As propostas do anteprojeto de reforma do Código Civil foram abordadas por especialistas no encerramento do 19º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – ENAPC, realizado nos dias 19 e 20 de agosto, no Teatro Sheraton São Paulo WTC Hotel.
Um dos pontos mais controversos da Reforma é o que visa impedir os investidores de processar os prestadores de serviços de fundos de investimentos, o que seria negativo para as EFPC.
Em entrevista ao Blog Abrapp em Foco, Lucas Hermeto, Sócio do Vieira Rezende Advogados, disse que a primeira crítica importante a ser levantada é a inclusão de questões relacionadas ao enforcement, ou seja, à efetividade das normas no mercado de capitais, dentro da discussão da reforma do Código Civil.
“O Código Civil trata de temas como direitos contratuais, garantias reais, relações familiares, não abordando aspectos específicos do mercado de capitais. Há atualmente um Projeto de Lei (o PL 2925) em discussão que visa alterar a Lei das Sociedade por Ações e a Lei do Mercado de Capitais cuja tônica é melhorar o enforcement, aumentando a possibilidade de investidores se ressarcirem contra quem lhes causar danos. Contudo, o enforcement em fundos de investimento é ainda raramente discutido. Parece-me inadequado qualquer reforma legislativa e esse respeito nesse momento, ainda mais dentro do contexto de discussões para alteração do Código Civil”, afirma.
“Do ponto de vista legislativo, seria essencial incluir, em uma discussão para potencial reforma legislativa que impacte o enforcement das regras sobre fundos de investimento, os agentes que cuidam e que atuam no mercado de capitais”, analisou. Segundo afirmou, não se sabe se a CVM, que expediu a Resolução 175 para regular os fundos de investimento, sequer foi chamada a opinar sobre essa reforma.
Segundo Hermeto, atualmente, a despeito de não haver discussões mais profundas sobre esse tema, a jurisprudência tende a permitir que investidores, sejam eles institucionais ou de varejo, processem diretamente os prestadores de serviços de fundos de investimento, como o administrador ou o gestor. A proposta de reforma do Código Civil busca alterar essa prática, impedindo que o cotista processe diretamente, e exigindo que a decisão seja submetida à assembleia do fundo.
A medida, na opinião de Hermeto, restringe os direitos dos investidores e contraria as tendências de enforcement, prejudicando desde grandes investidores como EFPC até os de varejo (pessoas físicas). “Por exemplo, se um cotista de um fundo desejar processar o administrador por má gestão, ele terá que convocar uma assembleia, o que pode ser inviável devido à dificuldade em reunir um número suficiente de cotistas, cujas identidades são protegidas por sigilo, inviabilizando uma articulação entre investidores, que no geral possuem participações bastante pulverizadas. Essa exigência pode restringir o acesso à justiça e, consequentemente, os direitos dos investidores”, explica.
Segundo ele, a missão da CVM é proteger o investidor, e a Resolução 175 busca equilibrar essa proteção com o desenvolvimento da indústria. A alteração proposta para o Código Civil, segundo ele, parece ter descuidado desse equilíbrio.
Mesa redonda traz mais mudanças propostas
José Fernando Simão, Livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, levantou as principais mudanças no projeto de reforma do Código Civil, na matéria de responsabilidade civil, durante a mesa redonda “Evolução legal e regulatória: tendências e desafios para o futuro”.
Simão explicou que o sistema de indenização de danos no Brasil, que compreende todas as consequências da violação das esferas moral e política, poderá incorporar o conceito de “dano existencial”, uma questão complexa dentro do sistema de indenização.
“Um dos dispositivos mais polêmicos é o artigo 944-B, que prevê indenizações por danos diretos, indiretos e futuros, ampliando significativamente o escopo da responsabilidade civil”, disse.
Simão comparou a previsão de danos futuros à ideia abordada no filme “Minority Report – A Nova Lei”, ficção que mostra uma sociedade que tenta prevenir crimes antes que eles ocorram, o que traz desafios em termos de nexo causal — o vínculo entre causa e efeito, que justificaria uma indenização. “A reforma amplia o conceito de nexo causal, permitindo que indenizações sejam concedidas não apenas por danos diretos e imediatos, mas também por danos indiretos, o que cria um novo paradigma jurídico”, avalia.
Ele explicou que a reforma propõe ampliar o número de pessoas responsáveis por danos causados por terceiros, incluindo tutores, pais, mães e guardiães — sendo esta última uma figura inexistente no Código Civil atual.
Simão disse que o projeto foi debatido em subcomissões e o anteprojeto já foi entregue ao senador Rodrigo Pacheco. Segundo ele, durante a tramitação do anteprojeto, diversos setores da sociedade civil, incluindo grupos econômicos, participaram das sessões públicas, o que contribuiu para ajustes importantes. “Quando o Congresso que ouve juristas cria leis de qualidade, e quando também ouve a sociedade, tendem a funcionar melhor na prática”, disse.
O 19º ENAPC é uma realização da Abrapp com o apoio institucional da UniAbrapp, Sindapp, ICSS e Conecta. Patrocínio Ouro: Atlântida Multi-Contábil; Balera Berbel e Mitne Advogados; Barra, Barros & Roxo Advogados; Bocater Advogados; Bothomé Advogados; Gomes Gedeon; JCM Advogados Associados; Linhares & Advogados Associados; Marcones Gonçalves Advogados; Santos Bevilaqua Advogados; Torres e Corrêa Advocacia; Vieira Rezende. Patrocínio Prata: Braga de Andrade Advogados; Pagliarini e Morales Advogados Associados. Patrocínio bronze: Andrade Maia Advogados; Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados Associados; Mattos Filho Advogados; MLC Advogados Associados; PFM Consultoria e Sistemas; Pinheiro Neto Advogados; Raeffray Brugioni Advogados; Romeu Amaral Advogados; Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados.