Desde o início de suas atividades em 2016, o Instituto de Longevidade MAG abraçou o propósito de promover o bem-estar da população 50+ no Brasil, notadamente por meio da disseminação de conteúdos relacionados com a longevidade financeira. Este conceito, desenvolvido pelo próprio Instituto, se mostra cada vez mais relevante em um contexto de acelerada transição demográfica. Na essência, a longevidade financeira pressupõe que os anos a mais de vida, proporcionados pelo aumento da expectativa de vida, devem ser acompanhados de um patrimônio que também perdure por mais tempo e que seja capaz de promover a segurança financeira, indispensável para a qualidade de vida na maturidade.
Como qualquer iniciativa que possui base na educação financeira, a promoção da longevidade financeira enfrenta os desafios típicos de uma sociedade que historicamente não desenvolveu uma cultura de poupança e de cuidados com o futuro. Essa, aliás, é uma das razões do baixo nível de penetração dos produtos de previdência complementar. Com efeito, ainda nos deparamos com uma parcela expressiva da população que, por razões de necessidade ou preferência, prioriza o gasto presente em detrimento do esforço de poupança para o futuro.
Como se o desafio já não fosse dos maiores, fomos surpreendidos com um novo obstáculo ao desenvolvimento dessa consciência de formação de poupança de longo prazo. Autorizadas a funcionar por lei aprovada nos últimos dias do governo Temer, as casas de apostas on-line ganharam o noticiário recentemente, após um relatório do Banco Central jogar luz sobre a dimensão dos gastos com esse tipo de entretenimento. Desde a diminuição do consumo de bens e serviços a um maior endividamento dos indivíduos, passando pelos efeitos deletérios à saúde mental dos apostadores e de seu entorno imediato, há várias evidências de que a forma como o setor se desenvolveu não foi das mais salutares. Sem uma regulamentação adequada nos últimos cinco anos, as empresas se proliferaram, e agora, a sociedade tenta conter, ainda que parcialmente, os efeitos desse crescimento indiscriminado. Apenas em 2023, estima-se que até R$ 100 bilhões (1% do PIB) tenham sido destinados às bets, o que, aliás, pode ser uma cifra subestimada, tendo em vista que, apenas em agosto deste ano, a movimentação pode ter alcançado a marca de R$ 20 bilhões.
No debate público, já se fala em epidemia. Independentemente da adequação ou inadequação do termo, nota-se um aumento na busca por apoio à saúde mental entre apostadores. O serviço especializado em transtornos do impulso do Hospital das Clínicas – USP registrou um aumento de 175% na procura de apoio entre 2022 e 2023. Embora a analogia com o tabagismo ou o alcoolismo seja inevitável, a facilidade das apostas on-line a distingue das compulsões tradicionais. Em depoimento ao jornal Estado de SP, frequentador dos Jogadores Anônimos, grupo de apoio a jogadores compulsivos, sentencia: “Para apostar em cavalo, você precisa ir ao jóquei. Para ganhar na roleta, precisa encontrar um cassino. Mas, para jogar na bet, não precisa ir ao estádio. Joga em casa mesmo. É como ter um cassino na palma da mão”.
Ainda mais preocupante é a taxa de aumento registrada pelo serviço do HC-USP na busca de apoio por jovens adultos (de 18 a 30 anos): 480%. Dada a ostensiva publicidade on e offline das bets e o acesso a smartphones em idades cada vez mais precoces, não é improvável que também crianças e adolescentes estejam entre as vítimas desse grave adoecimento coletivo. Com as faculdades cognitivas ainda em desenvolvimento, torna-se mais difícil a esse grupo etário resistir ao apelo das apostas. Diante de tamanho desafio, os serviços de saúde mental, por mais indispensáveis que sejam, certamente não são a única resposta.
No curtíssimo prazo, urge a regulamentação do setor pelos órgãos responsáveis. As ações mais imediatas de que se têm notícia dão conta da proibição das apostas por meio de cartão de crédito, a restrição de acesso aos jogos por certos grupos (a exemplo dos menores de 18 anos ou beneficiários do Bolsa-Família), estabelecimento de limites de valores apostados e demais recursos para monitoramento de comportamentos de risco, para prevenir o vício entre os apostadores. São medidas necessárias, mas ainda discretas e longe de serem suficientes.
Em uma perspectiva de efeitos de longo prazo, o Instituto de Longevidade MAG advoga a proposta de destinação de parte da tributação sobre as bets ao fomento de ações de Educação Financeira e Previdenciária. Se a dívida histórica da nossa sociedade com a educação é grande, tanto maior o é com esse setor em particular. É verdade que décadas de instabilidade econômica e monetária não ajudaram a criar mentalidade e hábitos previdentes em nossa população. Mas a falta de conhecimento tampouco facilita: 9% dos jogadores encaram as apostas como investimento, e 25% a consideram uma forma de buscar dinheiro rápido.
A exemplo da Loteria Federal, que destinou em 2023 R$ 9,2 bilhões para áreas sociais diversas, a reversão de parte da arrecadação das bets para ações de educação financeira seria uma forma de não apenas mitigar os riscos da prática de apostas, mas, de fato, estimular mudanças estruturais na sociedade brasileira.
*Gleisson Rubin é diretor do Instituto de Longevidade MAG