Artigo: A ampla oferta de fundos e os desafios de seleção – por Tiago Bellodi C. Cesar*

O mercado de fundo de investimentos experimentou nos últimos 3 anos um desenvolvimento com intensidade e complexidade inéditas. Amplitude e profundidade se destacaram na medida em que reformas estruturais aprovadas permitiram a queda dos juros longos e do prêmio de risco do país, a retomada do crescimento econômico, após a freada que ocorreu por conta da COVID-19, aqueceu um mercado de capital por muito tempo dormente. Os avanços da tecnologia, a educação financeira e a concorrência levaram produtos e serviços financeiros, até então reservados a alguns poucos, para uma grande massa de investidores.

Incontáveis novas licenças de gestão foram expedidas nestes três anos a gestores empreendedores, atraídos pela sedutora combinação voraz de demanda por produtos mais sofisticados com a poderosa estrutura de taxas “2 com 20”, junto a uma indústria de poucas barreiras de entrada e baixíssimo investimento em capital fixo, pois são estruturas bastante leves (apenas um escritório com estações de trabalho, basicamente). Se este movimento já vinha galopante até o fechamento de 2019, os efeitos da digitalização do mundo com a pandemia e os juros baixados a 2%, o levaram a explodir de uma vez.

Investidores institucionais e também de varejo encheram os patrimônios de muitas gestoras, novas ou velhas de estrada. Antigas raridades, gestoras com dezenas de bilhões sob gestão se multiplicaram. Os discursos sobre limites de capacidade limitados e fechamento de fundos deram lugar à expansão para ativos internacionais, crédito privado, novo patamar de liquidez da bolsa, todos eles permitindo mais capacidade de gestão!

Esse ambiente, no entanto, foi duramente impactado pela forte inflação mundial, levando-os a um severo ajuste monetário de 1.175 pontos bases. A SELIC de 2% foi rapidamente colocada em 13,75% ao ano e com ela, toda a memória do investidor rentista retornou. Propulsores do movimento de expansão da indústria de fundos ligaram então os motores da renda fixa, fossem eles ofertando produtos com variações atreladas ao CDI aos investidores pessoas físicas, fossem eles investidores institucionais demandando títulos pré fixados, atrelados à inflação ao até mesmo pós fixados que cobrissem suas curvas ALM.

Então quais são os impactos para esta indústria de fundos de maior risco? Em magnitudes semelhantes, vimos uma rápida perda de patrimônio. Fundos de renda variável foram naturalmente mais impactados, tanto pela aversão à risco em um ambiente de juros altos e dificílima conjuntura local e global, quanto pela queda do mercado em si, uma vez que a bolsa atingiu seu pico em junho de 2021 para depois despencar.

Neste ciclo vicioso, mais queda traz mais aversão à risco, que consequentemente traz mais queda. O desempenho de fundos de maior “Tracking Error”, de risco ativo em relação ao Ibovespa, tampouco ajudou a estancar a sangria uma vez que até recentemente companhias domésticas, de tecnologia e sensíveis a juros, sofreram grandes perdas em contrapartida de companhias consolidadas do setor financeiro e commodities que desempenharam bem. Ou seja, não apenas o Ibovespa caiu, como uma boa parte dos fundos de altos patrimônios caíram além do índice. Uma minoria supera o índice nestes últimos dois anos.

No caso dos Multimercados, a história é interessantemente diferente. Embora os dados da Anbima infelizmente mostrem uma igual perda de patrimônio, o mesmo não pode ser dito a respeito dos retornos. Apesar de um cenário em desconstrução de alta inflação e recessão agravados pela guerra no leste europeu e algumas idiossincrasias de países, há notáveis grandes desempenhos em boa parte dos recursos alocados em fundos multimercado.

Vacinados por um histórico de alta inflação e turbulências fiscais e políticas em suas carreiras consolidadas no Brasil, nossos gestores operaram como ninguém o forte deslocamento altíssimo das taxas norte-americanas, correções nas bolsas globais, sobretudo nos setores de tecnologia e fortalecimento do dólar. Juros, dólar e inflação em alta, enquanto o crescimento econômico e ações ficaram em baixa, apresentando um típico cenário brasileiro de vários momentos dos nossos últimos 30 anos. Porém, esse cenário, acontece nas economias centrais e explica grande parte dos retornos desses, bem-sucedidos, gestores que caminham até aqui para o melhor ano de seus fundos. Evidentemente há dispersões, fundos melhores e piores, bons e maus retornos.

Há duas lições essenciais destes intensos e últimos 3 a quase 4 anos. A primeira delas é sobre seleção de gestores com critérios que vão muito além de boas cotas e lâminas bonitas. Em um mercado hoje com amplitude de oferta inédita, é essencial conhecer em detalhes, técnicos e qualitativos, os gestores de nossos portfólios, suas estratégias, processos de gestão e controles para evitar investimentos que possam se tornar problemas no futuro. A dispersão de retornos, diferença entre comprar um bom e mau rendimento, é apenas o início do desconforto tanto na carteira quanto no psicológico do cliente.

A segunda é sobre alocação em classes de ativos. Com tanta volatilidade em tão pouco tempo, é fundamental que seja feito um trabalho ativo e consistente de (re)balanceamento. Citamos o exemplo da forte alta da SELIC: no período de 2% ao ano, renda variável e fundos multimercados estavam entre os ativos mais desejados e títulos atrelados ao CDI, os menos; com a alta, ocorreu uma rápida inversão. Sabemos que todo investimento de risco é para o longo prazo e assim deve ser avaliado, mas desconfiamos que as premissas do período de juros, artificialmente baixo, não são permanentes. Quanto maiores as incertezas do cenário e volatilidade nos preços, maior a necessidade de um “asset allocation” prudente e vigilante.

Essas duas lições são exatamente o centro da atividade de uma área de Fundos de Fundos. Selecionar bons ativos e combiná-los em proporções que ofereçam portfólios equilibrados, ajustados às necessidades de curto e longo prazo dos clientes, sem riscos demasiados. Ao que tudo indica, as dificuldades locais e globais permanecerão e com elas os altos e baixos, os dilemas entre comprar mais na baixa ou realizar o prejuízo, trocar um fundo por outro e demais desconfortos psicológicos que podem trazer ao carregar ativos em tempos de volatilidade. Ao persistirem os sintomas, o gestor deverá ser consultado.

*Tiago Bellodi C. Cesar, Head de Fundo de Fundos da BNP Paribas Asset Management

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