Artigo: Grupo que analisa normas de fundos de pensão é oportunidade para rever leis – por Flavio Martins Rodrigues e Larissa Vieira Bosco*

Flavio Martins Rodrigues

Foi promulgado o Decreto nº 11.543, de 1º de junho, que instituiu grupo de trabalho com o objetivo de elaborar propostas de revisão da regulação do segmento fechado de previdência complementar, administrado pelos fundos de pensão.

O grupo conta com a participação de representantes do governo e da sociedade civil, neste caso com indicações da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão e dos Beneficiários de Saúde Suplementar de Autogestão (Anapar) e a representação dos patrocinadores de fundos de pensão.

As reuniões do grupo poderão contar com a participação de especialistas e representantes de outros órgãos e entidades, públicos e privados.

O decreto ainda determina que o GT crie até três comissões temáticas para elaborar estudos e propostas sobre: 1) avaliação e registro de títulos e valores mobiliários, processo de escolha de dirigentes e conselheiros e equacionamento de déficit atuarial relativo ao exercício de 2022; 2) retirada de patrocínio e rescisão unilateral de convênio de adesão; e 3) procedimentos e critérios específicos para a apuração e o tratamento dos resultados dos planos de benefícios.

Esses temas têm se colocado de forma prática no âmbito de entidades de previdência. Contudo, a nosso ver, é necessário que haja uma reflexão sobre o nível de regulação dos setores privados supervisionados pelo Estado e a necessidade de incentivos para o segmento.

A previdência complementar, por força do artigo 202 da Constituição, é inerentemente privada. Apesar desta imposição constitucional, nos últimos anos, houve uma intensa edição de normas regulatórias cujo conteúdo (e mesmo seus conceitos fundamentais) precisam ser repensados. Os conceitos próprios da gestão bancária, por exemplo, não parecem cabíveis para os fundos de pensão.

Assim, espera-se que o grupo avalie uma desregulamentação do setor, deixando aos agentes privados maior autonomia para propor soluções específicas de acordo com as peculiaridades de suas entidades e dos planos que são administrados em favor dos participantes, assistidos e patrocinadores, sempre sob supervisão da Previc e dentro dos balizadores das Leis Complementares 109/2001 e 108/2001.

A previdência complementar fechada não tem apresentado um crescimento real nas últimas décadas, deixando muitos trabalhadores sem acesso a essa forma tão eficiente de segurança social. Ademais, temos a ausência de uma poupança nacional de longo prazo, qualidade própria das reservas garantidoras dos planos de previdência administrados pelos fundos de pensão.

Dessa forma, é imperioso que o grupo se volte para propor mecanismos que incentivem o crescimento dos fundos de pensão. Tal desafio não é simples. Nos últimos tempos, os países com regimes de previdência mais amadurecidos e aprimorados têm encontrado dificuldades para estruturar os modelos de planos privados de previdência adequados para a população.

A Holanda, sempre conhecida como o “estado da arte” em matéria de previdência complementar, está implementando medidas importantes de alteração desse modelo previsional com a finalidade de acolher as novas formas de trabalho, pois o modelo laborativo experimentado no fim do século passado não está mais presente.

O grupo tem o imenso desafio de não ser dragado pelos antigos modelos (talvez idealmente melhores), mas que não se adequam ao modelo de produção no século 21 e à situação demográfica e social existente no Brasil. É necessário ter vontade de enfrentar o novo e propor soluções aptas a acolher as novas gerações: os nossos filhos e netos.

As leis complementares vigentes, que regem a previdência complementar, têm sido eficientes para dar o suporte normativo necessário e já estão bem compreendidas pelo Poder Judiciário. A nosso ver, seria o caso de mantê-las para preservar as bases dessa relação de tão longo prazo.

Contudo, parece-nos que a criação do grupo é uma oportunidade ímpar para rever leis ordinárias, decretos e outros atos normativos com a finalidade de incentivar o crescimento da previdência complementar fechada, preservando a estrutura legal superior que nos trouxe com razoável segurança até aqui. Esperamos que o grupo de trabalho recém-criado seja capaz de superar esses desafios e nos levar de volta ao crescimento efetivo desse segmento tão relevante não apenas para os trabalhadores segurados, mas para a economia do país.

Flavio Martins Rodrigues é sócio sênior do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados.

Larissa Vieira Bosco é associada do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados.

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