A tarefa dos gestores de ações é desafiada nos últimos tempos muito além dos passos clássicos da escolha do dito portfólio de preferência e das narrativas que daí derivam, ou que o suportam. Está, em dias atuais, em catucar o detentor do rico capital, ou do alocador que age em seu nome, para fronteiras além do prognóstico.
Mesmo tendo uma longa esteira para solidificar nossos papéis em projeções de cenários, quando a coisa sai errado, revertem-se as expectativas abruptamente sob prejuízo do valor contemporâneo de cada título. Em poucas palavras, não se desmente o senso comum das grandes flutuações quando a realidade frustra a expectativa.
Há alguns meses temos apresentado aos nossos parceiros a tese de que o Brasil está no edge para um potencial ciclo de recuperação de crescimento e atração de fluxos de investimento. Era a ponta desse iceberg o ciclo de afrouxamento monetário iniciado pelo Banco Central em agosto do ano passado, já em compasso de atraso na visão de muitos arautos. Avançando na linha do tempo, o prognóstico furado e as expectativas de que a construção do novo governo fossem uma quimera de suavidade tiraram os rumos do investidor que, em tempos de custo de oportunidade mínimo muito folgado frente aos seus desafios de rentabilidade, rapidamente ajusta as suas expectativas de futuro provável.
Trocando por reflexão a previsão e pelas assimetrias a assertividade, é exercício ao alcance abraçar o lastro do investimento. Sem plágio ou insulto, desviarmos nosso foco para menos macro e mais micro.
O mercado de ações aqui no Brasil tem ficado à margem da ininterrupta força das techs do S&P500 e das renovações de recordes históricos de valor. Mas sem prejuízo das pautas que se identificam mais com o nosso país e lhe franqueia oportunidades de reinserção no tabuleiro dos ciclos de investimentos. A pauta dos extremos climáticos parece empurrar as preocupações das cadeias de negócios para contingências subavaliadas em outros tempos. As cadeias logísticas, as capacidades de produção e estocagem e até mesmo as grandes obras de infraestrutura são temas. A ruptura dos veículos elétricos, dos sistemas de inteligência artificial, da força motriz do processo produtivo e até do rearranjo geopolítico dos meios de produção e dos seus destinos consumidores são também um campo de aporte de capital. E que terá que enfrentar o desconforto dos alocadores, emersos de uma realidade menos concreta de certezas.
Há algumas décadas que o país tem sucumbido no esforço de passar da pauta dos controles das condições fiscais, ou das variáveis macroeconômicas, e migrar para um novo ciclo de ganhos de produtividade e crescimento. As métricas são claras e mostram os tímidos patamares do investimento ou da formação de capital da nação, com exceção dos anos afortunados quando os frutos das reformas e dos controles macroeconômicos encontraram os ventos de cauda do dinamismo externo. Do lado das capacidades humanas, não são escassas, tampouco necessárias de citação, as estatísticas de que há mais de uma década temos embarcado em rota de degeneração. E é o que está na cabeça e no preço.
Resolver o conflito distributivo parece emergir no pós-pandemia, e não é exclusividade das nações em fase de desenvolvimento. Os aumentos dos déficits governamentais e do endividamento recheiam as narrativas de analistas e estrategistas, e figuram como idiossincrasias capazes de corroer a capacidade de financiamento dos estados. Ou como forquilha para o setor privado, que será obrigado a rolar os financiamentos contraídos nos bons anos de custo financeiro baixo proporcionados pelo vírus.
Ou inflação mais alta e crescimento mais alto. Ou o trabalho de desinflação a cargo da revolução em gestação dos efeitos da inteligência artificial nas relações de produção e de consumo.
Abandonar o prognóstico e abraçar o lastro parece ser o diapasão do qual podemos lançar mão para um novo ciclo de investimentos em ações, sem descartar o sublinhado para a realidade do cenário brasileiro. Se estruturas políticas muito mais cristalizadas estão postas à baila nos últimos pleitos eleitorais, fazer o exercício de empalidecer as cores do planalto pode ser de grande serventia. O novo normal parece ser o dos contrapesos. Na Índia, o novo mandato de Narendra Modi vai ter que se acomodar ao parlamento disforme à sua imagem. O Presidente Macron se viu impelido a manobras acusadas de radicais por alguns no contexto político francês ou mesmo no do resultado do parlamento da EU. E isso porque ainda estamos engatinhando na corrida pela Casa Branca. É mais difícil governar, e o é para o governo brasileiro.
Depois de 4 anos das ações sem engatar altas que entusiasmem os gestores, investidores e alocadores, é fala comum nas rodas o momento de penúria para essa classe de ativos. E a frustração do investidor se acumula, e o custo de oportunidade torna mais difícil passar da arrebentação.
A radiografia das empresas mostra trajetórias salutares e que gestam muitas oportunidades para os que se guiam por empreitadas mais ambiciosas do ciclo empresarial ou de valorização do mercado. Levantamento dos lucros consolidados associados ao índice Ibovespa são crescentes desde que começou a se desenrolar o novelo da fratura política de há uma década – com a natural suspensão da pandemia. Assim como as trajetórias de alavancagem financeira, renovando o quadro de saúde financeira e capacidade de investimento.
É neste contexto que impera o exercício de provação e do clássico pensamento contraditório. Como melhor pode nos ilustrar as ditas palavras do Barão de Rothschild, que a melhor disposição do animal spirit de J.M. Keynes sobrevenha quando “houver sangue” nas ruas. E esse nem sequer parece ser o caso: viemos de uma trajetória de reformas enfileiradas desde o governo Temer, passando não somente pelos freios aos gastos e ajustes de contas, mas também em medidas para acelerar o dinamismo da economia, como a reforma da lei da liberdade econômica ou do marco das garantias e avanços setoriais.
Os preços atuais das ações e ativos revelam mais desalento e desesperança do investidor do que a crise efetiva. Se são sinais de preocupação com a ancoragem futura da capacidade das instituições de gerir, oferecem também a oportunidade para a construção de portfólios, com farta matéria-prima e opcionalidades de ciclos empresariais que certamente serão muito mais bem valorados com a poeira baixa. Mas aí, o preço não será mais esse.
*Fernando Tendolini, Head de Renda Variável na Fator Administração de Recursos.