As entidades de previdência complementar fechada têm um patrimônio na casa de R$ 1,3 trilhão, representando perto de 12% do PIB brasileiro. Pode parecer muito, mas é bem inferior ao registrado em outros países. Como parte da estratégia para ganhar espaço como poupança voltada à aposentadoria, a proposta do novo presidente da Abrapp – associação que representa as Entidades Fechadas de Previdência Complementar – foca em seis verticais para “ressignificar o setor” que incluem de ações educativas a criar micro pensões. “Há 2,5 milhões de pessoas que trabalham para aplicativos, motoristas de Uber e outros apps, sem uma proteção digna. Trabalhamos no desenvolvimento de uma prova de conceito inspirada no modelo indiano, das micro pensões, para esta categoria”, disse Devanir Silva, diretor presidente da Abrapp, em entrevista ao Além do Capital. Outra iniciativa, prestes a se concretizar, é o lançamento da frente parlamentar da Previdência Complementar que já conta com 208 assinaturas. “É suprapartidária e devemos lançar em agosto”. Se tudo der certo, em 10 anos a proposta da Abrapp é que o setor chegue a representar um PIB brasileiro. Acompanhe:
O sr. assumiu a Abrapp no começo deste ano propondo ressignificar o setor. Qual é a ideia central?
Devanir Silva: Nós estivemos refletindo muito sobre o desempenho da nossa previdência fechada. Quando eu digo ressignificar, é mostrar o seu valor para a sociedade. Eu digo que a nossa existência é exclusivamente para pagar benefícios. Outro dia eu estava conversando com um publicitário, e ele disse uma coisa que me marcou muito. Afirmou que nós éramos uma página em branco. A sociedade não nos conhece. Você fica ali, talvez, no entorno do que é seguro ou instituição financeira. Mas nós não somos nada disso. Nós somos um conjunto de entidades, sem finalidade lucrativa, cujo compromisso é pagar benefícios. É esta a ideia de ressignificar.
E como a Abrapp pretende promover esta ressignificação das entidades fechadas de previdência complementar?
Devanir Silva: São seis pontos fundamentais. O primeiro deles é inovar na educação. O Brasil é carente de educação financeira e previdenciária. É preciso mudar nosso discurso. Previdência é coisa de jovem. Temos de criar essa cultura de uma renda qualificada no futuro. Felizmente, o Ministério da Previdência Social tem um projeto muito interessante, o Poupadores do Futuro. Estou muito otimista que isso possa fazer parte do currículo escolar desde o Ensino Médio. Outro ponto que nós precisamos ressignificar é o que eu chamo de defender o poupador previdenciário. Nós temos um código de defesa do consumidor, mas não temos um para o poupador. É propor uma lei geral de proteção, onde fica clara a questão de risco, de integridade, da gestão, a possibilidade da portabilidade, a proteção contra conflitos de interesse e assim vai. O outro ponto que eu destaco é, além de complementar o modelo previdenciário brasileiro, suprir algumas ausências. No Brasil, para você ter uma ideia, tem 129 milhões de pessoas em idade de trabalho sendo que 70 milhões estão sem qualquer tipo de proteção ou com proteção precária. Nesse contingente, se a gente pegar só um segmento dos entregadores e motoristas de Uber, de plataformas, estamos falando de 2,5 milhões de pessoas que não têm uma proteção digna. Estamos trabalhando no desenvolvimento de uma prova de conceito inspirada no modelo indiano, chamado de micro pensões, que nós queremos abordar como uma pensão ou talvez planos universais para incluir esse contingente de pessoas.
Em que fase está o projeto e como seria o modelo de contribuição desta micro pensão para os trabalhadores de aplicativos?
Devanir Silva: Nós temos um grupo que está desenvolvendo uma proposta para plataformas. Essa é uma maneira também de ressignificar a nossa previdência. Em princípio, não estamos pensando em nenhuma complexidade normativa. É utilizarmos aquilo que temos. Hoje, nós temos um plano chamado Contribuição Definida (CD), de capitalização. Você tem duas maneiras de fazer isso. É algo que vamos chamar de cashback. Em uma corrida feita, por exemplo, uma parte da remuneração do motorista é depositada em um plano capitalizado, operado por uma entidade fechada de previdência complementar. A outra possibilidade, e ela pode ser híbrida também, é a plataforma dar sua contribuição. E aí tem uma novidade que é acoplar a isso um plano de seguros materiais e pessoais. E faz sentido porque você tem escala. É um plano onde você capitaliza e oferece proteção e segurança. Os produtos já estão aí, os gestores já estão aí. Temos hoje vinculados à Abrapp 235 entidades, que poderiam se credenciar a fazer a gestão desses planos. Esta é a proposta.
Quais outros pontos são importantes neste objetivo de ressignificar o segmento?
Devanir Silva: Um dos eixos da proposta é, na minha visão, um trabalho duro a ser feito de repensar o modelo de negócio. Hoje, a gente paga R$ 104 bilhões na folha de benefícios todos os anos, mas esse participante não está mais naquele aquário dentro de uma empresa, grandona. Não existe mais isso. Algumas empresas têm data de validade. Tem que pescar em mar aberto, achar formas de fidelizar o participante. Ainda somos um sistema muito conservador, criado nos anos 70, tendo um patrocinador e um fundo patrocinado. E hoje o mundo é completamente diferente. Precisa mudar essa mentalidade de que você não tem exatamente um plano para um conjunto de participantes. Você tem um conjunto de planos para um conjunto de clientes. Então, essa mentalidade ainda está mudando, e a gente tem investido muito nisso. Outro ponto da proposta é desenvolver uma central de inteligência política e gerencial, com dados e uma atuação próxima de quem legisla. Estamos lançando uma frente parlamentar da Previdência Complementar. Já obtivemos 208 assinaturas, é suprapartidária. Isso deve ser lançado em agosto. O parlamento, para nós, é muito importante. Nós fizemos um pequeno dever de casa, em 2019 com a reforma da Previdência, mas ela foi paramétrica, e necessita de novos avanços e de debate.
(Continua…)
*Entrevista publicada em 23/07 na Revista Capital Aberto na coluna Além do Capital.
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