A Inteligência Artificial (IA) já faz parte da rotina do Judiciário, mas será preciso que haja uma regulação mínima para prevenir riscos existentes, para que não se tornem graves. Em tom de otimismo cauteloso, essa foi a mensagem do Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ricardo Villas Bôas Cueva, que ministrou a palestra magna “O Futuro do Direito”, durante o 19º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – ENAPC, que acontece nos dias 19 e 20 de agosto, em São Paulo, no Teatro Sheraton São Paulo WTC Hotel.
O ministro do STJ fez uma análise sobre os desafios e as oportunidades trazidas pela IA no campo jurídico e abordou a evolução e a necessidade de regulação, destacando como essa tecnologia está transformando a prática jurídica e impactando as vidas dos profissionais do Direito.
Villas Bôas Cueva iniciou a palestra relembrando que, embora a IA tenha gerado grandes expectativas, muitas dessas promessas não se materializaram de forma significativa até o momento. Ele fez uma comparação com as previsões futuristas da série de animação “Os Jetsons”, onde se desenhava um futuro com carros voadores, mas a realidade trouxe avanços mais modestos, como as mensagens de 40 caracteres e a forte presença das redes sociais na vida das pessoas. “O salto de produtividade esperado ainda não se concretizou da maneira que se imaginava”, comentou.
Segundo ele, a ideia de regular a IA começou a avançar após novembro de 2022, quando surge no mercado o ChatGPT e tecnologias similares que fornecem ao público geral a IA generativa, que é capaz de simular atividades, como a produção e resumo de textos, mimetizando a inteligência humana. “A partir desse momento, começa o clamor pela regulação da IA, com manifestações de cientistas e profissionais de tecnologia, e em reuniões de cúpula destinadas a debater o tema”, afirma.
O ministro do STJ disse que a Europa havia se adiantado nesse processo, com a aprovação do AI Act, influenciando o trabalho de uma comissão de juristas no Brasil, que elaborou uma proposta regulatória também inspirada na experiência americana, com foco no sistema de responsabilidade civil com o uso da IA generativa. “O texto que saiu desse trabalho foi menor do que o europeu e o americano, e elencava os direitos dos afetados pela IA, bem como um sistema de classificação de riscos e de Governança para sua utilização. Isso foi e tem sido alvo de críticas, em especial sobre como pode acabar com a nascente indústria de IA, que trará grandes benefícios”.
Em seguida, contextualizou a instauração de uma comissão no Senado, que aprimorou o sistema que antes previa poder sancionatório. “Agora, será um sistema composto por várias entidades de regulação setorial e central”, explicou. Exemplos de regulação setorial seriam os relacionados a veículos autônomos e a utilização da tecnologia na área médica. A tendência, disse, é uma regulação que combine o aspecto central e o setorial, com proteção de dados e nova roupagem institucional, para gerar um sistema de estímulo à inovação mais robusto.
Villas Bôas Cueva abordou uma Iniciativa da Unesco, que está em consulta publica até setembro, com propostas de diretrizes para o uso da IA no sistemas de Justiça no mundo. “Quase metade dos magistrados usa de algum modo sistemas de IA. Eu utilizo, mas não para o trabalho, porque essa tecnologia ainda comete desatinos”, observou.
No contexto do Judiciário, o ministro do STJ também comentou sobre o uso da IA em sistemas como o Victor, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Athos, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo ele, as ferramentas são importantes do ponto de vista da automação, mas ainda estão distantes de todo o potencial que a IA pode oferecer. “A promessa é que a IA possa ser usada para auxiliar magistrados na elaboração de decisões. Não vimos até agora o resultado prático”, disse.
Ele destacou que a promessa de uma justiça preditiva, capaz de identificar padrões decisórios, ainda não se concretizou, mas que há um potencial significativo para o futuro.
Villas Bôas Cueva também alertou sobre os riscos da delegação excessiva de decisões judiciais a sistemas automatizados, que poderiam deslegitimar a função jurisdicional. Por isso, ressaltou a importância da transparência e da rastreabilidade no uso de IA pelos magistrados, destacando a necessidade de diretrizes claras que garantam a segurança cibernética e a proteção de dados. “Em pesquisas informais, magistrados usam as ferramentas para atividade profissional, o que coloca sobre esse tema a necessidade de diretriz e orientação para a utilização da IA no poder judiciário. Elas precisam ser rastreáveis, e utilizadas pelos magistrados em sistemas contratados e homologados pelos tribunais. Deve ser proibido o uso de sistema contratado pelo próprio magistrado, pois há o critério de sigilo, segurança cibernética e proteção de dados. Há um compartilhamento de informações”, explicou.
O ministro do STJ também comentou sobre as implicações ambientais do uso de IA, comparando o impacto da computação exigida por operações complexas ao uso de blockchain, que, segundo o Ministro, tem um impacto ambiental comparável ao tamanho de uma Argentina.
Villas Bôas Cueva encerrou a palestra com uma reflexão sobre o futuro, alertando que o mundo está à beira de uma revolução que pode alterar profundamente a prática jurídica. Ele destacou o potencial da IA para ajudar na resolução de conflitos, controle da litigância predatória, e outras áreas, mas sempre com a supervisão humana e controles mínimos, para garantir a legitimidade e eficiência na prestação jurisdicional.
O 19º ENAPC é uma realização da Abrapp com o apoio institucional da UniAbrapp, Sindapp, ICSS e Conecta. Patrocínio Ouro: Atlântida Multi-Contábil; Balera Berbel e Mitne Advogados; Barra, Barros & Roxo Advogados; Bocater Advogados; Bothomé Advogados; Gomes Gedeon; JCM Advogados Associados; Linhares & Advogados Associados; Marcones Gonçalves Advogados; Santos Bevilaqua Advogados; Torres e Corrêa Advocacia; Vieira Rezende. Patrocínio Prata: Braga de Andrade Advogados; Pagliarini e Morales Advogados Associados. Patrocínio bronze: Andrade Maia Advogados; Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados Associados; Mattos Filho Advogados; MLC Advogados Associados; PFM Consultoria e Sistemas; Pinheiro Neto Advogados; Raeffray Brugioni Advogados; Romeu Amaral Advogados; Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados.