*Edição nº 449 da Revista da Previdência Complementar – uma publicação da Abrapp, ICSS, Sindapp e UniAbrapp.
Entrevista com Roel Mehlkopf, por Flávia Silva
Após anos de intensos debates entre patrocinadores, sindicatos, governo e participantes, a reforma previdenciária holandesa foi finalmente aprovada este ano. Com a nova legislação, os direitos acumulados por participantes de planos ocupacionais de Benefício Definido – setoriais ou empresariais – que cobrem, muitas vezes de forma semi-obrigatória, aproximadamente 90% dos trabalhadores do país, deverão ser transferidos para a modalidade de Contribuição Definida (CD) com compartilhamento de riscos. A principal diferença do desenho atual para o proposto reside sobretudo na forma de cálculo das contribuições e no acúmulo dos benefícios viabilizados por esses aportes. “O objetivo é melhorar a alocação de riscos entre as coortes etárias e dirimir dúvidas sobre a propriedade dos ativos previdenciários entre gerações”, explica Roel Mehlkopf, Consultor Sênior da Cardano Risk Management e Professor de Economia Previdenciária da Tilburg University, na Holanda.
O governo almeja revitalizar o sistema, entre outras razões, por causa das baixas taxas de juros e do envelhecimento da população, fatores que vêm exercendo forte pressão sobre o equilíbrio dos planos, ocasionalmente resultando na redução de benefícios conforme determina o regulador Der Nederlandsche Bank (DNB). O aumento do trabalho autônomo e flexível, por sua vez, impactou o sistema na medida em que um número menor de pessoas ingressa nos programas capitalizados.
“Fiquei particularmente desapontado com o fato de os novos contratos CD serem bastante complicados e de difícil compreensão para os participantes”, ressalta Mehlkopf. A simplicidade e a flexibilidade de escolha individual, lamenta o especialista, também receberam pouca atenção no árduo processo de negociação de reforma.
Os futuros programas de Contribuição Definida precisam prever ainda uma “reserva solidária”, que poderá ser utilizada no compartilhamento de riscos. Além disso, a migração efetiva exigirá um meticuloso plano de transição que leve em consideração os impactos sobre cada plano BD, bem como o cálculo de eventual compensação a indivíduos que forem comprovadamente prejudicados. Esses e outros aspectos da reforma de um dos maiores sistemas privados do mundo, com cerca de €1,5 trilhão em ativos sob gestão, são abordados por Roel Mehlkopf na entrevista a seguir.
Na Holanda, a reforma da previdência vem sendo debatida há anos. Houve finalmente um consenso para a sua aprovação? Quais são os prazos de implantação das medidas a partir de agora?
Roel Mehlkopf – A lei previdenciária holandesa foi aprovada pelo senado em maio. Ela possibilita a conversão dos direitos acumulados nos planos de Benefício Definido (BD) existentes para novos planos de pensão de Contribuição Definida (CD) com o compartilhamento coletivo de riscos. De acordo com a nova legislação, os parceiros sociais têm até 2025 para decidir como irão fazer essa transição. Posteriormente, foi fixado um prazo até 2028 para que os novos contratos CD sejam efetivamente criados e os direitos BD “migrados” para os planos que forem estabelecidos.
Quais as principais razões por trás dessa reforma?
Roel Mehlkopf – Os contratos previdenciários de Benefício Definido ainda predominam nos Países Baixos, embora tenham sofrido diversas mudanças ao longo da última década. Nesse período, os empregadores gradualmente deixaram de ser patrocinadores de riscos e, consequentemente, os participantes (incluindo os já aposentados) passaram a arcar com os riscos sistemáticos de investimento e longevidade. A reforma facilita a transição para os novos planos de Contribuição Definida que forem sendo desenhados, havendo regras explícitas sobre como os ganhos e perdas futuros serão distribuídos entre as diferentes gerações. O objetivo é melhorar a alocação de riscos entre as coortes etárias e dirimir dúvidas sobre a propriedade dos ativos previdenciários entre gerações.
O sistema previdenciário do país é hoje estruturado em três pilares: (1) um sistema estatal de repartição simples (AOW), que paga benefícios para pessoas que completarem 67 anos; (2) planos de pensão coletivos complementares (frequentemente setoriais) baseados no vínculo empregatício e financiados pelo regime de capitalização; e (3) planos de pensão privados individuais/ pessoais. Como a reforma afetou o desenho do segundo pilar para além da idade mínima de ingresso nos planos, que passará de 21 para 18 anos em janeiro de 2024?
Roel Mehlkopf – Há duas mudanças principais. Primeiramente, os direitos previdenciários dos trabalhadores passarão a assumir a forma de um capital pessoal, similar ao que ocorre nos planos padrão de Contribuição Definida. Nos planos BD atuais, os direitos previdenciários são calculados como anuidades (diferidas), também durante a fase de acumulação. Em segundo lugar, os novos planos de pensão serão mais justos atuarialmente, diferentemente dos programas BD em vigor hoje, que contêm um elemento de repartição simples, legado antigo que restou preservado até agora.
Alguma mudança aprovada na reforma afeta o sistema estatal de repartição simples?
Roel Mehlkopf – Não. O sistema estatal de repartição permanece inalterado. No entanto, vale lembrar que a idade de aposentadoria passou a ser vinculada à expectativa de vida há alguns anos. Como resultado, a idade mínima, que costumava ser de 65 anos, aumentou para os atuais 67 anos, e continuará a subir no futuro.
Haverá arranjos mistos ou algum desenho intermediário que contenha características BD e CD no 2º pilar?
Roel Mehlkopf – Os novos planos de pensão de Contribuição Definida contêm a chamada “reserva solidária”, que pode ser utilizada no compartilhamento de riscos, e cujo tamanho varia de 0% a 15% do total de ativos. Tal reserva poderá ser constituída com até 10% das contribuições e/ou 10% dos retornos positivos excedentes que seriam direcionados às contas individuais. A maioria dos fundos de pensão deseja fazer uso desses recursos para evitar reduções anuais nas pensões em pagamento aos atuais aposentados.
A nova legislação prevê alguma mudança na estrutura tributária dos planos de pensão?
Roel Mehlkopf – A estrutura tributária dos novos planos CD terá como base um limite máximo aplicável aos níveis contributivos, calculado a partir das taxas de juros reais. [A contribuição máxima proposta para financiar a aposentadoria do participante e pensão por morte é de 30% do salário de referência].
Trata-se de uma mudança em relação aos planos de Benefício Definido atuais, que possuem um limite de dedução fiscal sobre o acúmulo de direitos e níveis de benefícios que, aliás, foi reduzido nos últimos anos.
O governo também quer permitir que todos os participantes de fundos de pensão saquem, na forma de pecúlio, 10% dos ativos acumulados na data de aposentadoria. A ideia é que possam utilizar esses recursos, por exemplo, para pagar o financiamento da casa própria ou fazer uma viagem. No entanto, na prática, esse saque pode revelar-se desvantajoso sob o ponto de vista tributário caso o aumento repentino e acentuado da renda resulte no pagamento de mais impostos ou na suspensão da oferta de subsídios ou outros benefícios estatais.
(Continua…)
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