Eventos geopolíticos envolvendo as principais economias do mundo aumentaram a incerteza global em um cenário de redução no crescimento com inflação persistente. As políticas comerciais adotadas pelo governo norte-americano, especialmente o uso de tarifas de importações como ferramenta de negociação, com destaque para a relação entre Estados Unidos e China, tem gerado impacto ainda maior nas perspectivas de atividade econômica e inflação.
Historicamente, os Estados Unidos sempre foram percebidos como porto seguro, graças à força da sua moeda como principal reserva de valor e meio de troca internacional, posição que levou o dólar a representar cerca de 50% das reservas globais. No entanto, essa hegemonia tem sido questionada por investidores, exigindo uma análise mais profunda das causas por trás desse movimento.
Um dos temas centrais dessa discussão é a sustentabilidade da dívida americana. De um lado os Estados Unidos emitem dívida para conseguir suprir o excesso de consumo. Do outro, países como a China mantém poupança interna elevada, resultado de uma economia voltada para exportação e com consumo interno contido, acumulando saldos comerciais relevantes, que é amplamente investido em títulos da dívida soberana americana. Essa dinâmica criou uma relação de interdependência que, embora funcional por décadas, começa a revelar fragilidades.
A crescente presença de produtos chineses nos Estados Unidos contribuiu para o declínio do setor manufatureiro nas últimas décadas com a elevada globalização. Essa realidade gerou descontentamento na sociedade americana e fomentou o surgimento de discursos populistas que buscam responsabilizar parceiros comerciais. Consequentemente, observamos um movimento político em direção à desglobalização e à tentativa de fortalecer cadeias produtivas internas. Os Estados Unidos buscam substituir o consumo de importados por produção doméstica, enquanto a China tenta diversificar suas reservas, reduzindo a exposição a dívida americana.
Essa é uma questão complexa, sem soluções rápidas ou simples, como a adoção de uma política comercial protecionista, e sinaliza uma possível transição rumo a uma nova ordem mundial. Embora os Estados Unidos se mantenham como a maior potência, os investidores perceberam a importância de buscar uma alocação mais equilibrada e com maior diversificação geográfica, pois mesmo ativos considerados seguros podem ser afetados por choques geopolíticos.
Investir em mercados globais oferece uma série de benefícios. O principal é a possibilidade de exposição a economias desenvolvidas e a empresas com modelos de negócio complementares ao que encontramos no mercado doméstico. Adicionalmente, os ativos globais tendem a apresentar comportamento distinto dos locais em períodos de crise, quando aumenta a procura por investimentos mais defensivos.
Além da diversificação em fatores de risco, outro efeito benéfico é a alocação em moeda forte no caso de estratégias sem proteção cambial, que tende a funcionar bem em eventos adversos. No entanto, no episódio recente, o dólar desvalorizou, contrariando as expectativas e refletindo uma demanda por maior diversificação. Moedas fortes como o Euro, e até mesmo divisas de mercados emergentes com juros elevados, passaram a atrair fluxos. O aumento da demanda por moedas com elevado diferencial de juros pode reduzir também a eficácia do dólar como proteção. Apesar desse movimento recente, a moeda americana segue com um dos ativos mais seguros e deve fazer parte de um portfólio diversificado. No entanto, o diferencial entre os juros locais e globais, nesse momento, torna interessante manter parte da alocação global com em estratégias com proteção cambial.
Nessa nova ordem mundial, importante compreender a direção e o tempo necessário para que um novo equilíbrio seja estabelecido. Independentemente da velocidade dessa transição, a diversificação internacional em estratégias com ou sem proteção cambial, permanece como uma das formas mais eficazes para capturar assimetrias de retorno, ao mesmo tempo, controlar o risco e proteger o portfólio contra eventos extremos.
*Renato Santaniello, Head Latam Global Multi Asset Solutions at Santander Asset Management Brasil