Artigo: O financiamento de litígios como ferramenta às EFPCs – Por João Mendes de Oliveira Castro e Ana Carolina Musa*

A Entidade Fechada de Previdência Complementar (“EFPC”) possui deveres e responsabilidades cuidadosamente regulados, demandando dos seus gestores uma atuação pautada pela lealdade e diligência. Tais deveres estão expressos, entre outros regramentos, na Resolução CMN nº 4.994/2022, a qual prevê que a aplicação dos recursos administrados pela EFPC deve “observar os princípios de segurança, rentabilidade, solvência, liquidez, adequação à natureza de suas obrigações e transparência”**.  

Atender a todos esses balizadores pode, muitas vezes, ser um desafio. É bastante comum que EFPCs detenham investimentos em créditos e participações societárias de diversas companhias abertas, devendo monitorar as atividades sociais desenvolvidas pelas suas investidas. Não raro, o papel de investidor demanda uma vigilância ativa, especialmente quando a administração da investida se envolve em atos de conflito de interesse, falta de diligência, desvio de poder, quebra do dever de lealdade, entre outros. 

Nesses casos, para ser diligente em seu papel fiduciário, o gestor da EFPC terá que realizar todas as funções inerentes a uma disputa empresarial, contratando advogados, debatendo teses jurídicas, negociando contratos de honorários, revisando os documentos redigidos, entre outras iniciativas que fogem ao curso normal da gestão de uma EFPC.

Essas atividades consomem energia, tempo e recursos caros às entidades de previdência, que poderiam (e talvez deveriam) estar sendo alocados em outras oportunidades mais rentáveis e menos arriscadas. 

Atentos a essa realidade, gestores de ativos mundo afora têm atuado com terceiros financiadores de litígios (em inglês, “third party litigation funders”), os quais, se entenderem que determinada demanda tem mérito, aceitarão assumir os custos do litígio em troca de uma participação no eventual benefício econômico da disputa. Tais operações, em geral, são feitas na modalidade non recourse, o que significa que o financiamento só terá que ser pago se a disputa produzir um êxito econômico. Por isso, os financiamentos não representam uma dívida do financiado. 

Essa contratação permite que o financiado concentre seu tempo, energia e recursos na atividade principal de gestão de ativos, ao invés de canalizar tempo e dinheiro para disputas legais. Maior previsibilidade orçamentária, departamentos jurídicos enxutos, controle de fluxo de caixa, são efeitos que decorrem do financiamento de litígios. 

A experiência estrangeira demonstra que os benefícios do financiamento vão além da questão financeira; o financiador contribui, ainda – e talvez até mais importantemente – com seu know-how e expertise, opinando a respeito da contratação dos melhores profissionais de mercado, oferecendo soluções tecnológicas que permitam a otimização da estratégia jurídica, emprestando seu peso institucional e exercendo o papel de sócio, com o chamado skin in the game, dado que investirá seus próprios recursos na disputa e apenas os receberá de volta em caso de êxito. 

À luz dessas vantagens, não surpreende que, em diversos países, especialmente nos Estados Unidos e Europa, o financiamento de litígios tenha se tornado uma ferramenta indispensável a qualquer gestor de investimentos. É um mercado mundial que cresce a cada ano, representando USD 17,5 bilhões em 2024 e que se estima que chegará a USD 67,2 bilhões em 2037***.

No Brasil, o financiamento de litígios também tem ocupado papel fundamental, principalmente no âmbito de grandes empresas e litígios complexos. Como litigar em grandes casos é caro e pressupõe alta dedicação de tempo, o financiamento de litígios apresenta-se como solução de compartilhamento de tempo e riscos financeiros.

Em razão das suas características, o financiamento de litígios se tornará cada vez mais comum nas EFPC, as quais monitoram diversos investimentos em companhias abertas e precisam de ferramentas eficientes para, cumprindo seus deveres de diligência, promoverem eficazmente a defesa dos seus investimentos. 

 

*João Mendes de Oliveira Castro é Sócio-Fundador da Prisma Capital; Ana Carolina Musa é associada da Prisma Capital.

 

** Art. 4º da Resolução CMN 4.994 de 24.03.2022. 

*** Research Nester. “Litigation Funding Investment Market Trends”, publicado em 22.05.24. Disponível em: https://www.researchnester.com/reports/litigation-funding-investment-market/2800/market-trends – último acesso em 04.10.24.

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