Entrevista: “O conselheiro independente pode contribuir com sua experiência para as EFPC”

Jorge Berzagui, membro da Comissão de Ética do Sindapp e Diretor-Presidente da Fundação Banrisul

Membro da Comissão de Ética do Sindapp e Diretor-Presidente da Fundação Banrisul, Jorge Luiz Ferri Berzagui é autor do artigo “Conselheiro Independente: a ética da independência”, que integra o e-book A Responsabilidade Ética de Conselheiros e Dirigentes.

Nesta entrevista ao Blog do Sindapp, ele explica o relevante papel desse agente, que idealmente pode ser tratado pelo programa de Autorregulação das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), sem a imposição por regulação externa.

Confira abaixo a entrevista:

Blog do Sindapp: Quais foram as suas fontes de inspiração para a elaboração do artigo? O que mais lhe incentivou a escrever sobre o assunto?

Jorge Berzagui: Esse texto faz parte do trabalho que a Comissão de Ética do Sindapp desenvolve visando à divulgação de princípios éticos perante as EFPCs. A divulgação da ética é uma das responsabilidades dos membros da Comissão, em função do mandato que nos foi atribuído.

O sr. nota no seu artigo a importância que a figura do “conselheiro independente” passou a ocupar o centro das discussões sobre as boas práticas de governança corporativa. Porém, salienta que ele não é estritamente definido em normativos, por exemplo, da B3 e do IBGC. Diante dessa abstração normativa e conceitual, é possível afirmar que, de fato, exista a figura do conselheiro independente?

Sim, existe. Porém é importante diferenciar o segmento de capital aberto do segmento das EFPCs. O conselheiro independente já é uma realidade nas empresas listadas na Bolsa e quase todas as entidades financeiras brasileiras já possuem nos seus estatutos sociais a previsão dessa figura.

Todavia, essa ainda não é a realidade nas EFPCs. Elas, ao contrário das S.A., não possuem Conselho Administrativo, mas um Conselho Deliberativo, de forma que a nominação da autoridade máxima se difere entre esses segmentos. Para as  EFPCs, a atual legislação define que a composição do Conselho Deliberativo é paritária entre conselheiros designados pelos patrocinadores e conselheiros eleitos pelos participantes, sendo que o legislador não se preocupou em inserir na gestão de uma EFPC o conselheiro independente.

Quais seriam os desafios para a inserção do conselheiro independente nas EFPCs?

Há de se destacar que o foco das EFPCs é o longo prazo, pois elas possuem o compromisso de pagar benefícios para seus participantes, muitos dos quais de forma vitalícia. Se houver uma distribuição desse poder de gestão para conselheiros independentes, provenientes do mercado, isso poderá qualificar a gestão, mas, por outro lado, poderá originar o problema da mensuração dos  resultados da gestão no curto prazo.

Caso se consiga conciliar esses fatores, a alteração pode ser muito positiva, mas acredito que ainda estamos preparando o caminho para tanto. Meu artigo busca justamente provocar uma reflexão sobre a possibilidade de inserirmos a figura do conselheiro independente nesse ambiente, uma mudança que, idealmente, poderia ser um processo de dentro para fora, fruto da Autorregulação, de um amadurecimento do setor e não imposto às entidades de fora para dentro, através de regulação legal.

Qual deveria ser o papel do conselheiro independente nas EFPCs?

O conselheiro independente tem uma atribuição própria. Como sua origem é externa, não relacionada diretamente ao participante ou ao patrocinador, ele deve ter uma visão capaz de aproximar as partes e propor políticas que facilitem o desenvolvimento de uma boa gestão corporativa da entidade na qual participa, assumindo um papel de conciliador e de indutor de boas práticas. Ele deverá, ainda, dadas as características próprias do setor, atentar para a rentabilidade, a boa governança da entidade, aos princípios éticos e à sustentabilidade (ASG).

Com relação aos investimentos, o conselheiro independente deve focar na sustentabilidade e na manutenção perene da entidade, atitude que propiciará o bom desenvolvimento dos pagamentos de benefícios para toda a comunidade participante. Ele tem que equilibrar a gestão, sendo o fiel da balança e aproximando os representantes dos participantes e aqueles dos patrocinadores, visando o melhor para a entidade.

O sr. afirma que o profissional inserido no sistema, contribuindo com sua força de trabalho, é quem pode mensurar as vantagens, os efetivos impactos e eventuais ganhos para gestão das EFPCs, desse eventual incremento na governança. Quais benefícios econômicos e de imagem podem ser obtidos pela entidade que possui conselheiros independentes em seu Conselho Deliberativo?

Uma vantagem é a boa governança. O conselheiro independente pode trazer sua experiência externa – com outras visões e foco – e utilizá-las em benefício de uma melhor governança e rentabilidade. A entidade que adotar essa prática será percebida, tanto pelo participante quanto pelo patrocinador e pelo mercado, como uma instituição mais responsável e qualificada. Quanto mais a entidade desenvolver boas práticas, melhor ela será vista pelo mercado, maior retorno e rentabilidade conseguirá para o fundo e seus participantes: é uma relação de ganha-ganha.

O sr. afirma que o conselheiro independente atualmente não encontra previsão na legislação de regência das EFPCs, ainda que existam projetos e recomendações. Como vê a vontade política e o avanço do tema dos conselheiros independentes para as entidades fechadas nos próximos anos?

No Brasil ainda estamos em um estágio inicial de debate sobre os conselheiros independentes para as EFPCs. Há 20 anos iniciou-se esse processo nas empresas de capital aberto, porém ainda há um óbice para as EFPCs . Não existe vedação, mas a legislação prescreve que o Conselho Deliberativo é composto por três membros indicados pelos patrocinadores e outros três indicados pelos  participantes. Tanto os patrocinadores como os participantes poderiam indicar conselheiros de mercado, todavia isso deveria estar  previsto no estatuto social da respectiva entidade.

Algumas condições previstas nesses estatutos inibem a seleção de um conselheiro do mercado, como é o caso do prazo de vinculação ou de participação a um dos planos administrados pela respectiva  EFPC. Essa mudança pode ser realizada, mas como ela deveria ser feita? Por um ato normativo ou pelo Código de Autorregulação,  através de um processo de maturação, de conscientização da entidade como acenamos acima? Eu acredito que tudo pode ser feito, podemos dotá-las também de uma estrutura de governança melhor e mais eficaz.

O sr. gostaria de fazer algum comentário sobre a independência dos conselheiros independentes no contexto de outros países considerados avançados?

Existe um estudo da OCDE que analisa a situação do setor e podemos observar que os problemas de governança são parecidos. Um dos grandes desafios dos fundos de pensão é que muitos profissionais selecionados para compor os conselhos ou a diretoria são vinculados ao sindicato ou ao patrocinador. Assim, aquele com maior vinculação sindical tem maior condição de ser eleito, como acontece no Brasil.

Outro problema assinalado é a falta de avaliação de desempenho, ou seja, não existem mecanismos legais ou estatutários que exijam uma avaliação da gestão – tanto do Conselho quanto da Diretoria. Nesse caso, é indiferente uma boa ou uma má gestão, pois ela não é avaliada. Portanto, os mecanismos de avaliação, tanto dos Conselhos como da Diretoria, são necessários.

Um terceiro fator apontado se refere aos conflitos de interesse. Existe dificuldade em identificar os reais conflitos de interesse. Um participante que integra o Conselho Deliberativo vai conseguir, na sua gestão, pensar no coletivo ou vai pensar somente naqueles que estão no seu plano previdenciário?

Quais soluções foram apontadas?

No artigo da OCDE, eles identificaram problemas comuns aos nossos e também propuseram soluções como a de se ter uma representação equilibrada entre patrocinadores e  participantes nesses órgãos de governança, justamente o que temos na nossa legislação. Outro ponto é dispor de representantes com maior nível técnico; isso é boa governança corporativa e pode ser proposto na autorregulação. Precisamos subir a régua. Para ser candidato ao Conselho Deliberativo, o profissional deveria ser qualificado tanto em questões de investimentos quanto de administração.

A grande preocupação que eles têm é a que nós temos. Isto é, a construção e a implantação de um código de conduta que aborde os conflitos de interesses. Acredito que estamos no bom caminho, já avançamos bastante, mas falta ainda enxergamos as reais vantagens e desvantagens de introduzir no nosso modelo de gestão a figura do conselheiro independente.

Estamos avançando, mas ainda por força normativa e não por Autorregulação – que eu considero ser de maior relevância.

O sr. é membro suplente na Câmara de Recursos da Previdência Complementar, na representação das EFPCs.  Pelo que tem observado nos julgamentos realizados na Câmara, possuir conselheiros independentes pode ser um fator de governança que contribui para minimizar os riscos de penalidades para as entidades, em especial na área de investimentos?

Uma boa política de gestão pode ter o apoio de um conselheiro independente. Ele pode auxiliar com sua expertise, mas não é de fundamental necessidade. As pautas mais frequentes na CRPC são aquelas que envolvem investimentos, e não necessariamente aqueles que geraram prejuízos ao fundo. Os processos que com maior frequência chegam à Câmara são investimentos que não seguiram o rito legal, estatutário e/ou regulamentar da entidade. A legislação pátria exige uma análise prévia dos investimentos, considerando o risco legal e de mercado, as garantias, a origem do gestor e como se comportaram os fundos que ele administrou. É necessária uma análise sobre o produto, e não somente sobre aquilo que o emissor do título promete.

O que se analisa não é o resultado do investimento, mas o rigor do processo de análise da avaliação dos riscos, das garantias, do produto, dos gestores, ou seja, se o processo seguiu o iter procedimental, previsto na legislação e nos regramentos internos da entidade. Fazendo uma análise séria do investimento, avaliando adequadamente as garantias, fazendo todos os estudos de forma apropriada, é possível investir com segurança. Se o investimento porventura não der certo, não foi por falta de prudência e zelo dos administradores, mas por problema estrutural ou de mercado e os administradores não serão penalizados caso tenham feito os estudos e as análises com a prudência e o rigor necessários.

O que via de regra chega na CRPC é a ausência da observação das formalidades legais da análise dos investimentos e dos riscos agregados a eles. Quando uma pessoa física faz um investimento, ela analisa todos esses fatores e riscos. Então, por que ao realizar um investimento envolvendo a poupança de milhares de pessoas você não teria essa mesma cautela? Se o dirigente não se afastar do que prevê a legislação, ele não será apontado pela fiscalização da PREVIC e não será submetido a julgamento pela CRPC, pois terá praticado, na essência, um ato regular de gestão e poderá provar, para a fiscalização, que o investimento foi bem avaliado e que seguiu as melhores práticas do mercado.

 

(Colaboração: Vinícius Ritter)

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