O ano de 2021, em razão da pandemia do coronavírus, foi absolutamente atípico.
Tal fato incontroverso impõe uma reflexão técnica e serena sobre como enfrentar as situações de déficit dos planos de benefícios previdenciários das entidades fechadas de previdência complementar.
Em razão da excepcional volatilidade dos mercados, a grande maioria dos fundos de pensão não atingiu a meta atuarial. Tirando uma fotografia isolada do exercício de 2021, poderia se afirmar que tais planos previdenciários estão ou ficarão deficitários, embora as causas sejam essencialmente conjunturais e atípicas.
Como é consensual na doutrina e na legislação da previdência privada, déficit e superávit são duas formas de desequilíbrio do plano previdenciário.
Para se exigir um esforço contributivo adicional dos participantes, aposentados e dos empregadores nos casos de déficit, ou melhorar os benefícios previdenciários nos casos de superávit, a legislação da previdência complementar exige que a situação de desequilíbrio do plano tenha uma tendência de perenidade, isto é, o déficit ou superávit não pode ser apenas conjuntural ou episódico.
Especialmente no caso de déficit, exigir que as partes que financiam um plano previdenciário (participantes, assistidos e empregadores) façam neste momento novos aportes adicionais (contribuições extraordinárias), por uma situação decorrente da pandemia, seria desconsiderar o atual estado de coisas e agir precipitadamente.
É preciso registrar que em outros países, como no Reino Unido, a crise causada pela pandemia do coronavírus permitiu que se mudasse a legislação até mesmo para sobrestar as contribuições ordinárias (normais) vertidas para os planos previdenciários. Quanto às hipóteses de déficit, as regras foram flexibilizadas e adiadas as exigências para aportes adicionais.
No Brasil, as contribuições ordinárias – vertidas pelos participantes e por seus empregadores (patrocinadores) para os planos de benefícios – estão sendo feitas normalmente, e neste ponto não se cogita qualquer alteração ou sobrestamento.
Porém, com relação à necessidade de aportes adicionais, ou seja, com relação a um esforço contributivo especial (contribuições extraordinárias), para cobertura de déficit em razão de não se atingir a meta atuarial, o assunto exige reflexão dos dirigentes de fundos de pensão, associações de participantes e de aposentados e também a compreensão das autoridades governamentais.
A legislação que trata do equacionamento de déficit dos planos de previdência complementar não previa um ano marcado por uma pandemia que só no Brasil produziu mais de meio milhão de óbitos. E não há dúvida de que as normas que tratam do equacionamento de déficit dos planos de previdência privada não foram criadas para regular uma situação totalmente imprevisível como uma pandemia do coronavírus.
Com o fechamento de empresas, paralisação de atividades comerciais, afastamento de trabalhadores contaminados ou hospitalizados, interrupção de produção, a pandemia causou um grande desarranjo global nas cadeias produtivas, o que contribuiu para gerar inflação, como a verificada nos Estados Unidos, a maior dos últimos 40 anos!
No campo econômico, o mundo viu uma ação sem precedentes dos Bancos Centrais para dar liquidez aos mercados. Houve emissão de dinheiro em escala, alto grau de endividamento público das economias desenvolvidas e gigantescos programas assistenciais de emergência.
Apesar do grande esforço de vários atores, os investidores institucionais, como os fundos de pensão, começaram o ano de 2021 experimentando uma taxa de juros de fato negativa. Em poucos meses a taxa Selic voltava a subir, a inflação chegava à casa de dois dígitos, a renda caía, a nossa moeda se desvalorizava em face do dólar e a bolsa de valores sofria, como ainda sofre, de grande instabilidade.
Tudo isso impôs grandes sacrifícios para os planos privados de benefícios previdenciários e seus gestores.
Diante de tal quadro de absoluta volatilidade e instabilidade, que evidentemente supera os riscos tradicionais na gestão dos investimentos e das obrigações previdenciárias, ficou muito difícil para os fundos de pensão conseguirem um retorno para as aplicações que fosse suficiente para bater a inflação e ainda obter um ganho real em torno de quatro ou cinco por cento para preservar os ativos garantidores frente aos compromissos previdenciários. É importante registrar, inclusive, que há regras rígidas de prudência e conservadorismo que limitam a rápida realocação de recursos dos fundos de previdência.
Em reconhecimento à imprevisibilidade da Covid-19, várias exceções foram admitidas na legislação civil, empresarial e até mesmo na Constituição Federal, além de mudanças na jurisprudência dos Tribunais Superiores. Por conta da pandemia, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal admitiram restrições nas liberdades individuais e no direito de propriedade.
As normas que orientam a previdência complementar não podem ficar imunes a essa conjuntura. Os déficits de planos de previdência complementar ocorridos em 2021 não podem ser enquadrados no tratamento corriqueiro e tradicional de uma legislação editada para tempos de paz.
O Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) é o órgão regulador das entidades fechadas de previdência complementar e tem autoridade normativa, legitimidade de representação e tradição para conciliar conhecimento técnico com bom senso. A Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc, como órgão de fiscalização desse setor, tem pleno domínio do que está se passando e sabe que o desempenho negativo dos fundos de pensão em 2021 não decorreu de problemas de gestão, mas sim de fatores exógenos e conjunturais.
Nesse contexto, dirigentes e associados de fundos de pensão devem apoiar o oportuno movimento conduzido pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – ABRAPP, solicitando que o CNPC e a Previc reconheçam a singularidade deste momento e permitam que haja o adiamento da implantação dos planos de ajustes para equacionamento de déficit dos planos previdenciários.
Por prudência, é fundamental que se veja o filme ampliado, e não apenas uma fotografia estática de um momento inesperado.
*Fernando Antônio Pimentel de Melo é Presidente da Fundação Atlântico de Seguridade Social.