadeia produtiva sob uma alíquota única de 12%.

A proposta desagradou principalmente o setor de serviços. Mais intensivo em mão de obra e com uma cadeia menor de produção, o setor teria elevação na carga tributária com o aumento na alíquota dos atuais 3.65% para 12%. Em resposta, o Ministério da Economia afirmou estar trabalhando em uma ampla desoneração da folha de pagamentos para compensar essa elevação. Para financiar as desonerações, o ministério deve enviar, em uma próxima fase, a proposta de imposto sobre transações eletrônicas (similar à CPMF), tributo já comprovadamente ineficiente e que gera inúmeras distorções na economia. Além dessas mudanças, a reforma total do governo deve ainda conter alterações no IPI, no IRPJ e IRPF.
A comissão mista do congresso para a reforma tributária voltou a discutir o tema após hiato devido ao Covid. Seus membros indicaram que deverão incluir os tributos estaduais e municipais na proposta do governo. O projeto final de reforma tributária deve ficar na linha do que é a PEC 45 da câmara dos deputados que propõe a unificação do PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.

Após vários atrasos e postergações, o envio da proposta de reforma tributária já foi um avanço para o governo. Apesar da frustração com a amplitude da proposta, politicamente ela é muito mais fácil de ser aprovada. As discussões sobre os fundos de compensação aos entes subnacionais e de como eles serão financiados são ainda questões em aberto que prometem dificultar a aprovação da reforma que inclua ICMS e ISS. Mesmo só os impostos federais afetam de forma desproporcional o setor de serviços, que paga menos impostos do que a indústria no Brasil.

A grande expectativa se mantém pela disposição demonstrada pelo Congresso em realizar a discussão, mas diferentemente da reforma da previdência, há muitos interesses envolvidos no processo que afetam diretamente o potencial arrecadatório dos governos. Permanecemos céticos à aprovação da reforma tributária em 2020. Agora começa o lobby dos setores que serão atingidos.

No âmbito fiscal, o Congresso aprovou a perpetuação do Fundeb, fundo de manutenção da educação básica que é responsável por parte importante do financiamento (salários e investimentos) da educação no Brasil repassando recursos a estados e municípios. Ficou definido que a união elevará a sua participação no fundo dos atuais 10% para 23% de forma gradativa até 2026. A partir de 2021, 5% dessa participação será destinada à primeira infância para investimentos em creches, o que já foi considerado um avanço frente ao modelo original. A forma de financiar esse aumento de gastos, contudo, permanece como questão aberta. Durante as discussões, uma das propostas do governo previa que parte dos recursos fossem destinadas ao financiamento do Renda Brasil, programa que virá para substituir o Bolsa Família, numa tentativa de burlar o teto de gastos, dado que o Fundeb não entra no cálculo da regra constitucional.

A tentativa do governo vem em linha com a piora nas perspectivas para o cenário fiscal. Neste ano o déficit primário deve chegar a 14% do PIB. A melhora será gradual e o orçamento deve continuar negativo pelo menos 2030, mesmo antes do pagamento de juros.

Fonte: Rio Bravo e Tesouro Nacional

Nesse cenário, a dívida deve perder quase por completo a tendência de convergência que vinha buscando até 2019 passando para 100% do PIB em 2020 e chegando à 117% em 2030, muito próxima de uma trajetória explosiva.

Fonte: Rio Bravo e Tesouro Nacional

Acreditamos que o Teto de Gastos será rompido em 2021. Em agosto foi enviada ao Congresso a LDO para o próximo ano e é grande a expectativa em torno das discussões sobre a regra fiscal em 2021 e o acionamento dos gatilhos.

Os indicadores divulgados durante o mês, referentes a maio, mostraram que o segundo trimestre pode ter apresentado uma queda menor do que inicialmente esperávamos, mas continuamos relativamente mais pessimistas tendo em vista a demora de recuperação do setor de serviços, principal componente do PIB. Vendas no varejo e produção industrial surpreenderam positivamente, mas serviços tiveram grande frustração. Esse melhor desempenho levou ao início de um processo de revisões para cima na expectativa de crescimento para este ano no relatório Focus.

Fonte: Banco Central

Devido às incertezas com relação à recuperação no segundo trimestre, optamos por manter, por enquanto, nossa estimativa de queda de 7.5% para 2020, com viés positivo.
Em julho, o Coronavírus permaneceu se desenvolvendo no interior do país. Destaques para a região Sul e Centro Oeste, que possuem as maiores taxas de crescimento de casos diários. São Paulo e Rio de Janeiro permanecem avançando nos seus planos de reabertura, mas anunciaram que as festas de reveillon e Carnaval do ano que vem serão canceladas ou adiadas. Com esses desenvolvimentos recentes, a incerteza permanece elevada para o controle da doença e para a recuperação no segundo semestre.

*Autores: Evandro Buccini: Sócio, Diretor e Gestor de Renda Fixa da Rio Bravo e João Leal, Economista da Rio Bravo.

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