A Plenária 4 do 16º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ENAPC), realizada na última sexta-feira (13), tratou do papel da Câmara de Recurso da Previdência Complementar – CRPC para o fortalecimento do ato regular de gestão. O evento reuniu 400 participantes ao longo de três dias de realização.
O painel foi presidido por Jorge Luiz Ferri Berzagui, Representante Suplente das EFPCs na CRPC. Participaram como palestrantes: Adler Anaximandro de Cruz e Alves, Presidente da CRPC; Juliana Bonacorsi de Palma, Professora da FGV Direito SP e do FGVLaw e Coordenadora do Grupo Público da FGV; José Luiz Costa Taborda Rauen, Vice-Presidente do Sindapp e Representante Titular das EFPCs na CRPC. Maurício Tôrres, Sócio do escritório Tôrres, Corrêa e Oliveira Advocacia, foi responsável pela moderação do debate ao final.
Enunciados objetivos – Durante a sessão, o Presidente da CRPC destacou ser fundamental o órgão caminhar em direção a editar enunciados claros e objetivos sobre o seu entendimento acerca de determinados assuntos da previdência complementar, servindo como referência ao mercado.
¨O próximo desafio da Câmara, talvez até com uma revisitação de seu decreto regulamentador, é formalmente incluir o mecanismo da súmula dentro da dinâmica do julgamento, com o devido iter processual¨, destacou Adler Cruz e Alves. ¨Se pudermos consolidar esses entendimentos e cristalizá-los em enunciados bastante objetivos é o caminho ideal¨, disse, acrescentando que também é preciso haver mecanismos de revisão e atualização, com a curadoria desse entendimento administrativo com o passar do tempo.
Papel da CRPC – Na abertura da plenária, Jorge Berzagui contextualizou que a CRPC é a última instância administrativa para julgar os autos de infrações promovidos pela fiscalização da Previc. Assim, cabe à Diretoria Colegiada da Previc o julgamento em primeira instância, e à CRPC o julgamento dos recursos de ofício da Previc, dos recursos voluntários dos autuados e dos embargos de declaração interpostos sobre suas decisões. Ao órgão também cabe julgar os recursos interpostos contra as decisões proferidas pela Dicol referentes aos lançamentos tributários da Taxa de Fiscalização e Controle da Previdência Complementar (Tafic).
Prevalência do ato regular de gestão – Berzagui lembrou que a grande maioria dos recursos que tramitam na CRPC tratam da tipificação do artigo 64 do Decreto 4942/2003, referente à aplicação dos recursos garantidores dos planos de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional – CMN.
¨Nossa luta sempre foi para fazer prevalecer o ato regular de gestão. E quando ele prevalece? Quando são observados os procedimentos e os processos de análise de investimentos, dos diversos riscos a que estão sujeitos os investimentos, a análise dos gestores e das garantias, de forma geral, o iter procedimental, legal e regulamentar para a tomada de decisão sobre o investimento. Então, avaliamos se o rito e as regras foram observados e cumpridos¨, complementou o representante suplente das EFPCs na Câmara.
Desafios e evolução da CRPC – Em sua fala, o Presidente da CRPC, Adler Anaximandro de Cruz e Alves, avaliou o atual regime disciplinar para a apuração da responsabilidade administrativa no âmbito do segmento das EFPCs. Ele lembrou o desafio de ter assumido a presidência da Câmara em um momento delicado, após o início da pandemia de COVID-19, e sua primeira missão foi criar mecanismos para que o órgão pudesse retomar seu funcionamento no modelo online.
Alves destacou a qualidade dos membros que hoje compõem a Câmara –quatro indicados pelo governo e três pela sociedade civil (representantes das EFPC, participantes e patrocinadores). ¨Fui agraciado com o alto nível técnico dos conselheiros que estavam e permaneceram, e com a chegada de novos que acrescentaram muito. Todos os colegas que acompanham os debates da Câmara têm visto com clareza o quanto há um aprofundamento das discussões, fruto da grande capacidade dos conselheiros¨, destacou.
Todos os integrantes da Câmara conseguem ter visão efetiva sobre como a indústria da previdência complementar e as EFPCs se comportam, notou o Presidente. ¨Então, o sr. José Luiz Rauen e o sr. Jorge Berzagui têm uma atuação profissional¨, disse Alves, que é Procurador Federal e já presidiu um instituto do RPPS e também ajudou a instituir e foi conselheiro do fundo de previdência complementar dos servidores do Distrito Federal.
Comunicação com o governo – Alves acumula a presidência da Câmara como o cargo de Secretário Especial Adjunto de Previdência e Trabalho do governo. Dessa forma, é possível atuar como um elo entre o que está acontecendo no sistema sancionador, na CRPC, e a formatação de políticas junto ao Secretário e ao Ministro, observou.
¨Essa comunhão entre o conhecimento técnico dos conselheiros com o fato de hoje a Câmara ser presidida por alguém que está na alta gestão do Ministério ajuda e muito a trazer, para dentro da ótica de regulação e para a ótica de organização da previdência complementar, o que tem acontecido no mundo real de cada uma das entidades e de cada um dos senhores que atua na defesa dessas entidades administrativamente, judicialmente e extrajudicialmente¨, disse Alves ao público do ENAPC.
Ele acrescentou ainda a celeridade na retomada dos trabalhos da CRPC, o que possibilitou a redução em quase 50% do estoque de processos que ficaram parados durante a pandemia.
Caráter pedagógico da sanção – Alves também destacou que a sanção possui um caráter pedagógico, que deve prevalecer sobre o caráter punitivo do processo administrativo sancionador. Nesse sentido, a CRPC tem buscado separar e compreender muito bem a diferença entre a não observância do ato regular de gestão – ou seja, o desvio de conduta – e o eventual insucesso de determinada operação de investimento.
Para isso, é necessário avaliar se houve o desvio de conduta, em relação ao que se espera daquele gestor, e o que foi efetivamente praticado, identificando se houve ali culpa ou dolo em sua atuação. O outro aspecto que deve ser compreendido é sobre o resultado de uma operação de investimento sob o viés do risco de mercado.
¨Para mim, o que mais caracteriza o ato irregular de gestão é o desrespeito da entidade ou daquele gestor em relação às medidas, controles e alçadas estabelecidas em legislação e nos normativos internos dessas entidades¨, disse o Presidente da CRPC, notando que uma linha mestra observada nos julgamentos é o respeito material às competências e alçadas definidas dentro da EFPC.
Conduta dos profissionais – O Presidente lembrou que há casos concretos na Câmara em que uma sanção deixou de ser aplicada pelo colegiado quando houve o reconhecimento de que o gestor ou determinado responsável por uma alçada teve o cuidado de registrar posições, alertar instâncias superiores e exigir a instâncias inferiores o detalhamento de determinadas situações.
¨Quando verificamos no caso concreto que houve esse cuidado, essa atenção com as normas que também são normas internas, dificilmente esse poder sancionador precisa ser aplicado¨, destacou. Ele acrescentou a importância da valorização da governança e do respeito aos normativos das entidades para que a CRPC possa atuar com efeito pedagógico.
Orientações ao mercado e coerência das decisões – Outro aspecto destacado por Alves é a necessária estabilidade nas orientações extraídas das decisões emanadas pela CRPC. E, assim, buscar-se sempre privilegiar a coerência dessas decisões e sua integridade, ou seja, corresponder à adequada aplicação das normas jurídicas para situações análogas.
A pluralidade dos integrantes da Câmara também foi ressaltada na fala do Presidente da CRPC, como um fator que enriquece a qualidade das discussões, trazendo experiências e visões de mundo diferentes. Essa diversidade na representação também contribui para pautar a atuação do próprio órgão fiscalizador, no sentido de estabelecer balizamentos para que tanto o gestor saiba o que se espera da atuação dele, quanto também o órgão fiscalizador tenha uma compreensão mais perfeita e mais próxima de qual é o seu papel na avaliação dos atos que lhe são submetidos.
Caráter pedagógico da sanção – Juliana Bonacorsi de Palma, Professora da FGV Direito SP e do FGVLaw e Coordenadora do Grupo Público da FGV, palestrou sobre os reflexos das alterações implementadas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB sobre o processo administrativo sancionador.
Assim como o Presidente da CRPC, a professora da FGV destacou que a sanção não é a finalidade do processo administrativo. O principal escopo do processo é pautar o comportamento probo dos atores do mercado e dos administrados. Assim, a sanção deve servir para a orientação quanto à conduta que se espera dos agentes regulados.
Transição de modelos regulatórios – Juliana observou ainda que o Brasil está em um estágio de transição nos modelos regulatórios sancionadores, frente ao esgotamento do padrão de ¨comando e controle¨. O atual momento é de abertura para novas técnicas – a exemplo da regulação responsiva -, que não se limitam a comandar e controlar, mas buscar a colaboração dos atores de mercado.
Nesse sentido, a professora da FGV pontuou que a LINDB é um instrumento poderoso para aperfeiçoamento do sistema regulador, ao estabelecer mecanismos que na legislação específica para a previdência complementar fechada ou estão ausentes ou são abordados de maneira tímida.
Orientação para melhores práticas – Juliana destacou que por meio desses mecanismos é possível para a CRPC orientar o mercado para uma mudança de conduta e modernização de rotinas e processos. E, dessa forma, também contribuir para a divulgação do que se espera enquanto melhores práticas para a atuação dos agentes que participam da relação de previdência complementar – independente da área (benefícios, investimentos etc.).
Obter esse balizamento extraído das decisões da CRPC, no sentido de servir como orientação objetiva para os gestores é um resultado que viria a beneficiar todo o setor, seja para os administrados, quanto também para a própria atuação dos fiscalizadores.
Avaliação sob condições da época – A professora da FGV apresentou vários dispositivos da LINDB que podem contribuir para a evolução regulatória. Dentre eles está o artigo 22, que orienta para a necessidade de se avaliar as condições fáticas e jurídicas presentes no momento em que foi realizado o ato objeto de avaliação.
Dessa forma, se mitiga o efeito de julgar ¨olhando para o retrovisor¨, ou seja, avaliar com base no entendimento atual um ato praticado em anos anteriores, em que o contexto das condições de mercado, regulatórias e jurídicas era absolutamente diferente.
Regime de transição e esfera temporal – Juliana também destacou o artigo 23 da LINDB, voltado para a aplicação de normas e que traz a recomendação do regime de transição. O artigo 24, sob o mesmo espírito, emana que se houver mudança de orientação e reconhecimento de que se trata de entendimento novo, o fato objeto de análise também precisa ser compreendido dentro da esfera temporal – distinguindo-se se o entendimento prevalente à época em que foi realizado seria o mesmo preponderante na atualidade.
Credibilidade e segurança jurídica – José Luiz Costa Taborda Rauen, Vice-Presidente do Sindapp e Representante Titular das EFPCs na CRPC, tratou em sua palestra da jurisprudência da Câmara. Rauen lembrou que a defesa do ato regular de gestão faz parte da missão do Sindapp, sindicato patronal das EFPCs.
A credibilidade e segurança jurídica são requisitos fundamentais para o funcionamento das entidades fechadas, dentro de sua responsabilidade para com a gestão de recursos de terceiros, ressaltou Rauen. Nesse sentido, a CRPC tem papel de relevo na afirmação e preservação desses pilares, com decisões estáveis e consistentes, e na garantia da ampla defesa e devido processo legal.
Jurisprudência consolidada – Rauen destacou que o colegiado tem a compreensão de que se deve julgar os casos considerando a observância ao ato regular de gestão e os fatos e práticas presentes à época de seu acontecimento. Está também consolidado o entendimento de que não há possibilidade de responsabilização objetiva de gestores das EFPCs, e que no processo administrativo disciplinar é imprescindível a demonstração da culpa ou dolo.
O representante titular das EFPCs trouxe ainda questões polêmicas que perpassam o entendimento da maioria dos membros da Câmara, mesmo que não sejam unânimes. Uma delas é quem pode ser responsabilizado pelos atos. Ele notou que a responsabilização não se limita aos dirigentes, podendo também alcançar administradores de patrocinadoras e instituidoras, atuários, auditores, dentre outros profissionais envolvidos, incluindo técnicos que participaram do processo de investimentos, ainda que não tenham poder decisório.
Outras questões passam pela: inadmissão de pedidos de produção de prova oral ou pericial quando há elementos suficientes nos autos para convencimento da Dicol e da Câmara; quando ocorre prejuízo à entidade não se acolhe o pedido de TAC; a prescrição só pode ser considerada interrompida por ato inequívoco da administração; e que a decisão sobre investimentos que preveem vários aportes não caracteriza infração continuada, sendo os aportes futuros mero corolário daquela decisão tomada e que, por se tratar de contrato civil, a descontinuidade da prestação poderia deixar a entidade exposta a responsabilização por perdas e danos frente ao fundo e seus cotistas.
Debate – Durante o debate, Maurício Tôrres, Sócio do escritório Tôrres, Corrêa e Oliveira Advocacia, destacou a evolução qualitativa da CRPC e a importância da segurança jurídica e da coerência das decisões emanadas pelo órgão para o setor.
¨Do ponto de vista do administrado, o que ele espera da instância recursal no processo administrativo sancionador é o amparo para o ato regular de gestão, a segurança jurídica necessária para que possa desenvolver a sua atividade de maneira adequada e regular¨, enfatizou Tôrres.
O 16º ENAPC foi realizado pela Abrapp, com apoio institucional da UniAbrapp, Sindapp, ICSS e Conecta. Patrocínio Ouro: Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados; Junqueira de Carvalho e Murgel Advogados Associados; Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, MMLC Advogados Associados; e Tôrres, Corrêa e Oliveira Advocacia. Patrocínio Prata: Bothomé Advogados. Patrocínio Bronze: Atlântida Perícias e Santos Bevilaqua Advogados.