Artigo: A novação nos contratos de empréstimos das EFPC e a interpretação do poder judiciário – por Janete Morales e Thais do Carmo Chaves*

O objetivo final dos empréstimos concedidos pelas entidades fechadas de previdência complementar aos participantes é de rentabilizar as reservas dos planos de benefícios, a fim de garantir os recursos necessários para o pagamento futuro das aposentadorias e pensões contratadas.

Esses empréstimos, na realidade, são uma forma de investimento dos recursos dos planos, classificados como “operações com participantes”, justamente porque são oferecidos, exclusivamente, aos participantes e assistidos dos planos de benefícios, não sendo comercializados no mercado para o público em geral.

Não podemos negar a realidade de que os empréstimos concedidos pelas entidades fechadas de previdência complementar podem ser atrativos para os novos participantes, todavia o foco deve estar na importância de um planejamento a longo prazo, capaz de garantir uma boa qualidade de vida na aposentadoria.

A Resolução CMN 4.994/2022 destaca qual o alvo a ser atingido pelas EFPC ao realizar investimentos com os recursos garantidores dos planos: garantir o cumprimento do seu dever fiduciário em relação aos participantes dos planos de benefícios.

Essa obrigação das EFPC, de gerir recursos de terceiros, consiste em empregar todos os esforços na administração desses recursos para que seja alcançado o objetivo final, que é o pagamento do benefício previdenciário.

Até chegarmos ao desfecho esperado, contudo, temos uma longa caminhada, que exige um esforço contínuo e de todas as partes. Não basta uma boa administração, se não houver, do outro lado, a contribuição do participante e do patrocinador.

As operações com participantes, prevista no art. 20 da Resolução CMN 4.994/2022, é uma forma de investimento que exige esse comprometimento mútuo entre o participante e a entidade gestora.

Esses empréstimos apresentam um cenário positivo, em que todos os envolvidos são beneficiados: do ponto de vista do participante, facilitam o acesso a recursos financeiros, viabilizando o financiamento para diversos fins; e do ponto de vista das EFPC, fazem circular os recursos financeiros com o objetivo de rentabilizá-los.

Na ponta de tudo isso está o plano de benefícios, instrumento apto para assegurar que o participante tenha uma vida plena e sustentável, quando alcançado o período de inatividade.

Por isso, qualquer prejuízo advindo desses contratos, seja decorrente de inadimplência, seja de interpretação equivocada pelo Poder Judiciário, recai sobre a coletividade de participantes, assistidos e patrocinadores, responsáveis pelo custeio financeiro do plano de benefícios.

Esse assunto ganhou força e espaço no Poder Judiciário nesses últimos tempos, através de ações revisionais propostas pelos participantes contratantes, especialmente quando esses contratos são renovados mediante extinção do contrato anterior, pois a pretensão dos participantes nesses casos é de revisão de todos os contratos de empréstimo já celebrados, inclusive daqueles que foram substituídos por uma nova contratação.

A grande questão é que esses contratos são classificados ora como “renegociação de dívida”, ora como “novação”, sendo que cada um desses conceitos possui natureza jurídica distinta, portanto, a classificação equivocada desses contratos pode onerar indevidamente o plano de benefícios, prejudicando seu orçamento e desequilibrando suas contas.

Inobstante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já tenha se posicionado sobre o tema, a verdade é que a sua interpretação ainda não se fez ecoar nos Tribunais Estaduais, gerando ainda muitos entendimentos divergentes.

A renegociação de dívida é uma prática, por meio da qual uma dívida já existente é repactuada, com vistas a garantir melhores condições de pagamento ao devedor, seja reduzindo o valor total da dívida, seja aumentando o prazo para quitação, ou ainda, reajustando os juros e demais encargos incidentes sobre a obrigação, trazendo algum alívio financeiro ao devedor.

É reconhecida a continuidade da operação na renegociação de dívida e, por isso, garante-se a parte eventualmente lesada pela imposição de novas condições ao contrato, o direito à revisão não apenas do contrato vigente mas também daquele que foi objeto de repactuação.

Nessa linha é que foi fixada a Súmula 286 do Superior Tribunal de Justiça, que assenta o entendimento de que “A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores.”

Condição diversa é aquela que decorre da novação. A distinção é feita logo no art. 361 do Código Civil ao prever que:

Art. 361. Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira.

Como se vê, a novação é identificada pelo “ânimo de novar”, portanto, não se trata de mera repactuação ou renegociação da obrigação anterior. Isso porque, a novação, necessariamente, extingue e substitui a antiga obrigação pecuniária.

A principal característica da novação é a quitação da obrigação anterior, ou seja, não se trata de uma extinção meramente formal da obrigação anterior, mas sim de uma quitação do contrato anteriormente celebrado, sendo o traço mais comum da novação a contração ou empréstimo de novos valores, o que não poderia ser compreendido como uma mera renegociação.

Por isso é que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece, de forma clara e pacífica, a distinção entre a novação e a renegociação de dívida tratada na Súmula 286, afastando a possibilidade de revisão das cláusulas contratuais, quando houver evidente intuito de novar os instrumentos, notadamente em seus elementos substanciais.

Esse entendimento passou a ser adotado pelo Superior Tribunal de Justiça após o julgamento do AREsp nº 2022105/MS, datado de 13/6/2022, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, integrante da 3ª Turma à época, que em acertada análise afastou a aplicação da Súmula 286 do STJ, quando evidenciado o ânimo em novar, admitindo a revisão apenas do contrato vigente.

A compreensão da Corte Superior sobre o tema é de que na novação há inequívoca substituição da dívida anterior por uma dívida originária, ou seja, sem relação com a obrigação anterior, fazendo nascer um novo direito de crédito a partir da nova obrigação. Não se poderia, portanto, aplicar a Súmula 286 para viabilizar a revisão de contratos anteriores, porque não houve mera convalidação, mas verdadeira extinção das obrigações precedentes.

Nos empréstimos firmados com as EFPC é frequente a novação contratual, onde o participante contratante, além de promover a quitação da dívida anterior, contrai nova dívida. A novação, portanto, vai além do simples reajuste de condições acessórias do contrato principal, culminando com a quitação da obrigação anterior e a constituição de novo empréstimo com termos e condições próprios, sem relação direta com contratos de empréstimo anteriores.

Todavia, a falta de uniformização do entendimento na esfera estadual atrai um risco jurídico para essa modalidade de investimento, uma vez que há grande chance de que sejam proferidas decisões divergentes sobre a mesma questão de direito, podendo ser concedido o pedido de revisão de sucessivos contratos já quitados, violando o ato jurídico perfeito.

Tal cenário gera instabilidade jurídica e ausência de previsibilidade das decisões judiciais. E o maior prejudicado é a coletividade de participantes e assistidos dos respectivos planos, que é beneficiada quando os resultados são positivos, e onerada quando o plano amarga prejuízos.

 

*Janete Morales, membro da Comissão Técnica de Assuntos Jurídicos da Abrapp, e Thais do Carmo Chaves, sócia do escritório JMorales Advogados.

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