Na última semana tivemos a oportunidade de falar no 19º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – ENAPC acerca de decisões judiciais que geram estabilidade ou instabilidade no contrato previdenciário. Na ocasião, coube a mim falar sobre as decisões envolvendo reflexos de ilícitos trabalhistas no contrato de previdência complementar.
Trata-se de litígios iniciados a partir da falta de pagamento, pelo empregador ou ex-empregador, de determinada verba remuneratória, em que têm havido um conflito de competências, pois o trabalhador, ao ajuizar a ação trabalhista, não raro também pede os reflexos perante a entidade fechada de previdência complementar – EFPC.
Até 2013, a questão era tratada, quase que exclusivamente, no âmbito da Justiça do Trabalho. Porém, naquele ano o Supremo Tribunal Federal – STF firmou Tese no Tema 190 de Repercussão Geral, afirmando que:
“Compete à Justiça comum o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência com o propósito de obter complementação de aposentadoria, mantendo-se na Justiça Federal do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, todas as causas dessa espécie em que houver sido proferida sentença de mérito até 20/2/2013”.
Fixada a competência da Justiça Comum, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, em 2018, no julgamento do Tema Repetitivo 955, firmou entendimento segundo o qual, como regra (houve modulação dos efeitos da decisão), a reparação de eventual prejuízo sofrido pelo ex-empregado decorrente de ilícito trabalhista seria feita diretamente pela ex-empregadora, no âmbito da Justiça do Trabalho.
A premissa da qual o STJ partiu era de que a majoração do benefício era inviável, devido à necessidade do prévio custeio do benefício, que não ocorrera. Apenas admitiu a majoração em demandas já ajuizadas até 08/08/2018, condicionando a elevação do benefício à previsão regulamentar e à “recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso”.
Essas decisões não resolveram definitivamente o conflito de competências entre a Justiça Comum e a Justiça do Trabalho. Isso porque demandas continuaram a ser ajuizadas na esfera trabalhista, com pedido para que a empresa patrocinadora pagasse à EFPC as contribuições que deixou de verter em razão do ilícito trabalhista. Ou seja, em vez de o reclamante pedir uma indenização por não ter tido um benefício maior (o que seria o correto, de acordo com a decisão do STJ), pedia que as contribuições que o empregador deixou de verter fossem pagas à EFPC.
Suscitado conflito de competência e a partir de alegação de desrespeito à decisão do STF (Tema 190), a questão voltou a ser examinada pela Suprema Corte, que, nesses casos, avaliou que:
“cuida de hipótese diversa daquela tratada no Tema 190 da Repercussão Geral. É que aqui a reclamante formula pedido de condenação da empresa empregadora ao recolhimento das respectivas contribuições à entidade de previdência privada como consectário da incidência sobre as verbas trabalhistas pleiteadas na presente ação, e não complementação de aposentadoria”.
E, assim, o STF fixou a seguinte tese no tema 1.166 de Repercussão Geral:
“Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada”
Ocorre que, em planos estruturados na modalidade de benefício definido (como era o caso do recurso paradigma e como são a maior parte das ações dessa natureza), o mero recolhimento das contribuições para a entidade fechada de previdência complementar não aproveitará o participante se não houver um recálculo do benefício.
Isso porque, em planos BD, os participantes não possuem contas individuais em seu nome, onde poderão ser alocadas essas contribuições recolhidas à EFPC. Portanto, se a determinação judicial for, apenas, para recolher as contribuições, isso em nada beneficiará o participante.
Conclui-se, assim, que a premissa da qual o STF partiu para fazer o distinguishing e, com isso, firmar a tese no Tema 1.166 parece-nos equivocada, pois, no ambiente de um Plano BD, de nada servirá a Justiça do Trabalho condenar a empresa empregadora ao recolhimento das respectivas contribuições “em favor” do ex-empregado, se não houver o recálculo do seu benefício (matéria essa que, nos termos do Tema 190, é de competência da Justiça Comum). E sendo necessário o recálculo do benefício, não pode ser a Justiça Trabalhista a competente para julgar esse pedido, tal como já decidiu a própria Suprema Corte.
*João Marcelo Carvalho, sócio do escritório Santos Bevilaqua Advogados.