*Por Aparecida Pagliarini
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“Nem tão lento que pareça medo, nem tão rápido que pareça provocação.”
“A síntese é a centelha da curiosidade.”
E quem tiver a paciente curiosidade de iniciar a leitura poderá perguntar qual a relação do título com as frases. Explico. Elas eram repetidas para mim em reuniões de diretoria de um grande grupo de empresas onde eu assessorava também o conselho de administração, colegiado que era comum a todas elas. A sua presença e o seu significado para o mercado eram importantes e as que o compunham tinham controle familiar. Retorno aos ditos adiante.
Pois bem. Os deveres fiduciários dos administradores das sociedades anônimas, qualquer que seja a forma de controle do seu capital, estão bem indicados na LSA: dever de diligência; dever de lograr os interesses da companhia; dever de lealdade; dever de sigilo; dever de informar interesses conflitantes com a companhia; dever de informar acionistas e mercado.
No ambiente da previdência complementar fechada, os deveres legais de fidúcia dos administradores (membros do conselho deliberativo e da diretoria executiva) se “esparramam” como a “batatinha quando nasce”, na corruptela da cantiga de roda (corruptela porque o certo é “espalham ramas”), mas é certo que o dever de prudência está sempre nas entrelinhas, quando não expressamente mencionado.
Assim, pode-se inferir que o § 3º, inciso I, do artigo 34 da LC 109/2001 coloca como dever fiduciário ter comprovada experiência nas áreas afeitas à administração e fiscalização da EFPC. Da mesma forma, pode-se inferir que o artigo 63 da mesma LC se refere ao dever de diligência e de prudência, uma vez que o primeiro dever deriva do segundo.
Do seu lado, a Resolução CGPC 13/2004 explicita como deveres fiduciários (que estão repetidos nas regras de investimentos das reservas dos planos operados pela EFPC – Resolução CMN 4.661/2018): dever de adotar princípios regras e práticas de governança, gestão e controles internos (dever de prudência); dever de observar padrões de segurança econômico-financeira e atuarial (dever de diligência); dever de desenvolver cultura de controles internos (dever de prudência); dever de manter conduta ética e íntegra (dever de prudência); dever de estar preparado técnica e gerencialmente (dever de diligência); dever de manter adequado fluxo de informações (dever de diligência); dever de zelar pela adequação e aderência da PI, das premissas e hipóteses atuariais (dever de diligência); dever da administração (CD e DE) implementar políticas e procedimentos apropriados (dever de prudência); dever de segregar atividades de colaboradores internos e externos (dever de prudência); dever de evitar e tratar interesses conflitantes (dever de diligência); dever de identificar, avaliar e monitorar riscos (dever de diligência); dever de adotar regras e procedimentos para prevenir a utilização da EFPC para outros fins (dever de prudência); dever de divulgar informações relevantes (dever de informar); e por aí vai.
Enfim, são muitos os deveres fiduciários previstos na amplidão das normas que regulam o regime fechado de previdência complementar mas, como se vê, não há grande dificuldade de identificá-los, principalmente porque fazem parte daqueles principais: dever de prudência e dever de diligência, ambos amparados pela ética e pela boa-fé. Costumo repetir Aristóteles que, segundo consta, disse que “a prudência é a mãe de todas as virtudes”. Realmente, como “virtude”, nenhum desses deveres sobrevivem sem a ética.
Daí me parece brotar a regra do homem prudente como padrão de conduta para administradores das SA (art. 153 da LSA) e de outros tipos societários com ou sem finalidade lucrativa (art. 1011 do CC).
Essa prudência do homem probo, do bom pai de família, não sobrevive desacompanhada de condutas éticas. Nenhum outro dever fiduciário sobreviverá. E nem se pode imaginar o contrário: prudência, diligência e boa-fé sem bons padrões de comportamento? Impossível.
A prudência do homem probo, de outro lado, não pode ser confundida com o “conservadorismo” que engessa a tomada de decisões pelo receio, pelo medo. Por isso ocorreu-me a primeira frase acima, repetida diversas vezes pelo saudoso diretor. Assim, parece-me que a prudência deve ser diligentemente medida para não ultrapassar a medida do risco (a “provocação”). A prudência vai se espelhar no devido tratamento que a ele derem os administradores da EFPC, de acordo com a ética pessoal e a organizacional.
Lembro agora da INPrevic 15/2017 que deve se integrar neste contexto. As regras nela contidas não podem ser desprezadas. Aliás, descumprir qualquer regra é “assinar a sentença de morte” para o administrador da EFPC. Descumprir norma com boa-fé e ética? Outra impossibilidade.
A INPrevic 15/2017 traz medidas “prudenciais preventivas” (não poderia ser diferente: não há prudência sem prevenção). Traz, portanto, continente e conteúdo, uma vez que ser prudente significa adotar meios para prevenir riscos e danos para a EFPC e aos planos por ela operados, aos participantes, aos assistidos, aos patrocinadores e instituidores, ao mercado financeiro e de capitais, à expansão e à credibilidade do regime fechado de previdência complementar.
O fundamento da Instrução não chega a ser nenhuma novidade. Os preceitos introduzidos no Direito Romano por Ulpiano continuam presentes na legislação justamente porque apresentam profundo conteúdo ético (como toda norma jurídica): viver honestamente, não lesar o outro e dar a cada um o que é seu. (Parabéns, Ulpiano. Você está vivo até hoje e não sei se os atuários conseguiram uma tábua de sobrevivência para você).
Vem então a INPrevic 15 para dizer com seu conteúdo ético, de forma clara e precisa que: 1) as medidas lá descritas visam assegurar a solidez, a estabilidade e o regular funcionamento do regime; e 2) as medidas prudenciais previstas no art. 3º serão adotadas pelo órgão fiscalizador nas situações enumeradas no art. 2º. Penso que essas situações, sem dizer expressamente, se referem ao descumprimento dos deveres fiduciários da prudência e da diligência aos quais estão obrigados dirigentes e conselheiros, especialmente como fundamento da Resolução CGPC 13/2004 e Resolução CMN 4.661/2018. Não estão lá previstas regras de conduta moral. Desnecessário. Como já disse aqui, não há como cumprir deveres fiduciários sem ética e integridade.
Afinal, sempre deve ser lembrado: são as pessoas responsáveis pelo cumprimento dos deveres fiduciários que constroem a ética da EFPC.
Paro por aqui para atender o conselho do meu querido e saudoso diretor, com a intenção de contribuir para reflexões sobre o tema. Sinteticamente.
*Aparecida Ribeiro Garcia Pagliarini é advogada, consultora de entidades fechadas de previdência complementar e coordenadora da Comissão de Ética do Sindapp.