O Congresso Nacional precisa concluir um trabalho iniciado há quase duas décadas. Felizmente, não se trata de uma dívida impagável e sequer envolve ônus. Diferentemente disso, acumulou um débito social elevado –que o atual governo se declara disposto a resgatar– e sérias dificuldades em encontrar meios de financiar o crescimento da atividade econômica. Retomar a agenda não concluída em 2004 seria uma forma e tanto de o país ajudar a resolver ou ao menos amenizar essas suas duas carências.
É forçoso reconhecer isso porque a vertente da previdência complementar de que estamos tratando, a fechada de acordo com a legislação, é reconhecida globalmente como importante auxiliar das previdências sociais nacionais. Ao mesmo tempo, supre de investimentos economias que tanto precisam criar trabalho, renda, enfim, prosperidade.
O Brasil, contrariando toda a experiência internacional, há duas décadas perdeu a chance de ter algo que muito poderia ter ajudado a fomentar essa extraordinária ferramenta previdenciária de construção de paz social e riqueza com distribuição de seus frutos.
Essa história começa em 2004, com a medida provisória 233, que criou um órgão voltado para a fiscalização e supervisão da previdência complementar, ainda no início do 1º mandato do presidente Lula. A MP não vinha sozinha. Dentre outras medidas, se incluía no contexto de uma decisão governamental de inserir em seu programa uma atenção especial ao fomento do sistema complementar aos benefícios pagos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
O melhor dessa MP é que, além de fazer parte de uma política mais ampla de fomento, o novo órgão de fiscalização e supervisão trazia consigo uma verdadeira cereja do bolo: sua autonomia orçamentária, capaz de lhe assegurar um caráter independente. Uma natureza virtuosa que levaria a Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) a se constituir desde o seu início como um organismo de Estado e não meramente de governo.
Essa independência daria à Previc meios de perseverar em políticas continuadas, desenvolvidas por servidores imbuídos dos interesses permanentes do Estado brasileiro e movidos pelo conhecimento técnico acumulado. Atuando longe das simpatias e antipatias momentâneas de grupos que espelham suas próprias necessidades e lógica.
Uma pena para o país, mas esse que seria um extraordinário avanço institucional não se consumou naquele 1º momento. No dia em que a MP iria ser votada no Senado, vieram a público denúncias contra a alta esfera governamental que enviesaram o ambiente político e inviabilizaram o exame da matéria pelos senadores. A MP acabou arquivada por decurso de prazo. Um ambiente desfavorável no Congresso ainda tornou a sua análise inviável por vários anos.
A proposta só foi retomada em 2009, com amplo envolvimento da Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar). Retornamos ao Congresso e, atuando de forma muito propositiva, desenvolvemos um grande trabalho de conscientização dos deputados acerca da importância de se dispor de um órgão supervisor forte, à altura da grandeza e potencial do sistema. Assim, no mesmo ano a Previc foi restabelecida por meio da lei 12.154.
Enfim, a Previc foi criada, mas faltou algo importante. Com todo o apoio e protagonismo da Abrapp, a Tafic, a taxa de fiscalização a ser paga pelas entidades, foi corretamente instituída para dotar o novo órgão dos recursos necessários com vistas a funcionar com a imprescindível independência.
Mas isso veio desacompanhado do que é mais imprescindível para caracterizar a independência de um órgão de Estado: liberdade orçamentária e mandato com tempo definido para a sua diretoria. Na falta disso, o mérito técnico, demonstrado por um quadro próprio especializado e altamente conhecedor do que lhe cabe saber, corre o risco de ser substituído pela instabilidade que é uma das marcas da política.
Defendíamos então, e continuamos a fazê-lo, que o Brasil ainda tem tempo para aperfeiçoar esse caminho rumo a uma Previc autônoma e forte. O fato disso ainda não ter sido possível está na raiz das dificuldades atuais.
Muito recentemente o TCU (Tribunal de Contas da União), em manifestação à qual a Abrapp se mostrou imediatamente em desacordo, até pelo tom pouco cortês para não dizer desrespeitoso, avaliou que a Previc está desempenhando de forma insuficiente o seu papel. Com isso, em vez de se cingir ao seu importante papel de fiscal da administração pública direta e indireta, o tribunal atuou em descompasso e de forma a enfraquecer uma autarquia que deveria ser fortalecida por ter função essencial na fiscalização e supervisão do sistema.
Uma leitura correta do cenário positivo que o país vive hoje só pode levar a uma ação concertada e convergente, unindo todos os atores compromissados com o futuro do país, para reforçar a Previc em todos os elementos capazes de constituir um órgão forte.
É hora de retomarmos a tarefa que não foi concluída, nem em 2004 nem em 2009, de criarmos uma agência da previdência complementar fechada, contribuindo dessa maneira para um futuro brilhante e um sistema de tamanha vocação social e econômica.
É impossível ignorar que as nossas entidades pagam todos os anos regularmente quase R$ 90 bilhões em aposentadorias e pensões e, ao administrar um patrimônio ao redor de R$ 1,4 trilhão, injeta tais recursos em uma economia que precisa crescer.
Esse sistema poderia fazer muito mais, se lhe fossem dadas as condições para isso. Bastaria seguir o que a experiência internacional tem mostrado incansavelmente. Assim, é função de todos colaborar para o fortalecimento da Previc, dando o passo que falta para ajudar o Brasil a tornar-se socialmente mais justo e politicamente mais próspero.
*Luís Ricardo Marcondes Martins, Presidente do Conselho Deliberativo da Abrapp e Diretor Superintendente da MAG Fundos de Pensão
**Artigo publicado originalmente no Poder360