Nova edição da Revista: Raul Velloso fala sobre o equacionamento do passivo atuarial*

*Edição nº 457 da Revista da Previdência Complementar – uma publicação da Abrapp, ICSS, Sindapp e UniAbrapp.

 

Entrevista com Raul Velloso, por Flávia Silva

Quando essa entrevista foi realizada, no dia 17 de março, o economista Raul Velloso, Presidente Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE) e articulista do Estadão – dentre outros veículos de mídia – lamentava o frenesi midiático em torno do suposto resultado primário “espetacular” obtido pelo Brasil. “Eu fiquei pensando: coitado de nós por acreditarmos nisso. Eles pegam variáveis parciais, pedaços de história, e jogam como se aquilo fosse uma representação da recuperação da economia brasileira. O Brasil entrou em uma trajetória explosiva que ninguém está se dando conta.”

Na opinião de Velloso, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva não se livrará do baixo crescimento enquanto não resolver o problema do déficit previdenciário, que só aumenta. Esse seria o principal motivo por trás da queda da taxa de crescimento do investimento público em infraestrutura que, por sua vez, tem relação direta com a evolução do Produto Interno Bruto (PIB). “As pessoas simplesmente passam por cima disso”, observa. Para ele, a solução envolve a capitalização da Previdência via um fundo a ser alimentado por ativos disponíveis no País, como o Pré-Sal, por exemplo. Contribuições individuais complementariam esse fundo. Na entrevista a seguir, o economista discute mais detalhadamente essa ideia e justifica: “Se não houver uma reversão dos gráficos da área previdenciária, nós vamos estar condenados a morar em um País em que o PIB ficará próximo de zero”.

 

O senhor inova ao estabelecer uma relação entre o crescimento do PIB e o investimento público em infraestrutura. Que relação é essa?

Raul Velloso – O investimento em infraestrutura é que determina se o PIB vai crescer mais ou menos. O crescimento do PIB é de interesse óbvio para todo mundo, e se a taxa sobe durante um período e depois cai é porque tem alguma variável que explica o movimento. Ao longo do tempo, o investimento privado tem se mantido constante em torno de 1% do PIB. Esse investimento continua completamente paralisado, ou seja, não é isso que vai explicar o crescimento do PIB. O que vai explicar é o investimento público, que saiu de 5,1% em 1988 para 0,7% em 2018. Foi um choque quando percebi que de 2014 até 2023, a taxa de crescimento real do investimento público caiu de 10% para -5,4% em 2020 e -3,4% em 2023. Outras variáveis também interferem, mas essa é fundamental. Enquanto isso não for arrumado, nós vamos ter o PIB sendo empurrado para baixo o tempo todo. Pode não cair muito, mas também não sobe.

 

O que explica a queda do investimento público?

Raul Velloso – A subida do gasto previdenciário em todas as esferas de governo. Depois que o gasto previdenciário disparou, houve a queda do investimento. Que governo vai deixar de pagar aposentado para investir em ponte que está desabando? Nenhum. O sujeito vai olhar onde tem a maior pressão política, que é a do gasto previdenciário. O investimento em infraestrutura fica relegado a não sei qual plano, passa a ser residual. Seja qual for o governo, ele aproveita a sobra do orçamento para gastar alguma coisa no investimento em infraestrutura, porque também tem pressão para isso, vemos na mídia todos os dias. A sequência é essa. Por último vem o PIB, mas a gente tem que dar um passo para trás para saber o que causou essa disparada do gasto previdenciário.

 

E a que o senhor atribui essa disparada do gasto previdenciário?

Raul Velloso – Para entendermos, temos que analisar o gráfico da demografia. Esse é o fenômeno que passou realmente a me deixar sem dormir, para mim foi uma novidade total. A taxa de crescimento dos idosos no Brasil deu uma disparada inacreditável do final dos anos 80 para cá. De 2024 a 2050, a taxa de crescimento da população idosa (>65a) passará de 264,3 para 678,6 em relação à população em idade ativa (PIA, entre 15 e 65a). Você vê a diferença quando compara a evolução de 1987 a 2024 com a evolução até 2050, ou seja, há uma disparada na população idosa inacreditável. O envelhecimento foi rápido. Aconteceu com o Brasil algo que demorou muito mais a acontecer em países mais desenvolvidos. A taxa de crescimento da população idosa determina o crescimento dos benefícios previdenciários e a taxa de crescimento da PIA, que é a outra variável, determina o crescimento das contribuições. A gente observa que as contribuições crescem a uma taxa vagabunda e os idosos crescem a uma taxa estratosférica.

 

Qual a solução ou soluções para essa questão?

Raul Velloso – Se nada for feito, o déficit previdenciário dispararia a perder de vista. O Leonardo Rolim, ex-Presidente do INSS, tem um gráfico que revela o próximo sinal relevante, que é a projeção do déficit financeiro anual no Regime Geral, o mais importante de todos. O Rolim colocou no mesmo gráfico a projeção do déficit do INSS com e sem o efeito da Emenda Constitucional nº 103. O déficit ia subir de 3% do PIB em 2020 para 12% do PIB, ou seja, quatro vezes mais, em 2060. A Emenda 103 adiou a crise maior de 2056 para 2100.

 

O senhor mencionou a questão contributiva. Considera que a previdência está desatualizada parametricamente?

Raul Velloso – Ela é toda desatualizada. Só estaria atualizada se tivesse conseguido reverter o quadro de crescimento dos investimentos e do PIB. O fenômeno novo que ninguém percebeu é que se tivesse ficado como vinha e veio de 1989 a 2013, os dois cresceriam não próximos, mas não tão longe um do outro. A grande novidade é a desabada do crescimento real do investimento de 2012 em diante. E se você pensar bem, não tem hora para acabar essa desabada porque por trás dela está o crescimento dos déficits previdenciários. Se não houver uma reversão dos gráficos da área previdenciária, nós vamos estar condenados a morar em um País em que o PIB ficará próximo de zero. O Brasil entrou em uma trajetória explosiva que ninguém está se dando conta. Imagina se isso continuar por mais três décadas.

(Continua…)

 

Clique aqui para ler a entrevista completa na íntegra.

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