Quando a Resolução 31 do CNPC, de 11/12/2018, que instituiu o CNPJ por plano, foi publicada muito se comemorou no universo das Entidades Fechadas de Previdência Complementar. Entretanto, nem tudo são flores no cumprimento do que veio depois. Durante muito tempo, considerando que o próprio prazo inicial de três anos foi prorrogado por mais um ano, as entidades se questionam sobre o impacto operacional daquela Resolução. Estamos nos aproximando agora do prazo final para a implantação, que será em 31/12/2022.
A Receita já publicou os CNPJs de cada um dos planos. O foco maior certamente é a independência patrimonial e depois de se passar por muitas legislações que definiram essa independência, agora ela se concretizará com a identidade de um CNPJ para cada plano de benefícios, mas seria esse o único ponto importante da implantação dessa segregação de CNPJs?
Infelizmente as entidades estão se deparando com outros sérios problemas trazidos pela ampliação das ações regulatórias do CNPJ por plano.
Desde a publicação da Lei 109 de 29/05/2001, em seu artigo 34 – I-b, a independência patrimonial está prevista na legislação a que estão submetidas as Entidades Fechadas de Previdência Complementar. Desde 2001 até o momento, a independência patrimonial tem sido foco de várias resoluções.
A Resolução 14 do CGPC, de 2004, que criou o Cadastro Nacional de Planos de Benefícios – CNPB, em seu artigo 3º define que “cada plano de benefícios possui independência patrimonial em relação aos demais planos de benefícios”. A Resolução 31 do CNPC, de 11/12/2018, que instituiu o CNPJ por plano, em seus artigos 1º e 2º reforça a independência patrimonial e ainda no parágrafo 1º do artigo 2º, que “o plano de benefícios de caráter previdenciário possui identidade própria e individualizada em todos os aspectos regulamentares, cadastrais, atuariais, contábeis e de investimentos”. Em 2021 essas duas resoluções foram canceladas pela Resolução 46, de 01/10/2021, que consolidou o mesmo entendimento.
Assim estava consolidado o conceito da independência patrimonial e os ativos comuns aos planos de benefícios administrados pela entidade, com a criação de um CNPJ para cada plano de benefícios devem ser definitivamente segregados. A Resolução Previc nº 12, de 16/08/2022, veio para definir as regras “para realizar os procedimentos de transferência ou qualquer outra forma de troca de ativos entre os planos por ela administrados, decorrentes da implementação do registro, no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), dos planos de benefícios”.
Entretanto, a mesma resolução 12 da Previc trouxe um componente adicional no parágrafo 3º do seu artigo 3º, definindo que “A EFPC deve abrir contas de depósito à vista ou de poupança próprias para os planos de benefícios por ela administrados e o PGA”.
As EFPCs, que já vinham atuando há meses na consecução dos processos de segregação de seus ativos, com a obrigação prevista de abertura de contas correntes individuais por plano passaram a conviver com mais alguns impedimentos para a consecução do processo. Em participação no 13º Fórum Uniabrapp e Ancep, José Carlos Chedeak, Diretor de Fiscalização e Monitoramento da Previc, confirmou a necessidade de abertura de contas correntes por plano para todas as operações e não apenas para o tratamento dos ativos.
Adicionalmente, a Receita Federal do Brasil confirmou através da Nota RFB/SUFIS nº 8, de 10/10/2022 o que já estava previsto no parágrafo 1º do artigo 5º da Resolução 46, de que “a inscrição no CNPJ não confere personalidade jurídica própria aos planos de benefícios” e ainda “não haverá reflexos no cumprimento das obrigações acessórias sob governança da Sufis”. Assim, pela mesma Nota, “conclui-se que não haverá reflexos na forma de prestação das informações pelas EFPC, haja vista que os leiautes dessas obrigações acessórias não exigem o detalhamento de informações por plano de benefício”.
Por outro lado, segundo a Resolução 2.025 do Conselho Monetário Nacional, de 24/11/1993, as pessoas jurídicas devem minimamente indicar, para abertura de conta corrente, “razão social, atividade principal, forma e data de constituição, documentos, contendo as informações referidas na alínea anterior (que se referem à identificação da pessoa física), que qualifiquem e autorizem os representantes, mandatários ou prepostos a movimentar a conta, número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ e atos constitutivos, devidamente registrados, na forma da lei, na autoridade competente”.
A interpretação dos bancos sobre a identidade da pessoa jurídica coloca barreiras à abertura de contas correntes para os planos de benefícios, gerando diversas controvérsias e levando alguns dos principais bancos atuantes no país a não oferecerem às entidades a possibilidade de abertura de conta corrente para cada plano. Como não há personalidade jurídica para o plano, a conta corrente por plano necessariamente será de titularidade da entidade, em seu CNPJ e com o CNPJ do plano vinculado à conta. E os bancos, em sua maioria, ainda não estão preparados para essa forma de vínculo.
Por outro lado, para as entidades, depois de resolvido o problema da abertura da conta, virão os problemas operacionais e de custos. Os sistemas usados por boa parte das entidades não foram preparados para o uso de contas correntes individuais por plano e vinculam as contas à entidade como um todo. Operacionalmente, os tratamentos das trocas de informações com os bancos também não estão preparados para essa operação. E, para piorar o quadro, múltiplas contas levam a maior quantidade de tarifas incidentes na operação. Uma entidade que tem planos com pequeno volume de participantes ou de patrimônio terá mais custos operacionais em convênios individuais vinculados às contas desses planos, aumentando as despesas administrativas do plano.
Em se tratando dos processos das tesourarias, especialmente daquelas entidades com muitos planos, a operação será comprometida se não for suportada por um competente sistema de gestão. O fluxo de caixa, geralmente único, será multiplicado por tantos quantos forem os planos da entidade. Os processos de conciliação e de gestão de divergências serão multiplicados pela quantidade de planos. E isso operacionalmente poderá gerar um caos na operação financeira. O trânsito de operações entre contas de plano e as contas do PGA poderão gerar também sérias complicações. Contratos continuarão na entidade e como fica a vinculação de uma conta a um Contrato se a conta é de outro CNPJ?
Em resumo, entidades com vários planos que não tenham um sistema de gestão consistente e eficiente para suportar suas operações, com a confiabilidade da segregação operacional e que permita a gestão efetivamente individual de seus processos operacionais por plano, estarão fadadas a riscos operacionais, financeiros e até de imagem muito fortes.
*Claudio Carvalho é especialista em Tecnologia e Previdência Complementar. Atua como Diretor de Negócios e Previdência, responsável pela área de previdência na GPI e como consultor especialista em previdência.