Após a diminuição significativa de oferta de renda vitalícia no mercado previdenciário por meio dos planos de Benefício Definido (BD), o aumento da expectativa de vida da população abre oportunidades para que o mercado segurador e previdenciário discutam novas formas de concessão de renda na longevidade. A opinião é de Nilton Molina, presidente do Instituto de Longevidade MAG.
Em entrevista ao Blog Abrapp em Foco, ele explora os desafios do mercado para a criação de alternativas de renda vitalícia nos planos de previdência do tipo Contribuição Definida (CD). Molina avalia que questões técnicas e financeiras impactam diretamente esse tipo de oferta de renda, como o próprio aumento da longevidade e a dificuldade em garantir taxas de juros em um cenário econômico global incerto. Além disso, também aborda uma proposta que pode minimizar esses dilemas, com a oferta de contratação de renda vitalícia repactuada a cada cinco anos.
Blog Abrapp em Foco: Por que não vemos mais novas iniciativas de renda vitalícia nos moldes dos planos de Benefício Definido (BD)?
Nilton Molina: Essa é uma questão interessante e envolve dois aspectos principais. O primeiro é de natureza técnica. Quando falamos em Benefício Definido, uma das preocupações é a longevidade. Você vê pessoas vivendo até 88 anos, algo que não era comum há 20 anos atrás. Hoje, a longevidade aumentou consideravelmente, e alguns cientistas afirmam que as crianças que estão nascendo agora podem viver até 120 anos, ou até 150 anos. O ponto é que o aumento da longevidade já é evidente. Se eu sou um gestor de um fundo de pensão ou uma seguradora, quando digo para alguém de 65 anos que vou oferecer um benefício vitalício, estou assumindo dois riscos: o primeiro é não saber quanto tempo essa pessoa vai viver. Não posso mais prever que ela viverá apenas até os 85 anos, como seria comum no passado. Isso cria um problema técnico para assumir esse risco.
Blog Abrapp: E qual é o segundo aspecto?
Nilton Molina: A segunda razão é de natureza financeira. Todo plano atuarial precisa garantir uma taxa de juros. Há 10, 15, 20 anos, era impensável que algumas economias pudessem conviver com taxas de juros negativas. O Japão, por exemplo, está com juros negativos há mais de 10 anos. Imagine uma seguradora ou fundo de pensão japonês que calculou os planos de benefício definido com uma taxa de juros de 2% ou 3% ao ano. Hoje, essas instituições enfrentam dificuldades financeiras. Esses dois fatores inviabilizam novas iniciativas de planos de Benefício Definido.
Blog Abrapp: E em relação à regra de sucessão adotada na renda vitalícia? Pode ser considerada um obstáculo?
Nilton Molina: Exatamente. O aspecto sucessório é um terceiro fator. Digamos que uma pessoa contrate uma renda vitalícia, e se ela morrer no dia seguinte, a família não recebe nada. Isso também influencia as decisões.
Blog Abrapp: Esse é um desafio que enfrentamos apenas no Brasil?
Nilton Molina: Não. Essa é a realidade global. A oferta de renda vitalícia praticamente não existe mais. Ao mesmo tempo, as pessoas ainda querem uma renda garantida, mas não querem correr todos os riscos. Elas preferem utilizar parte de suas economias para isso, mas não todo o montante.
Blog Abrapp: E qual é o potencial de oferta de renda vitalícia, considerando o mercado de previdência?
Nilton Molina: No mercado temos um estoque enorme de recursos em fundos de previdência fechados de Contribuição Definida, VGBLs e PGBLs, que somam aproximadamente R$ 1 trilhão. Esses recursos, em algum momento, estarão disponíveis para se transformar em renda, mas o mercado não está oferecendo renda vitalícia. Hoje, o mercado oferece uma renda financeira. Porém, esse modelo tem riscos, como o “efeito Jorginho Guinle”, que era um milionário que calculou que morreria aos 80 anos e gastou seu dinheiro conforme esse cálculo. O problema é que ele viveu até os 90 e acabou sem dinheiro, vivendo de favor.
Blog Abrapp: Então, o desafio é encontrar uma solução que garanta uma renda até o fim da vida?
Nilton Molina: Exatamente. Estamos falando de uma renda que se ajusta a cada cinco anos. O indivíduo pode, por exemplo, usar uma parte de seu capital para garantir uma renda por cinco anos e depois renegociar as condições para os próximos cinco anos, levando em consideração as taxas de juros e a expectativa de vida do momento.
Blog Abrapp: Há flexibilidade nesse modelo?
Nilton Molina: Sim. O cliente pode optar por uma “renda certa”, na qual, se ele morrer, o saldo vai para a família, ou uma “renda temporária”, que oferece uma quantia maior, mas sem garantia de que haverá saldo para os beneficiários. A cada cinco anos, o cliente pode revisar o contrato e até mudar de seguradora, caso encontre uma oferta melhor no mercado, através de portabilidade.
Blog Abrapp: Essa possibilidade de portabilidade é um avanço?
Nilton Molina: Com certeza. Porém, precisamos de normas claras e padronizadas pela Susep e pela Previc para regulamentar isso. O objetivo é tornar o sistema mais democrático e eficiente, sem problemas fiscais para o cliente.
Blog Abrapp: E no cenário atual, como avalia o futuro da previdência e dos benefícios do INSS?
Nilton Molina: Infelizmente, os benefícios do INSS tendem a diminuir, não aumentar. Por isso, as pessoas precisarão cada vez mais complementar sua aposentadoria com outras fontes de renda. E o mercado precisa estar preparado para oferecer soluções que atendam a essa demanda crescente.
Blog Abrapp: Essa demanda é uma oportunidade para o mercado?
Nilton Molina: Sem dúvida. Existe uma enorme oportunidade no mercado para oferecer essas soluções, especialmente considerando o grande volume de recursos acumulados nos fundos de pensão e seguradoras. É um campo vasto, e as pessoas vão precisar dessas alternativas.