Em um outro momento do contexto previdenciário era usual se deparar com a manifestação de diversos profissionais sustentando a ilegalidade do regulamento do plano administrado pelas entidades fechadas de previdência complementar (“EFPC”) que dispunham sobre a regra da inscrição automática em razão da literalidade do art. 16, da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001 (LC 109/2001), originária do art. 202 da Constituição Federal (CF), diante da taxatividade de a adesão do empregado do patrocinador ao plano ser primado em ato volitivo próprio e sem qualquer intermediação.
Decorrido duas décadas, a matéria ganhou novo relevo pelas experiências internacionais e pela reinterpretação jurídica do mecanismo de exercício da inscrição emanado de um mesmo comando, podendo-se reportar, por exemplo, ao texto legal direcionado aos servidores públicos permitindo ao patrocinador promover a inclusão do seu servidor no plano previdenciário logo que aperfeiçoado o negócio jurídico trabalhista, sem que isso caracterize um ato de supressão da manifestação de vontade ou negativa de efetividade de um regramento disposto em uma legislação especial.
O texto da regra regente dos servidores públicos, corretamente indica que a principal justificativa de reinterpretação não é meramente de ordem pragmática, uma vez que os embasamentos foram inspirados na economia comportamental por reconhecer que os indivíduos nem sempre agem de maneira racional para maximizar o seu bem-estar futuro, procrastinando a sua adesão sem sopesar as inúmeras vantagens do ingresso imediato e a abrangência de seu grupo familiar nas situações de risco social previstos no contrato previdenciário.
E essa conduta de postergação para a tomada de decisão de ingresso no plano de benefícios – muitas vezes argumentadas na complexidade da matéria e pela tendência notória de se valorizar recompensas com retornos imediatos em detrimento daqueles programados para o futuro de longo prazo, acaba por desaguar em consequências irreparáveis para o empregado pela recusa de recebimento de renda superior ao do teto pago pela previdência pública. Também incorpora o rol argumentativo da preterição, a incerteza do tempo de permanência nos quadros do empregador, seguido da ausência de domínio sobre os níveis protetivos ideal contemplados pela estrutura previdenciária brasileira nos diversos ciclos da vida
No racional retro, o ingresso na previdência complementar não teria a prioridade ou teria qualquer atratividade para o empregado em que o empregador, no primeiro momento, realiza a escolha de adesão em seu nome. Assim, prefere o trabalhador o consumo imediato pelo efeito de uma perda remuneratória parcial e ainda pela falácia do custo irrecuperável com os aportes para os planos, pontos esses que não coadunam com a maximização do bem-estar e com determinadas medidas regulatórias instituídas para a mitigação dos efeitos deletérios do risco em nome da maior proteção social.
Mesmo diante das adversidades suscitadas para a adesão, o contexto extraído do cenário de inclusão imediata do trabalhador pelo empregador não parte das mesmas premissas. Na verdade, o empregador que assim age já superou o ônus do patrocínio, assim como dimensionou o propósito do Estado na supervisão e nas relações econômicas, não só pela edição da Lei 13.183, de 4 de novembro, de 2015 (Lei 13.183/2015), indo além por conceberem que os indivíduos sentem dificuldade de racionalizar quanto à previdência e na formação de reserva que possa maximizar o valor da prestação no momento da aposentação, no tocante ao planejamento de vida e de futuro, de modo seguro.
Conquanto subsista corrente defendendo que o mecanismo atual de inscrição no plano represente uma ação paternalista do Estado, pondera-se, na verdade, que a medida representa um elevado potencial de fomento para a previdência complementar por impulsionar o empregado a se manifestar quanto à permanência ou desvinculação do plano. A postura do empregador – pautada na teoria econômica comportamental e no direito comparado, não é absoluta por garantir a liberdade de desfazimento do ato que originou a inscrição, o que pode ser equiparado à manifestação pessoal, hipótese em que terá direito à devolução de toda a monta abatida de sua folha de pagamento.
Assim, o empregador ao tomar a decisão de autorizar a inserção da regra da inscrição automática no regulamento do plano que patrocina, indiscutivelmente respeita os lindes constitucionais de que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer, senão em virtude de lei”, mantendo hígido o princípio da facultatividade por seguir o ditame de que é papel afeto ao participante exercer o direito do opt-out, em que pese a pretensão da organização de viabilizar uma melhor proteção social no futuro na complementação da previdência privada fechada, a qual enfrenta desafios crescentes devido ao envelhecimento da população e ao aumento da longevidade, dentre outros.
O método tradicional ou o automático de ingresso na EFPC não serão dissociados da diretriz Constitucional. A inscrição automática impulsiona o empregador/patrocinador à inscrição por entender que se trata de benesse exclusiva daquele que foi alcançado pela medida, residindo os aspectos jurídicos da adesão automática no equilíbrio entre o estímulo à participação no plano e a garantia da liberdade individual de romper com a relação previdenciária.
Nesta senda, não há que se falar em qualquer irregularidade ao propósito da lei ou da resolução incentivadora da inscrição automática, diante do respeito à liberdade de reversão da escolha patronal. Cabe, então, a reflexão para o conjunto de argumentos que sustentou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) de violação à regra da facultatividade contemplada pelo art. 202 da CF e do art. 16 da LC 109/2021, de modo a conceber se a iniciativa estatal teria extrapolado os citados preceitos de ingresso voluntário e invadiria a esfera da plena autonomia.
Na visão que se sustenta, a resposta será negativa pela concepção predominante de inexistência de qualquer excesso ou supressão da iniciativa pessoal. Ao se adotar a posição de que o Supremo Tribunal Federal (STF), quando exerce a atividade de interpretação da Constituição, sempre prestigia o princípio maior que rege o tema submetido à prestação jurisdicional para extrair o real alcance da norma que, aliás, não se confunde com o ato estatal de produção e vigência normativa. A discussão, portanto, será margeada pela relação de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade do dispositivo legal que implantou a inscrição automática, aferindo se faz sentido a alegação, no caso do PSOL, de extrapolação e violação do comando disposto na CF, subsidiando-se em regras hermenêuticas, sem a desvinculação dos métodos e de critérios exigidos nesse tipo de análise.
A lição de J.H. Meirelles Teixeira, in Curso de Direito Constitucional, 1991, p. 268, é a de que interpretar a Constituição significa “compreender o sentido e o alcance de suas normas, pelo exato entendimento das suas expressões, de acordo com suas finalidades, e tendo em vistas as condições e necessidades sociais de cada época”. Nesta vertente, dúvida não paira de que a análise jurídica aprofundada pelo STF irá considerar as evoluções do direito previdenciário e os estudos que regem o direito comportamental, pontos esses tendentes em afastar a tese partidária que, absolutamente, não tutela a situação de inércia dos trabalhadores frente a uma organização que oferece a previdência complementar privada e ainda por ser o impulso legislativo extremamente benéfico.
E em se confirmando a improcedência da demanda, não olvide que a conclusão será a de que a inscrição automática é um indutor em prol do trabalhador pela ação de proteção social que não subtrai a autonomia de ingresso e de retirada de um plano de natureza previdenciária pelo inscrito, inclusive se espelhando na experiência e no sucesso de de outros países como Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, além daquelas promoções institucionais em países como Chile, Nova Zelândia e Itália, que investiram no mecanismo de inclusão no plano em que todos demonstraram, taxativamente, os impactos positivos nos níveis de cobertura previdenciária. Tais experiências reforçam o acerto do legislador brasileiro para influenciar, positivamente, na decisão do participante e para o fomento da previdência complementar fechada, sem desprezar a opção de desligamento.
Cogitando-se a possibilidade de o STF agregar ao julgamento as experiências internacionais, por meio do direito comparado, perceberão que o mecanismo legislativo brasileiro está longe de ser considerado inconstitucional, pois as constantes transformações de uma sociedade podem ser encampadas para subsidiar diversas controvérsias. Não se afasta também a possibilidade de se inserir no julgamento, as consequências do retardo do trabalhador em promover a inscrição na previdência fechada pelas barreiras comportamentais que permeiam os trabalhadores, no tocante à contínua delegação para o amanhã.
Não se pretende discorrer sobre a natureza ou a inadequação da expressão “direito comparado” muito discutidas entre renomados juristas, o que se deseja é enfatizar que a comparação de sistemas jurídicos distintos, a fim de se checar se há semelhanças e distinções entre os objetos comparados, e, quando apresentada a conclusão sobre esses pontos, possam colaborar para o saneamento de eventuais dúvidas e incertezas. Na convergência desta linha de visão, sustenta Carlos Maximiliano, para o qual o direito comparado é o ato de confrontar o “texto sujeito a exame, com os restantes, da mesma lei ou de leis congêneres, isto é, com as disposições relativas ao assunto, que se encontrem no Direito nacional, que no estrangeiro”, levando o julgador a qualificação maior do seu entendimento pessoal acerca de determinada matéria pela demonstração de que alguns institutos legais estrangeiros evoluíram fortemente tal maneira a serem muito bem aplicados e a terem uma grande funcionalidade, sugerindo, então, que sua aplicação possa imigrar para a ordem legal nacional.
De tudo, então, a tendência do julgado será a de que a legislação atende aos interesses sociais e que maximiza a proteção previdenciária sem infringir a liberdade individual, tornando inócua a tese engendrada pelo Partido PSOL que, ao revés das alegações que subsidiam a demanda advogada, representa uma medida apta em promover o aumento da segurança dos empregados por procedimento iniciado pelo empregador, sem ceifar a liberdade de escolha do inscrito, segue preservando o padrão advindo da LC 109/2001.
A matéria pendente de julgamento, isso se os argumentos aqui ponderados venham a ser incluídos em todos os seus aspectos, dentre outros externados por juristas e profissionais do segmento previdenciário, caminhará para a manutenção do texto legal e da normatização em vigor, justamente pela não afronta à Constituição Federal. E isto se espera avidamente.
*Por Marlene de Fátima Ribeiro Silva, Membro da Comissão Técnica Jurídica da Abrapp e Vice-presidente da Comissão de Previdência Complementar da OAB/DF, e Rodrigo Fagundes, Conselheiro Seccional e Presidente da Comissão de Previdência Complementar da OAB/DF