Entrevista: “O investimento sustentável conversa com o elevado padrão ético exigido de um gestor de previdência complementar”

Marcelo Coelho, membro da Comissão de Ética do Sindapp e Chefe de Gabinete da Presidência da Previ

Membro da Comissão de Ética do Sindapp e Chefe de Gabinete da Presidência da Previ, Marcelo Coelho é o autor do artigo “Ética na gestão previdenciária sob o enfoque ASG”, que integra o e-book A Responsabilidade Ética de Conselheiros e Dirigentes.

Nesta entrevista exclusiva para o Blog do Sindapp, ele destaca o elo entre sustentabilidade e previdência, bem como a conduta ética dos gestores. “Exagerando a questão, se não houvesse sustentabilidade, talvez nem se investiria em previdência”, afirma.

Confira a íntegra da entrevista abaixo:

Blog do Sindapp: Em seu artigo, você destaca que há similaridades entre a previdência privada e as questões ambientais, sociais e de governança (ASG).

Marcelo Coelho: As características são bem similares. São negócios, de certa forma, intergerações, atravessam mais de uma geração, e são de longuíssimo horizonte, ou seja, não colhemos os resultados e os efeitos no curto prazo. E tem uma característica que me parece similar. Se formos pesquisar, previdência vem da palavra “previdente”, que é aquele que consegue antever o futuro, aquele que se prepara, que adota as cautelas necessárias para o futuro. Isso, na minha visão, é o que acontece com quem busca sustentabilidade, responsabilidade social.

Gosto de um exemplo que me parece bem claro: o sacrifício. Como você faz a poupança previdenciária? Abre mão de um determinado consumo hoje e guarda um valor pensando em usufruir daqui a 30-40 anos. Quando olhamos as questões ASG, em especial as questões climáticas, a similaridade é muito grande. No sentido de que pode exigir também sacrifícios, como abrir mão de uma tecnologia avançada em um negócio, que poderia ser muito poluente, por exemplo, visando um mundo melhor nas próximas décadas.

Poderia comentar?

Eu só invisto em previdência complementar porque acredito que haverá um mundo em condições ambientais e sociais boas para se viver no futuro, e vou poder usufruir desse recurso lá na frente. Da mesma forma, eu só busco a sustentabilidade por acreditar que assim terei um futuro melhor. São ações feitas no presente cujas consequências estarão no longuíssimo prazo.

Exagerando a questão, se não houvesse sustentabilidade, talvez nem se investiria em previdência. Há similaridades: são questões de longo prazo, intergeracionais e de quem quer se precaver e se preparar para o futuro.

A pandemia de COVID-19 evidenciou as fragilidades da análise de investimentos pautada puramente em indicadores financeiros tradicionais?

Li recentemente o artigo “Está na hora da economia verde?”, do Armínio Fraga e do Sergio Margulis, publicado no jornal O Globo (29/06). E há uma frase interessante: “Os pacotes de recuperação pós-Covid dos países ricos colocam a sustentabilidade ambiental como elemento-chave. A pandemia é um ‘trailer’ do que está por vir.”

A pandemia acabou agravando questões de desigualdade social, em especial aquelas que não víamos e não considerávamos nos indicadores econômicos. A nova economia ou “economia verde” deve incluir dentro dos seus índices, e forma de aferição, questões como o bem-estar social e mudanças climáticas, pois são fatores que já estão impactando diretamente os resultados dos investimentos e da economia e afetarão cada vez mais.

Já imaginou quanto sofrimento poderia ser gerado se uma crise como esta decorresse de questões climáticas? Não só escancararia as desigualdades, como aumentaria as dificuldades. Com a pandemia, a sociedade se interessou muito mais por questões ASG. Vistos os efeitos gerados por uma crise de grandes proporções, talvez ela esteja cada vez mais preocupada em se preparar para eventos futuros. Pode ser que o “S”, do ASG, tenha ganhado força e as pessoas estão preocupadas em diminuir essas desigualdades para crises vindouras…

Parece-me que eventos extremos reforçam, cada vez mais, a necessidade de estarmos preparados, para evitar questões ambientais que gerem, por exemplo, movimentos migratórios, dificuldades em relação a alimentos e outras. Talvez uma crise climática gere problemas ainda maiores e aumente os desafios relacionados ao ASG.

Tanto uma pandemia quanto uma crise climática mundial são situações em que não adianta apontar o dedo para quem começou o problema. Ou todo mundo resolve junto ou não sairemos dele nunca. O impacto na economia vai muito além dos indicadores econômicos e isso mostra que as soluções – seja para as questões climáticas do futuro, seja para uma crise pandêmica – são cada vez mais coletivas e globais.

Poderia comentar sobre algumas iniciativas da Previ nesse campo, que podem servir de referência para outras entidades?

A Previ tem, há algum tempo, métricas e questões bem definidas nessa área, entre as quais um rating ASG que é fundamental no momento da decisão sobre investimentos; temos métricas internas e próprias que pesam mais ou menos e são consideradas para se decidir o tipo de investimento. Temos ainda investimentos com filtros temáticos, dentre outros.

Mais do que isso, temos adotado, ainda que de forma silenciosa, uma postura proativa junto aos ativos que possuímos, buscando influenciar da melhor maneira possível essas questões. Desde o movimento “Mulher 360º” e a adesão à “Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial”, a diversidade de uma maneira geral, tudo isso é considerado tanto na hora de realizar investimentos como no momento de cobrar e de influenciar as empresas investidas.

Como vê essas iniciativas do ponto de vista de mobilização do setor?

Minha expectativa seria ter um pouco mais de união na fixação e desenvolvimento das nossas métricas, na nossa forma de fazer e de nos posicionar. Por exemplo, no Reino Unido, os fundos de pensão têm iniciativas que são só dos fundos de lá. Aqui temos iniciativas um pouco pulverizadas às quais cada um adere de forma autônoma. Porém, ainda vemos tanto a questão social quanto a ambiental sem uma definição muito clara de quais são as métricas, o que vai ser cobrado ou deixar de ser cobrado.

Meu sonho era podermos (entidades) ter liderança nesse segmento e estabelecermos as nossas métricas como investidores institucionais, considerando o peso que temos no mercado. Que pudéssemos passar algumas mensagens no sentido de que o setor busca investimento desse tipo, de forma a influenciar aqueles que oferecem investimentos a seguirem esse padrão.

Como avalia os avanços das normas que regem as EFPC em relação à aplicação dos critérios ASG nas políticas de investimentos?

A Resolução CMN 4.661/2018, que dispõe sobre as diretrizes de aplicação dos recursos garantidores dos planos administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar, afirma que “sempre que possível” [art. 10, § 4º A EFPC deve considerar na análise de riscos, sempre que possível, os aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança dos investimentos], o que já é um avanço porque a Resolução CMN 3.792/2009 determinava “se possível ou não”.

A Instrução Previc 35/2020 também afirma isso [que as políticas de investimentos das EFPC devem conter diretrizes para observância de princípios de responsabilidade ambiental, social e de governança, preferencialmente de forma diferenciada por setores da atividade econômica], e a política de investimento da Previ traz esses critérios, atende à regulação.

Mas, me parece, ainda temos muito campo para evoluir, com definições mais claras e objetivas. Neste sentido, cito o exemplo do Banco Central do Brasil, que recentemente colocou em consulta pública resoluções em que passará a exigir de seus regulados a inclusão desses riscos em seus negócios, com a descrição e métricas já definidas. Essa, sim, me parece ser uma grande evolução e um passo significativo rumo à sustentabilidade.

Qual a ligação entre ASG e ética?

Parece-me que essa questão ASG tem uma ligação direta com a ética, com aquele princípio na Resolução CGPC 13/2014 que fala dos elevados padrões éticos [Art. 3° Os conselheiros, diretores e empregados das EFPC devem manter e promover conduta permanentemente pautada por elevados padrões éticos e de integridade, orientando-se pela defesa dos direitos dos participantes e assistidos dos planos de benefícios que operam e impedindo a utilização da entidade fechada de previdência complementar em prol de interesses conflitantes com o alcance de seus objetivos].

Será que adiantaria fazer uma legislação afirmando que o investimento deve ser de uma determinada forma ou se estaria direcionando e tirando um pouco da liberdade de escolha do gestor? Por outro lado, há aquele mito de que “ou busco rentabilidade ou busco sustentabilidade”. Seria importante o mercado entender que a sustentabilidade não está nem no campo da legalidade – sabemos das diversas penalidades e há empresas que avaliam “eu vou fazer assim, depois eu pago a multa” – e também não está no campo da filantropia. Ninguém vai fazer isso para ajudar e esquecer a rentabilidade.

Então, o investimento sustentável conversa diretamente com a questão ética, com o elevado padrão ético exigido de um gestor de previdência complementar, que deve estar voltado aos interesses dos participantes, de forma responsável e sustentável, mas sem descuidar da rentabilidade.

Como fica a responsabilidade dos gestores?

Muito além disso, existe uma inteligência no meio do caminho que me leva para esse tipo de investimento, seja uma correlação direta com contrato previdenciário, seja pela leitura do mercado que o gestor deve ter. Ou ainda, a demanda – cada vez mais crescente – de um consumidor responsável. É muito importante a consciência ética. Não pautamos nossa ética na legislação porque, se assim fosse, não precisaríamos da ética.

É muito importante a consciência ética para entender o contrato previdenciário, a responsabilidade que o gestor deve ter com os mais elevados padrões éticos. E, mais do que isso: a sobrevivência dos negócios, que em pouco tempo estarão fadados ao fracasso se não observarem adequadamente o ecossistema em que estão inseridos, as gerações que estão chegando, a disposição de pagar um valor maior por um produto sustentável em relação a produtos que eventualmente não terão vida longa.

Quem descobrir como fazer mineração, com emissão zero de gás carbônico, por exemplo, vai marcar um golaço. Não se trata de acabar com uma determinada atividade econômica, mas como influenciar e melhorar esse negócio. Como é que eu consigo fazer isso, conversar com o futuro consumidor deste produto? Ele conseguirá entender que o produto tem uma cadeia sustentável? Cada vez mais, o lastro do seu produto está sendo cobrado pelo consumidor e será visto como um diferencial.

O mundo mudou e isso tem que estar na pauta. Eu diria que, mais importante do que uma questão regulatória, é a ética do gestor previdenciário de entender esse contexto, o contrato previdenciário, o dever fiduciário e conseguir caminhar nesse sentido.

 

(Colaboração: Vinícius Ritter)

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