Os reflexos e as perspectivas da última reforma da previdência nos entes federativos.
Por Daniela Valverde*
A previdência dos servidores públicos é um dos assuntos mais comentados atualmente. Tal evidência tem como principal motivo a proximidade do fim do prazo para a implementação do Regime de Previdência Complementar – RPC nos estados e municípios, estabelecido na última Reforma da Previdência – Emenda Constitucional nº 103/2019.
Esta exigência provoca uma grande reflexão nos entes federativos, servidores públicos e nos envolvidos no segmento de previdência complementar, na medida em que os seus reflexos têm repercussão em toda a sociedade. Somos, portanto, solidários neste processo.
O déficit da previdência dos regimes próprios de previdência social – RPPS – é um dos grandes problemas enfrentados pelos entes federativos. Importante entender um pouco a origem desse déficit, e o porquê da necessidade urgente de encontrar novos caminhos que tragam a sustentabilidade do sistema.
Na origem dos RPPS, o Estado pagava os benefícios previdenciários aos seus servidores sem haver a contrapartida deles para um fundo específico. Ou seja, os fundos previdenciários dos servidores já nasceram deficitários. Nesse viés, foi criada a cultura do Estado como um grande provedor, uma fonte inesgotável de recursos, e por consequência, a criação de uma mentalidade não previdente nos servidores, despreocupados com a qualidade de vida pós-carreira. Este, sem sombra de dúvida, é um grande desafio: Como equilibrar? Como tornar superavitário um fundo previdenciário que já nasceu deficitário?
Nesse cenário, o RPC vem como uma alternativa de solvência para as contas previdenciárias.
Apesar da evidência por conta da Emenda Constitucional nº 103/2019, o regime de previdência complementar no âmbito dos estados e municípios surge desde a Emenda Constitucional nº 20/98, trazendo a facultatividade da criação do RPC pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Após, veio a emenda constitucional nº 41/2003, prevendo que somente as entidades fechadas de previdência complementar de natureza pública poderão oferecer aos respectivos participantes, servidores públicos. Ocorre que a implantação do RPC em Entes Federativos se efetivou somente em 2012 com a autorização para funcionamento das primeiras entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, dos servidores públicos, a PREVCOM e a FUNPRESP, para os servidores públicos de São Paulo e da União, respectivamente. Atualmente, as Entidades de Previdência Complementar dos Servidores Públicos administram mais de R$ 8 bilhões de patrimônio, com uma carteira de mais de 140.000 participantes.
Desde o surgimento até os dias de hoje, o crescimento da quantidade de entidades fechadas de previdência complementar tem sido lento, acarretado, principalmente, pela falta de conhecimento das suas regras e dos seus benefícios, tanto do público-alvo, servidores públicos, como dos próprios entes, no tocante à suas regras e a seus benefícios. Mesmo com a obrigatoriedade da criação do RPC e com a proximidade do fim do prazo para cumprimento da exigência, é perceptível uma inércia dos estados e municípios. Dos 2.152 entes federativos com Regime Próprio de Previdência Social- RPPS, apenas 31 realizaram a implementação.
A instituição do RPC provoca uma grande mudança em todo o sistema previdenciário. É crucial que a sensibilização acerca da criação do RPC nos entes federativos tenha como norte a apresentação dos seus benefícios para o servidor – possibilidade de manutenção do nível de renda da ativa, maior autonomia em relação a suas finanças previdenciárias – e as vantagens para os entes – desvinculação da remuneração dos servidores em atividade dos proventos de aposentadorias do RPPS, impacto positivo nas contas públicas em médio e longo prazo.
Importante ressaltar o papel do Estado como fomentador, que deverá realizar ações que impulsionem a robustez e sustentabilidade do Regime de Previdência Complementar dos Servidores.
Dentre as ações, destaca-se a adesão automática como uma grande política pública, que tem princípios da economia comportamental – viés da inércia que impõe aos indivíduos a tendência de resistir às mudanças, mesmo quando possam lhe beneficiar, viés da aversão a perdas, evitar uma perda presente seria mais vantajoso do que buscar um ganho futuro da mesma magnitude, bem como a miopia, a postergação frequente de decisões individuais.
Outra importante ação é a criação do instituto do benefício especial, já presente na legislação da União, Rio Grande Sul, Piauí, Goiás, Alagoas. Um estímulo para que os servidores públicos que estão sob a égide das antigas regras do sistema previdenciário optem pelas regras do regime de previdência complementar. Este benefício, conforme entendimento já consolidado, possui natureza compensatória e não previdenciária, por não cobrir nenhum risco social, e sim, um mecanismo de incentivo para mudança do regime de cálculo do seu regime previdenciário.
Outro ponto importante que merece destaque, no contexto do novo sistema previdenciário dos servidores públicos, é a inovação advinda da Emenda Constitucional nº 103/2019 – a possibilidade da gestão dos planos de benefícios não só por entidades fechadas de previdência complementar, como também por intermédio de entidades abertas de previdência complementar, necessitando, para tanto, de regulamentação específica. Esta possibilidade torna o regime de previdência complementar mais atrativo, na medida em que permite uma maior concorrência e, consequentemente, a oferta de melhores taxas para o público-alvo. Com esse novo cenário de competitividade, as entidades tendem a aperfeiçoar os seus processos com o objetivo de aumentar a rentabilidade dos seus planos, intensificar as ações Compliance e Governança, investimentos nas áreas de virtualização dos serviços e de comunicação e relacionamento com os participantes. Porém, merece atenção a necessidade de uma harmonização das regras das EFPC e das EAPC para a construção de um ambiente competitivo justo e saudável.
Por fim, este é um grande desafio para todos a sociedade; o movimento é de todos. O Regime de Previdência Complementar para os estados e municípios traz uma realidade que poderá produzir efeitos benéficos, contribuindo para a criação de uma geração mais previdente. Assim como qualquer mudança, é necessário modificar as bases. A implementação do RPC nos chama para uma reflexão que vai muito além do cumprimento de uma exigência constitucional e, sim, provoca uma discussão acerca da inserção da educação previdenciária na sociedade. Este é o caminho!
*Daniela Gouveia Valverde é aluna do MBA em Gestão de Previdência Complementar da UniAbrapp. Advogada e fundadora da DGV ADVOCACIA, Daniela atua na área de previdência complementar, direito digital e Compliance.