A mudança de fase nos ciclos econômicos não ocorre do dia para noite, tão pouco vem com aviso prévio, data de validade ou vencimento. Não é à toa que o Comitê do ‘National Bureau of Economic Research’, leva meses para definir quando uma recessão começou e terminou.
Na alocação de recursos a realidade é outra. Buscamos, ‘ex-ante’, definir o cenário econômico que iremos enfrentar. Não importa a fase do ciclo, o portfólio deve estar calibrado para se beneficiar do quadro prospectivo. Alterar o portfólio, para refletir a nova conjuntura, é no mínimo desafiador.
Apesar de parecer uma pergunta de 1 milhão de dólares, o momento exato de alterar a composição do portfólio não deveria ser um objetivo, afinal, acertar um tiro, na mosca voando, não é tarefa fácil. Ao contrário, evitar os momentos errados de alterar a composição de uma carteira é tarefa menos complicada, um objetivo tangível. Calma, vou explicar.
Diferentemente do que você está pensando, o momento certo de alterar a composição do portfólio não é 1 ponto na linha do tempo, mas sim, uma janela, um período. Não é uma tarefa de ‘market timing’, mas sim, uma tarefa de calibrar a proporção de cada estratégia dentro da carteira. O ‘Market timing’, diga-se de passagem, é de responsabilidade do gestor da estratégia (i.e.: Ações, Juros, moedas, Commodities, etc).
Identificar essas janelas nem sempre é obvio. Existem muitos sinais falsos, ruídos, e vieses comportamentais que podem levar a decisões equivocadas, mas existem algumas premissas que podemos usar para evitar o pior momento de se fazer isso.
Primeiramente, não tente pegar a faca caindo. Sim, esse ditado popular, muitas vezes esquecido até pelos gestores mais experientes, é um grande aliado na hora de identificar o momento de alterar o portfólio. Apesar de ser intuitivo, não faltam exemplos desse tipo de erro, é só olhar para a literatura financeira e ver grandes histórias ao redor do tema.
Na ânsia de antecipar e capturar os movimentos de mercado na sua integralidade, de acertar o timing da virada do ciclo, alocadores queimam a largada, baseando-se em poucos dados, com sinais fracos, ou em uma conjunção de ruídos. Ao ajustar o portfólio muito cedo, o mercado pode levar muito mais tempo para se ajustar e refletir o mesmo posicionamento, levando o alocador a sofrer um “vento contra” na carteira que pode custar caro.
Quer exemplos? A alta da inflação e por consequência, o ajuste nos mercados de juros, bolsa etc., levou muito mais tempo para aparecer nas cotas, porém as discussões em torno do tema já estavam no radar, e em alguns indicadores, desde o começo de 2021.
Outra premissa é procurar opiniões divergentes da sua. Mesmo que você esteja convicto e correto sobre o novo cenário, decisões como essa não são binarias, à medida que os dados vão aparecendo, o tamanho e posicionamento vai se alterando, e isso leva tempo.
Além disso, não utilize a alteração da composição do portfólio em uma mudança de ciclo, para compensar possíveis movimentos agudos de aversão a risco e cenários de cauda. Lembrando que, por definição, você não tem como antecipar um movimento desse tipo, caso você tivesse como antecipar, não seria um “black swan”. Para mitigar esse tipo de evento há outras ferramentas, como diversificação, correlação e volatilidade. Use-as.
Espere até ver o branco dos olhos. Prefira, para evitar fazer uma mudança de a alocação em momento errado, ver com clareza os dados apontando para uma nova direção que justifique a alteração. A esperança matemática nem sempre te favorece nessa questão. Você prefere ter 95% de chance de ganhar, 50% ou ter 50% de chance de ganhar 95%? Quando lidamos com alocação de recursos, levamos em consideração o cliente final, que é avesso a perdas e não a risco.
Mantenha todas as possibilidades no radar. Não negligencie um possível cenário que não se alinha a sua carteira.
Se você chegou até aqui, deve ter percebido que, por essas premissas, o portfólio será alterado um pouco mais tarde do que você ou seu cliente gostaria, porém, ele te ajuda a evitar o momento errado, sem necessariamente deixar uma grande parte dos retornos de lado.
A cada dia que passa percebemos que as fases dos ciclos econômicos estão mais curtas, porém mais intensas. Uma observação diligente dos movimentos recentes de mercado, apontam para um cenário claramente inflacionário, porém ainda indefinido em relação a recessão.
Usando as premissas acima, à medida que os dados forem surgindo, e um cenário definitivamente recessivo ficar muito mais claro, alguns ajustes no portfólio deveriam seguir. Por enquanto, diria que o portfólio deveria ficar “em cima do muro”.
Apenas como contra ponto, por exemplo, usando o mesmo cenário, vejo um exagero de alocação para um cenário recessivo em vários participantes do mercado, mesmo com a probabilidade baixa desse cenário acontecer. Um exemplo desses participantes com uma exposição abaixo do possível no momento, são as EFPCs.
Essa alocação para um cenário recessivo, que ainda considero um pouco cedo, apesar de gerarem carteiras de baixo risco, acabam gerando também carteiras mais concentradas do que o necessário. Um exemplo disso, é a baixa utilização de ativos internacionais nas EFPCs, que poderiam fazer maior uso desses ativos para minimizar esses impactos e capturar melhor os ciclos econômicos, sem necessariamente incorrer em maiores riscos.
Dito isso, não sei se o cenário final é um quadro recessivo ou não. Não cabe aqui nesse artigo discutir a conjuntura. Mas fica aqui uma provocação: Há espaço para dúvida, e discussão na sua alocação? Qual a margem para incerteza? Uma boa estratégia de ajuste de alocação de carteira pode ter impacto relevante na manutenção de retornos aceitáveis, principalmente quando o cenário é desafiador, como o atual.
*Vitor Tartari, CGA, CFP® é Gestor de Fundos de Fundos da Fator Administração de Recursos