Artigo: Transição energética cria novas oportunidades de investimentos verdes – por Henri Rysman*

Eventos recentes como a seca na Índia e chuvas torrenciais em alguns estados do Nordeste estão evidenciando o agravamento das mudanças climáticas. Estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas (“ONU”), evidenciam uma relação direta entre as emissões dos gases de efeito estufa, em particular o CO2 e a temperatura do Planeta¹. Mais de 89% das emissões de CO2 vêm da queima de energia fóssil², o que torna fundamental a descarbonização dos centros de produção de energia. Isso só se tornará possível com uma forte aposta nas energias renováveis. Os efeitos da invasão da Rússia na Ucrânia mostraram também a dependência da União Europeia com relação ao gás natural e ao petróleo russo, com efeitos indiretos no Brasil, incluindo a disparada do preço da gasolina.

O Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2015 (COP21), tem como principal objetivo limitar o aquecimento global a 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais. Isso vai exigir uma descarbonização rápida e profunda da economia mundial. A transformação necessária oferece uma grande oportunidade para a economia verde. Segundo a Agência Internacional de Energia Renovável (“IRENA”), o mundo precisará gastar US$ 115 trilhões na transição energética, até 2050, para conseguir atingir as metas do Acordo de Paris, aumentando a participação das energias renováveis na matriz energética de 26% para 90%³. Para alcançar esse nível, os investimentos anuais precisarão mais do que dobrar, passando de cerca de US$ 1,9 trilhão por ano, valor atual, para mais de US$ 5,7 trilhões por ano, em média, até 2030³.

Para as aplicações nacionais do Acordo de Paris, cada país signatário define a sua Contribuição Nacionalmente Determinada (“NDC”, na sigla em inglês) com as metas domésticas e estratégias que irão seguir para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa. No Brasil, a última atualização da NDC foi feita na abertura da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26, que aconteceu em Glasgow em novembro de 2021)⁴. Nela, o Governo Federal anunciou a meta de reduzir as emissões de carbono em 50% até 2030 e zerá-las até 2050, tendo como base as emissões de 2005⁴. No discurso de abertura da Cúpula do Clima, o Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, apresentou diretrizes para a agenda estratégica voltada à neutralidade climática e uma delas é alcançar, em 2030, a participação de 50% das energias renováveis na composição da matriz energética⁵.

Hoje essa participação representa 48,4%⁶, mais de três vezes a média mundial⁷. Se formos considerar a composição somente da matriz elétrica, a participação das fontes renováveis fica ainda maior, chegando aos 84,8%⁶. Dentro desses 84,8%, a energia hidrelétrica chega aos 60%. Esse nível pode parecer uma vantagem, porém, no ano passado, devido à maior crise hídrica em nove décadas, os reservatórios das hidrelétricas no centro-sul do Brasil chegaram a níveis críticos e tiveram que acionar as termoelétricas, mais caras e (muito) mais poluentes. Esse episódio nos mostrou que a diversificação das fontes renováveis é fundamental! Consciente disso, o Ministério de Minas e Energia (“MME”) está prevendo no Plano Decenal de Expansão de Energia⁸, que a participação da fonte hídrica seja reduzida para 46% até 2031.

Como alternativa de fontes renováveis, as energias eólicas e solares são as que mostraram maior crescimento e mais oportunidades futuras. Só no ano passado, registraram um recorde em adições líquidas de energia limpa – 3,6 Gigawatt (“GW”) em energia eólica no Brasil e 6,7 GW em energia fotovoltaica (incluindo 5 GW de geração distribuída)⁹. A geração de energia solar distribuída está vivendo uma verdadeira expansão local. Nos próximos anos, o país deve ultrapassar os Estados Unidos, Alemanha e Austrália para virar o segundo maior mercado para a geração distribuída no mundo, atrás apenas da China. O total de 10,3 GW de adições líquidas representa o dobro da capacidade adicionada em 2020⁹. A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) espera perto de 45 GW de adições líquidas até 2025⁹ e o MME prevê mais de R$ 207 bilhões em necessidade de financiamento para novos projetos até 2031⁸. Isso sem considerar projetos potenciais de hidrogênio verde, onde o Brasil pode se tornar um dos líderes mundiais, considerando um dos custos de produção mais baixo do mundo segundo um estudo da consultoria McKinsey sobre as oportunidades futuras de hidrogene verde no mundo¹º.

Para financiar esses projetos, as debêntures incentivadas foram criadas pelo governo federal através da edição da Lei 12.431/11, como forma de incentivar financiamentos privados (via isenção de IR para pessoas físicas e alíquota de 15% para pessoas jurídicas) ao setor de infraestrutura e diminuir a dependência do setor em relação ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (“BNDES”).

A Lei nº 12.431/11 estabeleceu como elegíveis os projetos de investimento na área de infraestrutura considerados como prioritários. A partir de então, os ministérios, cada um em sua respectiva área de competência, editaram normas para definir quais seriam os chamados “projetos prioritários” e possibilitar a captação de recursos. No setor de energia, por exemplo, o Ministério de Minas e Energia editou as Portarias MME 245/2017, 364/2017 e 252/2019 para, respectivamente, estabelecer as condições para os projetos prioritários de distribuição de energia elétrica, transmissão e geração de energia elétrica e investimentos em gás natural. No último boletim de Debêntures Incentivadas¹¹, consta-se que de um total de R$ 156 bilhões de debêntures emitidas desde 2012, mais de 66% foram no setor da energia, inclusive perto de R$ 26 bilhões só no ano de 2021 com 78 emissões diferentes.

Mais recentemente, pensando na onda “ASG” (Ambiental, Social e Governança) e na demanda para títulos verdes e sociais (conhecidos como “green bonds” e “social bonds”), o Governo Federal editou o Decreto nº 10.387 para estender os benefícios fiscais aos projetos que trouxerem impactos positivos para o meio ambiente ou para a sociedade, passando a considerá-los como prioritários também. No setor de energia, o decreto considera elegíveis os projetos baseados em tecnologias renováveis de geração de energia solar, eólica e de resíduos. Segundo um levantamento da NINT (Consultoria Especializada em Avaliação ASG) para o Valor Econômico¹², apenas neste ano, mais de R$ 1,3 bilhões de títulos verdes foram emitidos, incluindo uma debênture verde da Casa dos Ventos de R$ 430 milhões para expansão do maior parque do mundo no Rio Grande do Norte e uma emissão verde de R$ 60 milhões da Solfácil (que já tinha lançado o primeiro FIDC Verde de R$ 500 milhões no ano passado) para financiar a substituição de geradores a diesel por painéis fotovoltaicos de 1.600 consumidores da região Norte.

As oportunidades de financiamento verde não se limitam as debêntures ou FIDC e o BNDES foi o primeiro a incentivar esse tipo de emissão, criando uma estrutura para letras financeiras verdes (“LFV”) com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (“BID”). As LFV têm características similares as das letras financeiras convencionais, porém os recursos obtidos devem ser destinados a financiar projetos ambientalmente sustentáveis, com parecer de uma empresa verificadora especializada. A primeira emissão de R$ 1 bilhão foi feita em outubro de 2020 para financiar o complexo eólico Cutia e Bento Miguel e o complexo solar Paracatu¹³. Em seu primeiro relatório, pós emissão¹³, o BNDES destacou que a LFV tinha ajudado a evitar a emissão de 1,8 milhões de toneladas de gás carbônico, o que equivale a cerca de 68% do total de CO2 gerado pela frota de automóveis da cidade de São Paulo.

A demanda de financiamento nesta agenda de projetos de energia renovável precisará da contribuição fundamental da indústria de fundos e dos fundos de pensão para atingir os objetivos do Acordo de Paris. Isso representa um desafio, mas também uma oportunidade única para os investidores que querem fazer parte dessa iniciativa de transição de energia. O recém lançamento do normativo de fundos de Investimento Sustentável (IS) pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (“Anbima”), que representa as instituições do mercado de capitais brasileiro, deve dar ainda mais visibilidade para esse tipo de investimento e incentivar mais alocações como essas, particularmente em fundos com objetivo sustentável vinculados à mitigação dos riscos climáticos.

*Henri Rysman, Gestor de Fundos renda Fixa da BNP Paribas Asset Management Brasil.

Notas

[1] IPCC, 2021: Summary for Policymakers. In: Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. In Press.

[2] IEA (2022), Global Energy Review: CO2 Emissions in 2021, IEA, Paris https://www.iea.org/reports/global-energy-review-co2-emissions-in-2021-2.

[3] IRENA (2022), World Energy Transitions Outlook 2022: 1.5°C Pathway, International Renewable

Energy Agency, Abu Dhabi

[4] Brazil’s NDC submissions and updates to the UNFCCC

https://www4.unfccc.int/sites/NDCStaging/pages/Party.aspx?party=BRA

[5] https://www.gov.br/pt-br/noticias/energia-minerais-e-combustiveis/2021/11/com-meta-ambiciosa-brasil-anuncia-reducao-de-50-nas-emissoes-de-carbono-ate-2030

[6] Ministério de Minas e Energia. Resenha Energética Brasileira: Ano base 2020, edição 09 de Julho de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/ResenhaEnergticaExerccio2020final.pdf.

[7] https://www.iea.org/data-and-statistics/data-browser?country=WORLD&fuel=Energy%20supply&indicator=TESbySource

[8] Plano Decenal de Expansão de Energia 2031 / Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa

Energética. Brasília: MME/EPE, 2022

[9] Bloomberg NEF, 1H 2022 Latin America Market Outlook, 20/04/2022

[10] McKinsey & Co. (2021) – Green Hydrogen: an opportunity to create sustainable wealth in Brazil and the world.

[11] Ministério da Economia, Boletim Informativo de Debêntures Incentivadas, 100ª Edição, março 2022

[12] Valor Econômico, 30/05/2022, “Títulos de energia limpa já alcançam R$ 1,3 bi este ano”

[13] RELATÓRIO DA LETRA FINANCEIRA VERDE. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social,2021. Anual.

 

 

Shares
Share This
Rolar para cima