Um hábito comum entre os investidores em crédito privado envolve a comparação do carrego entre diferentes fundos de investimento. Em regra geral, quanto maior o carrego do fundo, melhor visto é aquele investimento.
O carrego de um portfólio de crédito nada mais é do que a taxa média de marcação dos ativos em carteira na proporção de sua representatividade no portfólio, assumindo que tais ativos serão carregados até o seu vencimento. Essa métrica é frequentemente entendida pelos investidores como a capacidade de geração de retorno dos seus investimentos naquele portfólio. No entanto, isso é apenas parte da equação.
Os fundos de crédito objetivam conseguir gerar retorno para seus cotistas, de modo geral, através de duas formas: (i) mantendo os ativos em carteira até o vencimento e se beneficiando do carrego dos papéis, ou (ii) através do ganho de capital, quando o ativo é vendido no mercado secundário a uma taxa mais baixa do que ele foi adquirido (“fechamento de spread”).
Quando o mercado está num momento de calmaria, com os spreads de crédito negociando em patamares mais baixos (i.e., com menor possibilidade de ganho de capital), a economia operando positivamente, e, portanto, possibilitando que os emissores de dívida consigam gerar caixa e reduzir sua alavancagem (ou seja, um ambiente de menor risco), consideramos que o carrego dos fundos represente sim uma boa métrica para avaliar sua rentabilidade futura.
Por outro lado, quando as empresas ainda estão pressionadas por inflação de custos, redução de margem e juros altos, gerando impactos relevantes em sua geração de caixa e alavancagem, e, portanto, no seu risco, é necessário reconhecer que o carrego dos fundos não representa a melhor métrica para avaliar a capacidade de geração de valor de determinado fundo de crédito numa janela de curto prazo.
Isso acontece, pois o carrego nem sempre leva em consideração duas variáveis fundamentais em momentos de maior volatilidade: a capacidade dos ativos gerarem ganhos de capital e, mais importante, a adequada mensuração do risco que se está assumindo para buscar tal resultado.
Em cenários econômicos mais negativos, muitas companhias que ainda mantém ratings altos apresentam significativa piora em seus fundamentos de crédito, tendo que gerenciar altíssimas métricas de alavancagem (que devem ser sempre avaliadas com os devidos ajustes, e não necessariamente as divulgadas pelas próprias empresas para fins de covenant), em um ambiente competitivo bem desafiador. Nesses casos, não só o risco de crédito aumenta, mas também a variância de possíveis cenários (“outcomes”). Isso significa que uma empresa em dificuldade poderia, por exemplo, tanto ser salva por uma injeção de capital capitaneada por seus acionistas controladores (e proporcionar ao investidor um ganho de capital interessante por conta do potencial fechamento de spread), como também encarar uma restrição de crédito mais intensa e eventualmente até uma recuperação judicial (o que poderia levar a perdas massivas pelos investidores). Tivemos alguns exemplos recentes desses casos, onde o famoso “yield to maturity” se torna o não tão agradável “yield to default”.
Portanto, muitas vezes, ao comprar ativos olhando unicamente o carrego, o gestor pode estar adicionando risco ao portfólio, sem necessariamente melhorar seu potencial de retorno. Isso se deve ao fato de que o carrego mais alto normalmente traz consigo uma probabilidade maior de cenários adversos, que são potencializados em seus efeitos negativos em momentos mais voláteis, e que, em se materializando, certamente levariam a uma abertura de spread (i.e., o ativo ser negociado a taxas mais altas do que foi comprado), configurando potenciais perdas de capital para o investidor. Desse modo, a análise de crédito precisa olhar não só para o carrego, mas também para as probabilidades desses eventos adversos acontecerem.
Até porque, num primeiro momento, o fechamento de spread que vemos em papéis com carrego mais baixo pode muitas vezes ser superior ao fechamento visto nas emissões com maior carrego, onde ainda existe maior incerteza quanto a situação financeira das empresas. Quando levamos em conta esse ganho de capital, especialmente em papéis com duration mais elevado, o retorno total do investimento na emissão de menor carrego pode ser bem superior e com menor risco.
Quando falamos de ativos sem garantia real (i.e., debêntures quirografárias), os papéis com spread de crédito mais elevado, para justificarem uma compra, necessitam por parte do gestor de um grau de confiança alto não só de que a situação vai melhorar, mas também de que a melhora vai ser substancial. Ou seja, de modo geral, tem que se atribuir probabilidades muito maiores para os casos positivos do que para os negativos. Do contrário, é melhor obter os ganhos mais certos em ativos de menor carrego e menor risco. Esse nível de confiança só aparece quando as perspectivas econômicas apresentam melhora significativa (i.e., crescimento econômico e condições para redução de juros). Num cenário benigno e com maior informação, é possível separar, de forma analítica e não especulativa, os casos que irão se recuperar daqueles que continuarão sendo problemáticos.
Portanto, frequentemente vemos um contrassenso por parte dos investidores: quando deparados com duas opções entre ativos finais (debênture da empresa A e da empresa B, por exemplo), é muito natural os investidores avaliarem os retornos oferecidos conjugados ao fator risco. No entanto, ao avaliarem fundos de investimento em crédito privado (portfólios de ativos), o foco passa a ser exclusivamente nas promessas de retorno (a falácia do carrego) e o componente risco do portfólio é completamente ignorado. Essa pode ser uma falha dolorosa na capacidade de geração de valor de longo prazo dos investidores.
*Sérgio Pessoa é Gestor de Crédito da Root Capital, gestora distribuída pela Itajubá Investimentos AI