Entrevista: Instrução Previc nº 31/2020 altera contabilização de dívida com patrocinador e produz impactos sobre aspectos atuariais

Antonio Gazzoni

Entre diversas novidades que a Instrução Previc nº 31/2020 trouxe para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), uma delas altera a regra de contabilização de dívida com o patrocinador. O artigo 22 da norma que entrou em vigência em 1 de janeiro de 2021 indica que os contratos de dívidas devem ser considerados necessariamente como ativo dos planos. Cabe lembrar que a instrução trata de novas regras para o envio de informações contábeis e extracontábeis pelas entidades (leia mais).

Em entrevista ao Blog Abrapp em Foco, o Diretor do Mercerprev, Antonio Gazzoni, explica os efeitos dessa mudança específica sobre a gestão atuarial dos planos de Benefício Definido (BD). Ele destaca que não há efeitos imediatos que possam implicar em aporte de ativos para patrocinadores e participantes. Porém, podem ocorrer efeitos colaterais com impactos positivos ou negativos para questões de duration dos planos e apuração de limites de déficit e superávit. Confira a seguir a entrevista na íntegra:

Blog Abrapp em Foco: Poderia analisar a mudança trazida pela Instrução Previc nº 31/2020 na questão da contabilização de dívida com patrocinador?

Antonio Gazzoni: Gostaria de abordar especificamente um ponto da Instrução Previc nº 31 que está afetando a gestão atuarial dos planos de benefícios. Além de outros pontos da IN que afetam a gestão atuarial, tem uma questão que impacta a dívida com o patrocinador. Em seu artigo 22, a instrução indica que as entidades fechadas devem registrar contabilmente os instrumentos de dívida de patrocinador relativa ao financiamento de serviço passado ou de déficit técnico no grupo “operações contratadas no realizável previdencial” no ativo. É uma mudança importante.

Blog: Quer dizer que as dívidas com patrocinadores agora devem ser consideradas como ativo?

Gazzoni: Sim, as EFPC que possuem instrumentos de dívida com patrocinador registrados no grupo provisão matemática no passivo devem alterar a classificação contábil para o ativo. É uma determinação, é um comando. Não é uma possibilidade. É bom lembrar que até 2020, os contratos de dívida com patrocinador se dava a depender da natureza da dívida. Se era uma dívida financeira, era contabilizada no ativo. Se era uma uma dívida atuarial, era contabilizada no passivo.

Blog: Quais as consequências para os planos de benefícios?

Gazzoni: Em primeiro lugar é importante alertar que não é esperado mudança no resultado, ou seja, não implica em novos aportes. O resultado não muda, seja de equilíbrio, déficit ou superávit. Não muda em um primeiro momento, mas tem efeitos colaterais. Ou seja, é importante destacar que o resultado final não se modifica, mas os efeitos colaterais devem ser avaliados.

Blog: Poderia explicar quais são esses efeitos colaterais?

Gazzoni: Boa parte dos contratos de dívida existentes, diz respeito a planos de equacionamento de déficit e, por consequência, atualmente estão contabilizados no passivo, na conta de provisões a constituir “déficit equacionado”. Apesar da mudança do saldo da dívida do passivo para o ativo não afetar o passivo contábil do plano, essa mudança tem impacto em outras variáveis da gestão atuarial. Este é o ponto importante. A mudança tende a aumentar o saldo das provisões matemáticas totais e diminuir a duração do passivo. Além disso, tende a aumentar o limite do déficit técnico acumulado ou da reserva de contingência.

Blog: Os impactos colaterais são positivos ou negativos para o plano e para a entidade?

Gazzoni: É esperado que ao se contabilizar a dívida no ativo, haverá um aumento das provisões matemáticas totais. Esse aumento, à priori, vai mudar o limite do déficit técnico acumulado, então, neste caso, será uma vantagem positiva para a entidade, que poderá carregar um déficit técnico maior de um ano para outro. Sabemos que o limite do déficit técnico é calculado com base nas provisões matemáticas totais. A mesma lógica serve para o limite de contingência para uma destinação de superávit, que também aumentaria. Então há uma vantagem para a entidade, vamos supor, de um plano BD que esteja em situação de déficit, o limite técnico é maior. No caso do superávit, o limite da reserva de contingência também aumenta.

Blog: Mas você disse também que há a questão da redução do passivo. Isso é positivo ou negativo:

Gazzoni: Então, quando falamos de duration dos planos, a tendência é de redução. A diminuição da duration, em função da mudança da contabilização, tem impactos no limite das taxas de juros e no ajuste de precificação. Vamos tomar o exemplo da taxa atuarial de juros, se reduzir a duration, haverá também redução dos limites superior e inferior da taxa. O corredor fica mais estreito. Pode ser que a mesma taxa de juros que antes da mudança caía dentro do intervalo, pode ser que fique fora. Neste caso, seria uma desvantagem.

Blog: Os impactos sobre as taxas de juros ou sobre o ajuste de precificação são muito fortes:

Gazzoni: Em geral, não será um impacto grande. Os efeitos nessas duas variáveis são menos sensíveis do que podemos imaginar. Ou seja, o impacto nas taxas de juros ocorrerá apenas em planos que utilizem taxas de juros muito próximas dos limites superior e inferior. E o impacto no ajuste de precificação depende da duração dos ativos e passivos. Quando mais próximos, maior o risco de impacto.

Blog: Quais as situações que a celebração de dívida com o patrocinador é obrigatória? Como funciona?

Gazzoni: A celebração de dívida patronal com a entidade é obrigatória em duas situações. Uma delas na parcela de dívida relacionada aos benefícios concedidos, da Resolução CNPC nº 30/2018, com a necessidade de prover garantias reais. A outra ocorre quando a duração do passivo for igual ou inferior a quatro anos, com o estabelecimento de contrato reconhecido em cartório, também com garantia real. Isso significa, que o patrocinador que celebrar reconhecimento de dívida, seu controle deve ser dividido da seguinte maneira. A parte dos benefícios concedidos é sujeita obrigatoriamente ao contrato, a ser reconhecida no ativo, com oferecimento de garantias reais. Já a parte relativa aos benefícios a conceder, podem ficar sem contratos, e serem contabilizados no passivo.

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