Artigo: Dois empurrões à regulação dos fundos de pensão: transparência ativa e inscrição automática – por Fábio Lucas de Albuquerque*

A economia comportamental tem estudado situações em que o Estado, por meio da regulação ou mesmo de política fiscal, pode induzir comportamentos aos mercados e aos cidadãos.

Esses “empurrões” ou “cutucões” são denominados em inglês de nudges, e, dentre outras razões, partem de um pressuposto de que as pessoas preferem o estado de inércia a tomar atitudes saudáveis para seu próprio bem.

A determinação para que empresas e órgãos públicos divulguem informações que possibilitem facilitar a vida das pessoas, está na agenda do dia em matéria de boa governança.

Noutro ponto, os nudges podem significar uma ajuda para início o processo de tomada de decisão para o qual o indivíduo tende a permanecer inerte: um exemplo, a inscrição automática a planos de aposentadoria privada.

No Regime de Previdência Complementar fechado duas situações foram reguladas dentro desse pensamento: a) as normas de transparência ativa, estatuídas na Resolução nº 32/2019; e b) a inscrição automática dos servidores públicos à Funpresp, implantada com a promulgação da Lei nº 13.183, de 2015.

A transparência ativa na Resolução CNPC nº 32, de 2019 – Diferentemente da política de dados abertos ou mera transparência passiva, na sistemática de transparência ativa a informação deve transmitir, ainda que de maneira simplificada, os riscos envolvidos na aquisição ou consumo de produtos e serviços, ser de fácil acesso e, antes de tudo, permitir “inferabilidade” (MICHENER: 2013).

Target Transparency, nome dado em inglês para essa medida, leva em conta o custo elevado de se publicizar dados e informações importantes para o indivíduo e para a sociedade, e, do outro lado da balança, o benefício social que a medida traz para a comunidade envolvida (WEIL; GRAHAM; FUNG: 2013).

Dar a alternativa ao consumidor de poder escolher, por exemplo, um determinado alimento, tendo noção clara de todas as informações sobre os ingredientes que o mesmo contém, permite o exercício do livre arbítrio na aquisição ou na melhor escolha, podendo induzir condutas saudáveis, que podem mitigar problemas de saúde pública. Poder escolher o eletrodoméstico ou mesmo o carro mais econômico, com a publicação de etiquetas que registram o nível de consumo, ganha cada dia mais a aderência dos consumidores, podendo inclusive determinar a compra do bem em questão (LOEWENSTEIN; SUNSTEIN; GOLMAN: 2014).

Para os estudiosos, o custo de prover essa informação deve ser levado em consideração. Porém, quando sabemos que uma indústria de biscoitos ou de refrigerantes conhece no detalhe o que a formulação do produto alimentício traz em substância, bem como seus efeitos no curto, médio e longo prazo à saúde de crianças e adultos, tudo isso são fatores sociais muito mais relevantes do que o custo econômico de se colocar um aviso na embalagem de forma transparente e visível. (LOEWENSTEIN; SUNSTEIN; GOLMAN: 2014)

Do ponto de vista econômico, a política se aproximaria de um nudge, um facilitador na tomada de decisão.

Esse empurrão está presente no Regime de Previdência Complementar fechada na Resolução de transparência (Res. CNPC nº 32, de 2019).

Esse normativo, fruto da regulação estatal, promove o comportamento de divulgar informações aos participantes de forma ampla, inclusive na seara de investimentos do patrimônio dos planos de benefício. Dispões a Res. CNPC nº 32, de 2019:

Art. 1º As Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), na divulgação de informações aos participantes e assistidos de planos de caráter previdenciário que administram, devem observar o disposto nesta Resolução.

(…)

Art. 2º Na divulgação de informações a EFPC deve:

I – empregar linguagem clara e acessível a cada público, com tempestividade, regularidade, confiabilidade e segurança;

II – utilizar, sempre que possível, recursos didáticos, como infográficos, tabelas e lâminas informativas;

III – priorizar o uso de plataformas digitais de comunicação, observado o disposto no § 2º do art. 13; e

IV – disponibilizar de forma ativa as informações de interesse dos participantes e assistidos, independentemente de solicitação.

Essa transparência ativa é salutar para induzir bons comportamentos para a estrutura de Governança da EFPC, bem como promover que o participante se interesse por acompanhar a evolução de sua entidade, de seu plano e inclusive acompanhar mais de perto a evolução das suas cotas, num plano de contribuição definida.

Nesse intercâmbio salutar, entre Estado regulador, entidades e participantes, o sistema se fortalece e, por conseguinte, o esforço de supervisão do Estado tende a se tornar mais subsidiário, conforme a maturidade do sistema vá cada vez mais se fortalecendo.

Quanto a autorregulação não pode acrescentar para além do que a norma estatal impõe? Fica a ideia e a semente plantada para os grupos que estudam o tema.

A inscrição automática na Funpresp: um caso de sucesso no Brasil – Como temos dito, segundo os economistas comportamentais, o homem tem a propensão a permanecer em inércia.

No que se refere à educação previdenciária, em nosso país, é por demais conhecida a carência de programas que preparem, principalmente os jovens, para acumular reservas previdenciárias para aposentadoria.

Pelo mundo afora, alguns países tomaram a iniciativa da inscrição ou mesma da adesão automática de seus trabalhadores à previdência complementar, havendo casos de sucesso na grande maioria das economias onde a iniciativa foi adotada, porquanto, também seguindo o princípio da inércia, após entrar no plano de previdência, o segurado tende a permanecer nele.

Exemplos notáveis desse fenômeno foram detectados na inscrição automática em planos de previdência nos EEUU e no Reino Unido, por exemplo, em que o empregado ao assumir o emprego é inscrito automaticamente na previdência privada, tendo um prazo para se retirar, caso não deseje permanecer no pension fund.

Estudos verificaram que o percentual de permanência do segurado é altíssimo se comparado à política anterior no qual a iniciativa teria que partir dele.

Não trazidas ao debate neste momento as questões jurídico-constitucionais que circundam o tema, a medida traz em torno de si um consenso de que é uma medida protetiva dos trabalhadores.

Aqui no Brasil a inscrição automática foi implementada através da Lei nº 13.183, de 2015, para os servidores públicos federais, e o percentual de permanência atinge quase 90% no plano de previdência privada (DIAS; SANTANA; PENA: 2019).

Considerando que os servidores pelas novas emendas à Constituição estão limitados ao teto do INSS, ter a oportunidade de adentrar a um plano de previdência complementar como o da Funpresp é uma medida que o Estado sem sombra de dúvidas tomou com muito acerto e merece aplausos de quem estuda o caráter protetivo do direito previdenciário.

Por que não se debater a evolução dessa sistemática para todos os segmentos? Quais as medidas, eventualmente constitucionais, legais ou regulatórias, são necessárias para se chegar a uma conclusão sobre a inscrição automática, após o debate público na sociedade e na esfera do CNPC?

São questões que os doutrinadores do segmento de previdência privada vêm travando com muito esmero há mais de uma década, e que venho acompanhando como um curioso e estudioso da previdência complementar no Brasil.

Para concluir, nesse artigo trouxemos dois exemplos diferentes de nudges aplicáveis ao Regime de Previdência Complementar a fim de suscitar os debates entre advogados, contadores, economistas, administradores, atuários e todos os profissionais que estudam e fazem o nosso segmento de previdência prosperar a cada ano.

Fabio Lucas de Albuquerque Lima

 

*Fábio Lucas de Albuquerque Lima é Membro da Advocacia Geral da União e Procurador-Chefe da Previc

 

 

 

Referências:

DIAS, R. B. C.; SANTANA, R. L. F.; PINHEIRO, R. P. Da fila esperada ao empurrão: adesão automática em fundos de pensão. Revista de Previdência, n. 14, dez/2019, pp 1-30.

KAHNEMAN, D.; SINOBY, O.; SUNSTEIN, C.R. Bias Is a Big Problem. But So Is ‘Noise’. Nova Iorque: Editora: The New York Times Company, 17 de maio de 2021.

LOEWENSTEIN, G.; SUNSTEIN, C.R.; GOLMAN, R. Disclosure: Psychology Changes Everything. Rev. Econ, v 6, nº 1, pp. 391-419, 2014. Disponível em: https://www.annualreviews.org/doi/abs/10.1146/annurev-economics-080213-041341.

WEIL, D.; GRAHAM, M.; FUNG, A. Targeting Transparecy. Revista Science, v. 340, junho/2013, pp. 1410/1411.

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