Nova edição da Revista: Desafios e perspectivas do modelo de supervisão Twin Peaks no cenário global e nacional*

*Edição n° 455 (novembro e dezembro de 2024) da Revista da Previdência Complementar – publicação da Abrapp, ICSS, Sindapp e UniAbrapp.

 

Por Flávia Silva e Paulo Henrique Arantes

Abordagem que conjuga autoridade prudencial e de conduta de mercado refletiria multiplicidade de produtos e serviços financeiros, mas comunicação entre agências ainda é problemática – O mercado de capitais brasileiro, incluindo as áreas de seguros e de Previdência Complementar, precisa de aprimoramentos regulatórios e fiscalizatórios? Um debate que não é novo voltou à baila depois que o Ministério da Fazenda – precisamente o Secretário de Reformas Econômicas, Marcos Pinto – cogitou a implantação no País do modelo Twin Peaks, que viria por meio de Emenda Constitucional. O termo em inglês significa dois picos de uma mesma montanha. Transposto para o mercado, seria a instituição de duas super agências – uma, de supervisão prudencial; outra, fiscalizadora de condutas – em substituição aos organismos setoriais hoje em operação. O modelo, que vigora em alguns países, possui defensores e críticos. Para os primeiros, a existência de dois órgãos abrangentes poderia corrigir ineficiências e acabar com normas contraditórias. Equalizaria, portanto, a qualidade da supervisão, uniformizando regras e reduzindo o risco de captura dos reguladores.

Existem três principais abordagens de regulação/supervisão financeira no mundo: setorial, integrada e Twin Peaks, termo que recebe a tradução literal de “picos duplos ou gêmeos”. Na abordagem setorial, as instituições e produtos financeiros são supervisionados por autoridades dedicadas a setores específicos, como o bancário, de seguros, valores mobiliários e fundos de previdência.

Na abordagem integrada (ou “modelo de super regulador”), há uma autoridade única, responsável pela supervisão de todas as instituições e produtos financeiros. A modelagem surgiu, em grande parte, da percepção de que a supervisão por múltiplos entes poderia revelar-se ineficaz, especialmente devido à crescente intersecção entre produtos e serviços financeiros, gerando confusão ou conflitos de competência.

O modelo Twin Peaks foi inicialmente defendido pelo economista britânico Michael Taylor em 1995, no artigo intitulado Twin Peaks: A Regulatory Structure for the New Century. Nele, Taylor propõe a segregação das funções de regulação/supervisão financeira em duas autoridades distintas: (1) um regulador prudencial focado na estabilidade e solidez das instituições financeiras, garantindo que operem de maneira segura e resiliente, e (2) um regulador de condutas, responsável pela proteção ao consumidor e pela integridade do mercado, que busque assegurar a adoção de práticas justas e transparentes por parte dos prestadores de serviços financeiros.

Para Taylor, um sistema regulatório/ fiscalizatório com separação clara entre setores já não seria mais adequado para as instituições financeiras cuja diferenciação ia perdendo relevância. Em sua opinião, diante da crescente convergência entre os diferentes produtos e serviços ofertados, uma abordagem mais funcional teria maior eficácia.

De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e outros think-tanks internacionais, as forças da abordagem Twin Peaks residem na clareza de seus objetivos e mandatos, que garantem um bom equilíbrio entre a regulação prudencial e a proteção ao consumidor; no número otimizado de reguladores, evitando-se, assim, o excesso de burocracia e ineficiências por vezes características da abordagem integrada; e numa potencial redução dos conflitos de competência, que podem ocorrer na abordagem setorial.

O debate no Brasil – Em síntese, no Brasil, as atribuições de Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Superintendência de Seguros Privados (Susep) e Superintendência Nacional da Previdência Complementar (Previc) seriam incorporadas por dois organismos “turbinados”, idealmente Banco Central e CVM.

Referência no tema, o advogado Marcelo Trindade, ex-Presidente da CVM, escreveu a respeito no jornal Valor Econômico. O modelo atual de regulação brasileiro, expôs Trindade, internaliza em cada regulador o conflito entre a regulação prudencial e a de condutas, aumentando a chance de que uma visão prevaleça sobre a outra não no interesse do sistema como um todo, mas por razões internas de cada um dos reguladores, que variam desde a sua cultura até outras menos nobres, “como a captura do regulador ou o conflito entre o interesse público e o dos dirigentes do momento, preocupados em evitar que uma quebra ocorra sob sua gestão”.

De todo modo, o único consenso acerca do assunto é que o Twin Peaks não pode ser visto como uma panaceia. Certamente, não é uma discussão fácil. Há uma situação acomodada de segmentação, e a ruptura seria muito grande. “Entre 49 países da OCDE, mais os países do G20 que não estão na OCDE, apenas quatro adotam o modelo Twin Peaks (Reino Unido, Austrália, Holanda e África do Sul)”, afirma o advogado Flávio Martins Rodrigues.

“Na minha visão, é uma novidade que ainda está sendo testada. Além disso, o maior país do mundo em termos de mercado, os Estados Unidos, não adota nem quer adotar”, observa Rodrigues, que é especialista em mercado de capitais e integrante de uma rede mundial de advogados que atuam na Previdência Complementar Fechada.

Os super órgãos do Twin Peaks, explica, funcionam em colegiados compostos por uma ou duas pessoas da área de bancos, uma pessoa da área de Previdência Complementar, uma do campo de seguros e uma do mercado de capitais – ou seja, a representatividade setorial é baixa, gerando risco de “pitacos” errados. Rodrigues cita, em contrapartida, a representatividade do Conselho Nacional de Previdência Complementar, composto por representantes de instituições como Abrapp, Previc, Anapar e o Ministério da Previdência, todos conhecedores do sistema.

O pressuposto (em defesa do Twin Peaks) de que o cliente transitaria igualmente por ambientes diferentes – mercado de capitais, seguros, Previdência Complementar – não é válido, entende Rodrigues. De fato, determinado cliente pode ser empregado de uma empresa patrocinadora de um fundo de pensão que não tem grandes recursos para ir ao mercado de capitais. “Alguém que possui um plano de previdência é muito diferente de um grande investidor”, frisa.

(Continua…)

 

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