Artigo: O desafio da diversificação das carteiras de previdência complementar – por Hellinton Hatsuo Takada*

O benefício da diversificação em investimentos é indiscutível. Porém, sem um processo de investimento bem estruturado, sua implementação prática de forma consistente pode ser desafiadora. Conceitualmente, diversificar uma carteira é alocar no maior número possível de ativos, sendo que quanto menor a correlação entre esses ativos, maior a diversificação. A teoria explica que o aumento da diversificação reduz o risco não-sistemático (idiossincrático ou ainda específico de um ativo) da carteira de investimentos e, consequentemente, a volatilidade total.

As carteiras de previdência complementar possuem metas atuariais bem definidas. A gestão desses investimentos deve garantir que os recursos sob gestão sejam suficientes para fazer face aos compromissos assumidos perante os seus participantes. A construção da carteira e suas métricas de risco oficiais devem levar em conta essas metas. Apesar disso, é comum que os participantes acompanhem a evolução da carteira com base numa taxa livre de risco como o CDI e isso pode causar desconfortos num prazo mais curto, dado que a meta atuarial pode ser bem diferente da taxa livre de risco, tornando a construção da carteira ainda mais desafiadora.

Existem infinitas formas de construir uma carteira de previdência complementar que seja diversificada. Contudo, para que os resultados sejam consistentes ao longo do tempo essa construção deve seguir um processo de investimento bem estruturado. Aqui vamos escolher uma linha de raciocínio para ilustrar como endereçar alguns desses desafios de maneira consistente. Grande parte da alocação da carteira deve ter como objetivos as metas atuariais e as gerações de fluxos para honrar os passivos, ou seja, deve ficar alocada em títulos públicos de renda fixa escolhidos cuidadosamente mirando essas metas.

Sendo assim, resta uma parte menor da carteira que poderia ser alocada de forma mais flexível. Com o objetivo de diversificar e ao mesmo tempo reduzir a volatilidade da carteira frente ao CDI, o ideal seria considerar ativos menos correlacionados aos já presentes. Nos últimos anos, o Brasil em termos de participação global ficou torno de 2% tanto do PIB quanto do mercado de títulos de renda fixa e em torno de 1% do total de empresas listadas. De acordo com o consolidado estatístico publicado pela Abrapp, o percentual de alocação no exterior das carteiras do setor em 2022 foi de menos de 1%. Isso já justifica partirmos para uma maior diversificação saindo de ativos locais e aumentar esse percentual de ativos offshore.

Faremos aqui um exercício utilizando um fundo hipotético de previdência complementar para mostrar que adicionando uma pequena alocação offshore, que maximize a diversificação, a melhora tanto em termos de redução de volatilidade e performance pode ser significativa. Para construir esse fundo hipotético, utilizamos o consolidado estatístico publicado pela Abrapp com os percentuais de alocação médios das carteiras do setor ao longo dos últimos anos. Nesse processo, respeitamos o percentual máximo alocado em ativos offshore e consideramos somente ativos permitidos pela regulamentação.

Como a porção disponível para a alocação offshore é reduzida tanto por questões regulatórias quanto por construção para atingir as metas atuariais, a escolha desses ativos deve ser a melhor possível para maximizar o valor adicionado à carteira com um todo. Em termos de modelagem, achar uma combinação que maximize a diversificação da carteira de forma sistemática pode ser bem complexa quando queremos considerar o maior número possível de ativos e as restrições práticas de concentração em ativos individuais ou em diversas regiões geográficas e classes. As alocações obtidas por meio de simples otimizações computacionais são sujeitas a ruídos nos dados e provocam balanceamentos indesejáveis. Uma alternativa é considerar procedimentos computacionais mais robustos que deixem as alocações menos sensíveis a esses ruídos.

Em termos da implementação da carteira, a utilização de ETFs (Exchange Traded Funds) como ativos offshore pode ser uma alternativa válida nesse contexto que combina baixo custo, grande variedade de índices disponíveis, desde renda variável ou renda fixa até commodities, que satisfaçam regras alinhadas à nossa regulamentação (como os ETFs UCITS – Undertakings for Collective Investment in Transferable Securities). Uma cobertura abrangente global é importante tanto para posicionamentos táticos quanto para a escolha dos melhores ETFs em termos de custos e liquidez. Nesse sentido, um trabalho de curadoria na seleção desses ETFs é fundamental e deve envolver também due dilligences apropriados das casas provedoras. Outros tipos de ativos offshore poderiam ser incluídos como títulos de renda fixa, fundos mútuos, ações etc., desde que estejam de acordo com a política de investimento e a regulamentação.

Como universo de ativos offshore, consideramos resumidamente os ETFs dos seguintes índices: setoriais de renda variável dos EUA, de bolsas da Europa e do Japão, de renda variável de mercados emergentes da América Latina e da Ásia, de commodities e de renda fixa tanto de países desenvolvidos quanto de emergentes. Muitos outros poderiam ser incluídos, mas para esse exercício consideramos esse universo suficiente.

A montagem dessa carteira offshore não pode parar por aí. Também é necessário definir se será necessário fazer algum tipo de hedge das exposições cambiais que dependem de objetivos do investimento e expectativas de cenários futuros. Com respeito ao hedge, é possível simplesmente não fazer para ter exposição cambial, fazer totalmente para não ter essa exposição cambial ou mesmo parcialmente dependo do ativo ou classe de ativo. Em termos de hedges parciais, por exemplo, observamos com frequência o hedge somente das posições de renda fixa. Do ponto de vista de diversificação, a exposição cambial da carteira offshore geralmente causa uma alta correlação negativa com o restante da carteira aumentando o nível de diversificação e redução da volatilidade total.

Para fins do nosso exercício se consideramos os últimos 20 anos, os quais contemplam diversos ciclos econômicos, ao combinar a carteira média da Abrapp com percentuais de até 10% da carteira offshore, temos reduções de volatilidade da cerca de 15% usando a carteira sem hedge cambial e de até 8% usando a carteira com hedge cambial. A redução de volatilidade é consistentemente observada em janelas móveis de um ano ao longo desse histórico. Trata-se de uma redução considerável do risco total. Em termos de resultado, temos também aumentos consideráveis da ordem de até 50% no índice de Sharpe usando a carteira sem hedge e até 10% usando a carteira com hedge. Assim, nosso exercício ilustra bem como endereçar a preocupação inicial de conseguir respeitar as metas atuariais e ao mesmo tempo minimizar o desconforto dos participantes dadas as oscilações do mercado alocando uma pequena parte da carteira em ativos offshore selecionados de forma maximizar a diversificação.

Claramente, a construção da carteira offshore ainda pode incluir alguns passos adicionais. Ela pode contemplar também a inclusão de visões táticas de ativos globais com base em expectativas futuras e a inserção de possíveis controles adicionais de risco. Aqui, a ideia foi discutir a importância de estruturar um processo sistematizado para obter resultados consistentes no longo prazo. Os conceitos por trás das soluções sempre devem ser simples e o maior desafio está na implementação prática. O importante também é lembrar que os casos são sempre cheios de particularidades e a atenção aos detalhes faz toda a diferença. Na prática, tudo isso requer uma equipe de investimentos global muito especializada e com uma visão clara das necessidades específicas da carteira em questão. A mensagem que fica é: diversificar sempre é bom, mas diversificar corretamente é ainda melhor.

 

*Hellinton Hatsuo Takada, Ph.D., Executive Portfolio Manager, Quantitative Investment Solutions, Santander Asset Management

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