Artigo: Como a Análise de Custos de Transação Pode Transformar suas Estratégias de Execução – Por Mauro Shinzato*

Imagine o seguinte cenário: um gestor está prestes a realizar um grande trade no mercado local de ações. As expectativas são altas, as projeções de retorno são promissoras. Mas há um detalhe crucial que pode ser facilmente ignorado — a execução dessa ordem. Como ela é feita? Seria melhor executar rapidamente e impactar mais o preço do ativo, ou executar devagar e perder parte do “alpha” do trade? Em quantos dias a execução será distribuída? Pequenas decisões como essas, se repetidas diversas vezes, podem determinar se uma operação é lucrativa ou se a rentabilidade do fundo será comprometida.

Esse é o poder e o risco dos custos ocultos, que vão além das comissões, taxas de corretagem e emolumentos. Eles se escondem nos custos de delay (tempo entre a decisão e a execução da ordem), impacto de mercado (quanto maior o volume do trade, maior seu impacto), risco de timing (quanto maior o tempo para montar uma posição, maior o risco de eventos comprometerem o trade) e custo de oportunidade (custo de não conseguir executar a totalidade das ordens planejadas inicialmente).

 

“Reality involves the cost of trading and the cost of not trading.” — Robert E. Lucas Jr.

 

Sem a capacidade de monitorar e medir o impacto de cada transação em tempo real, até mesmo os gestores mais experientes podem subestimar o verdadeiro custo de suas operações. Essa falta de visibilidade gera uma desconexão perigosa entre o retorno esperado e o retorno real do trade, onde os custos “ocultos” acabam penalizando os investidores, principalmente em fundos que operam altos volumes em mercados com liquidez limitada.

À medida que o volume de operações aumenta, esses custos se tornam ainda mais relevantes, pois a quantidade de capital que uma estratégia pode manejar de forma eficiente é limitada pela capacidade do mercado de absorver grandes ordens sem gerar distorções significativas nos preços (capacity). Além disso, um alto turnover pode amplificar os custos operacionais, exigindo uma gestão cuidadosa para minimizar o impacto cumulativo e reduzir a deterioração do alpha

 

“The primary obstacle to scaling up portfolios is price impact” – Kevin T. Webster

 

Conforme demonstrado abaixo, de forma simplificada, uma ordem de compra relevante pode gerar um impacto instantâneo no preço de um ativo, elevando-o imediatamente após a execução. Esse efeito inicial, também influencia o preço de fechamento, refletindo a forma como o mercado absorve a ordem ao longo do tempo.

 

Para os participantes do mercado, os conceitos de capacity e turnover devem ser familiares, mas é essencial reforçar a importância de saber medir corretamente o custo de execução. Por exemplo, não basta simplesmente comparar o resultado com o VWAP do mercado (Volume Weighted Average Price, ou preço médio ponderado pelo volume) e assumir que a execução foi eficiente; é crucial analisar o impacto real no preço em relação à tomada de decisão. Uma execução com grande volume pode coincidir com o VWAP, mas ainda assim resultar em um preço desfavorável se comparado ao arrival price. Por isso, é fundamental adotar uma abordagem que vá além das métricas superficiais, envolvendo um estudo aprofundado das diferentes camadas de custos. Esse processo deve ser parte de um ciclo contínuo de pesquisa, testes, implementação e análise de desempenho — etapas que formam os pilares da área de TCA (Análise de Custos de Transação).

Análise de Desempenho (TCA) -> Pesquisa e Backtest -> Implantaçãp e Negociação Live e retorna para Análise de Desempenho (TCA).

 

Pesquisa e Backtest

Nesta fase, os componentes do algoritmo de execução, como sinais de alpha e de liquidez, são desenvolvidos e testados. Os modelos passam por simulações e backtests para verificar sua eficácia em condições de mercado históricas.

 

Implantação e Negociação Live

Quando a equipe de pesquisa está confiante no valor do novo modelo, ele é implementado (entra em “produção”). Nesta etapa, uma execução controlada em tempo real é usada para minimizar os custos de transação.

 

Análise de Desempenho (TCA)

A última fase envolve a geração de um relatório de TCA, que oferece uma avaliação abrangente do modelo, comparando o comportamento previsto e o desempenho em tempo real. Com base neste relatório, os pesquisadores revisitam o modelo e reiniciam o ciclo de pesquisa.

Um processo eficiente de TCA permite que os gestores identifiquem falhas em sua estratégia de execução e tomem decisões mais precisas sobre como, quando e com qual tamanho devem entrar ou sair de uma posição.

 

“The things we are doing will not go away. We may have bad years, we may have a terrible year sometimes. But the principles we’ve discovered are valid.” – Jim Simons

 

Uma execução eficiente representa um desafio complexo, especialmente em relação ao impacto de mercado e custos de transação. Para mitigar esses riscos, utilizar algoritmos de execução que se ajustem dinamicamente às condições de liquidez pode reduzir significativamente o impacto negativo no mercado.

A experiência acumulada pela Giant Steps ao longo de mais de uma década de atuação no mercado confirma a importância desse ajuste dinâmico. Historicamente, a performance do fundo foi fortemente influenciada por modelos de trend-following focados em futuros (juros, moedas e commodities), que, devido à alta liquidez, mantinham sua eficiência com custos de transação relativamente baixos. No entanto, em cenários de performance desfavorável para esses modelos, a alocação de maior risco em modelos de equities (mais resilientes em condições adversas) se tornou uma solução intuitiva. O grande desafio não era a performance desses modelos, mas como permitir a escala deles sem que os custos de transação inviabilizassem o alpha devido à menor liquidez, se comparados aos modelos de futuros.

Após uma extensa fase de pesquisa, desenvolvemos uma arquitetura que aumenta a eficiência dos nossos modelos de equities, utilizando um otimizador que integra uma função de custo avançada (TCA). Esse otimizador não apenas permite uma execução mais eficiente, como também reequilibra periodicamente as posições, adaptando-se às condições dinâmicas do mercado. Essa abordagem tem sido um dos principais fatores na recuperação da performance do fundo nos últimos meses.

No entanto, é crucial reconhecer que o mercado está em constante evolução e que a incerteza faz parte do processo. A verdadeira vantagem competitiva reside na capacidade de adaptação e evolução contínua. Como uma gestora quantitativa, nosso foco está em criar, testar, aprender com os erros e refinar nossos modelos, garantindo que cada decisão de execução contribua para uma maior eficiência e alpha. A verdadeira excelência no mercado não se dá por saber tudo, mas por estar disposto a aprender constantemente.

 

Obs: “Como a Análise de Impacto de Mercado Pode Transformar Suas Estratégias de Execução” é uma continuação do artigo “História de Pescador”, da Giant Steps, publicado em abril de 2024 e que se aprofunda nas camadas de custos ocultos contidas no livro “Optimal Trading Strategies: Quantitative Approaches for Managing Market Impact and Trading Risk” de Robert Kissel

 

*Mauro Shinzato é Sócio e RI na Giant Steps Capital

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