Entrevista: “O enraizamento da conduta ética passa pelo comportamento de cada representante da EFPC”

Fernando Simões, Membro da Comissão de Ética do Sindapp e Gerente Jurídico da Ceres

Membro da Comissão de Ética do Sindapp e Gerente Jurídico da Ceres, Fernando Simões assina o artigo “Divulgação de informações e limites éticos”, que integra o e-book A Responsabilidade Ética de Conselheiros e Dirigentes.

Nesta entrevista ao Blog do Sindapp, ele esclarece os limites entre o direito individual e o direito coletivo de acesso à informação, a gestão do direito à informação frente a aspectos regulatórios, a conduta ética esperada dos dirigentes e as penalidades aplicáveis em caso de infrações.

Confira abaixo a entrevista:

Poderia explanar sucintamente os conceitos de moral e ética, considerando o direito da coletividade de participantes e seu confronto com o direito individual no que tange ao acesso à informação?

Fernando Simões: Em linha gerais, a conduta definida como ética por uma sociedade leva à construção da moral daquela sociedade. Assim, o que é definido como bom comportamento por uma sociedade acaba por ser seguido pelo indivíduo. Trazendo esse pensamento para os planos de benefícios administrados pelas EFPC, temos a prevalência do interesse comum dos participantes e assistidos no sentido de que todos tenham o mesmo tratamento, sem privilégios, e de que cada um receba o benefício contratado a que faz jus.

O direito à informação dos participantes, que é constitucional, como dito no artigo em comento, não pode criar privilégios individuais ou de grupos, pois se confrontaria com o interesse coletivo. Esse direito se refere à informação do plano em caráter geral, para acompanhamento visando o recebimento de benefícios por todos. Como exemplo, mencionaria a hipótese de um conselheiro deliberativo eleito por um grupo específico em uma EFPC multipatrocinada que entende ter a obrigação de levar toda e qualquer deliberação estratégica para aquele grupo, o que pode gerar ganho individual ou prejuízo para a coletividade.

O sr. aponta marcos normativos quais as LCs 108 e 109, de 2001, e a EC 20/1998 que visam fornecer um arcabouço jurídico e um “estímulo” aos comportamentos éticos de conselheiros e diretores. A CGPC 13/2004 recomenda a divulgação do código de ética para as partes que se relacionam com as EFPCs. Como a disseminação dessa cultura pode se desenvolver?

Como mencionado na resposta anterior, as regras contidas no código de ética são definidas como parâmetro para o comportamento das pessoas que se relacionam com a EFPC, internamente ou externamente. A criação do código de ética e a adesão formal de todas as pessoas mencionadas contribui para a disseminação dessa cultura ética. Mas entendo que o enraizamento da conduta ética passa pelo comportamento de cada uma das pessoas que representam a EFPC, não somente de forma legal, mas nas atividades do dia a dia. Do conselheiro deliberativo à recepcionista, em todos os profissionais deve ser visível a conduta ética.

O sr. nota que a conduta ética dos colegiados pode gerar um certo dilema ético quando tange o direito dos participantes de receber informações. O art. 202 § 1º da Constituição Federal fala em “pleno acesso às informações relativas à gestão dos seus respectivos planos”. A Lei de Acesso à Informação, de 2011, reforçou a ideia de publicidade dos atos e informações. Como gerir a questão do direito à informação, o direito dos participantes e as exigências/limitações impostas, considerando também o mercado financeiro? Existem regras claras ou parte da conduta se baseia em bom senso?

Uma previsão legal não pode ser analisada sem o contexto das demais regras e princípios que norteiam o ordenamento jurídico. Um direito individual pode ser limitado pelo direito coletivo, sempre que houver razões previamente estabelecidas. O próprio dispositivo constitucional mencionado traz em seu texto uma limitação, qual seja, o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos.

Assim, a norma constitucional pretende permitir ao participante e ao assistido o acesso às informações que podem dificultar ou impedir o direito ao benefício. Em relação ao mercado financeiro, entendo que existem previsões legais, como o artigo 155 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), que estabelece o dever de lealdade do administrador dessas sociedades, descrevendo as condutas vedadas. Mas a ética deve ser utilizada para balizar a conduta de todos, considerando, no caso do mercado financeiro, uma ação que resulte em ganho decorrente de informação do cargo ocupado.

A história nos mostra que muitas grandes corporações não tinham – ou ainda não têm – um comportamento ético na prática. Buscar mudanças e melhorias muitas vezes é o fardo do pioneiro. Como agir e direcionar os investimentos das entidades para protegê-las de comportamentos aéticos no mercado financeiro?

Realmente pode parecer muito fácil para alguns – enquanto muito difícil para outros – conviver no mercado financeiro e ter condutas éticas. Por isso, é importante estabelecer regras claras sobre como você pretende atingir seus objetivos e publicá-las. Dessa forma, agentes econômicos aéticos atuantes no mercado terão grande dificuldade de se aproximar de você, facilitando a busca de seus objetivos de forma ética.

Vivemos a era da informação e da superexposição pessoal nas redes sociais. Com frequência se observa agentes públicos fazerem uso impróprio delas. O sr. acredita que conselheiros e diretores de EFPC podem utilizar tais redes, ainda que pessoalmente, e de certa forma afetar a conduta ética esperada?

Peço vênia para seguir um mantra falado por quase todos os especialistas. As redes sociais são uma realidade e ninguém acredita que isso seja mudado. Acredito sempre no uso da tecnologia em proveito da sociedade. Informação rápida e precisa pode significar o sucesso de um plano ou de uma EFPC, evitando a formação de um pensamento errado que, em geral, acaba acarretando a judicialização em massa, trazendo grandes prejuízos para todos, com o custo e a incerteza proporcionada pela judicialização.

Quais penalidades que podem sofrer os gestores que infringem os preceitos éticos?

Inicialmente, após a edição da Lei Complementar 109/2001, ficou melhor definido quais pessoas são passíveis de punição. Tal fato se traduz em um avanço, pois seu artigo 63 inclui nesse rol os administradores da EFPC, dos patrocinadores e dos instituidores, e aqueles que prestam serviço técnicos, ou seja, todos que contribuírem de alguma forma para os prejuízos sofridos pela entidade, por ação ou omissão.

Esse mesmo normativo, em seu artigo 65, estabelece que as pessoas mencionadas estão sujeitas às penalidades de advertência, de suspensão, de inabilitação e de multa. Prevê, ainda, a possibilidade de serem aplicadas outras penalidades que sejam expressamente cominadas em dispositivos próprios. Além disso, estão sujeitos às penalidades previstas em outros normativos como: o Decreto 4942/2003, que apura responsabilidade por infração à legislação no âmbito do regime da previdência complementar, operado pelas entidades fechadas de previdência complementar; a Lei 9.613/1998, que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos nela mencionados.

As penalidades podem, inclusive, estar previstas em código de ética próprio ou para o qual ocorreu a adesão.

Gostaria de deixar uma mensagem final?

A ética que queremos é aquela que conduz à construção da formação moral que priorize o coletivo, entendendo que o público é de todos e não de ninguém. Assim, nossas ações devem sempre conduzir ao respeito, à solidariedade, à visão de um futuro melhor para todos.

 

(Colaboração: Vinícius Ritter)

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