Artigo: O impacto do Zolgensma nos Planos de Saúde – Por Daniel Pereira da Silva e Dalmy Moreira Soares*

No mês de fevereiro, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) decidiu incorporar o medicamento Zolgensma em seu rol procedimentos mínimos obrigatórios, inerentes aos Planos de Saúde. Esse medicamento é catalogado como um dos mais caro do mundo.

O Zolgensma é um medicamento utilizado no tratamento de atrofia muscular espinhal (AME), onde foi avaliado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e observou-se que o medicamento apresenta bons resultados, com impacto positivo na respiração, mastigação, movimentos da língua, deglutição, reflexo de vômito e a articulação da fala de quem tem AME tipo I.

Desta forma, a Conitec, após avaliar as informações adicionais sobre a tecnologia, solicitadas à farmacêutica Novartis, recomendou a incorporação do medicamento para o tratamento de pacientes pediátricos até 6 meses de idade com AME do tipo I, que estejam fora de ventilação invasiva acima de 16 horas por dia, conforme protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde (MS) e Acordo de Compartilhamento de Risco.

Um pouco sobre a Atrofia Muscular Espinhal (AME) – Segundo o Instituto de Atrofia Muscular Espinhal (INAME), a atrofia muscular espinhal é classificada de maneira mais completa em 5 tipos (0, I, II, III e IV), de acordo com a idade em que os sintomas se desenvolvem e a sua gravidade. Nos casos mais graves (tipos 0 e I), problemas motores e respiratórios se desenvolvem já nos primeiros meses de vida.

Os tipos de AME mais comuns de atrofia muscular espinhal são I, II e III. Dentre os indivíduos que nascem com AME, cerca de 60% desenvolvem o tipo I da doença e apresentam perda rápida e irreversível dos neurônios motores.

É importante ressaltar que a classificação em tipos é clínica, conforme os marcos motores que o paciente alcançou e a idade de início dos sintomas. Portanto, não é um resultado de exame genético que irá indicar qual o tipo de AME do paciente.

Tipo Idade de início dos sintomas Capacidade funcional máxima
0 Pré-natal Hipotonia profunda e insuficiência respiratória grave já ao nascimento. Não atinge macros motores.
I 0 a 6 meses Não consegue sentar-se sem apoio
II < 18 meses Permanece sentado de forma independente, porém não consegue andar de forma independente
III > 18 meses Anda de forma independente, porém pode perder esta habilidade com a progressão da doença
IV > 21 anos Anda e não perde essa habilidade, podendo apresentar certa fraqueza muscular

Fonte: Instituto de Atrofia Muscular Espinhal (INAME)

Como o Zolgensma atua na AME? – Segundo a médica neuropediatra Adriana Banzzatto Ortega, o Zolgensma é uma terapia genética que devolve ao paciente o gene faltante, o SMN1, responsável por produzir uma proteína necessária para a sobrevivência de neurônios que atuam na parte motora do corpo. O remédio foi desenvolvido por um laboratório nos Estados Unidos, sendo vendido por uma empresa suíça.

“Para devolver o gene, a gente precisa de um veículo, digamos assim. Usa-se um vírus não patogênico, um adenovírus modificado, tipo 9. A gente pega esse vírus, tira o vírus de dentro da cápsula que o envolve e põe o gene que você quer dar ao paciente”, explicou a médica.

Custo do medicamento – O SUS fechou acordo para adquirir o medicamento por R$ 6,5 milhões. Entretanto, a WEDAN em consulta com seus clientes, que já tiveram demanda no passado, através de liminar judicial para oferecer o medicamento, observou valores que variavam entre R$ 7 e R$ 11 milhões. Segundo especialistas em regulação, ouvidos pela WEDAN, o preço pode variar conforme a dosagem da medicação. Nos dados observados a média foi de R$ 7,89 milhões.

Probabilidade de Ocorrência da AME – Segundo o estudo de Araújo AP, Ramos VG, Cabello PH, Dificuldades diagnósticas na atrofia muscular espinhal, a incidência de nascimento com a doença é de 1 para cada 10.000 nascimentos.

No Brasil, conforme o Portal da Transparência de Registro Civil, em 2022 foram emitidos 2.581.676 registros de nascimento. Considerando a probabilidade de ocorrência de AME espera-se 258 casos por ano.

Considerando a estatística do INAME de que 60% dos casos desenvolvem o tipo I, teríamos aproximadamente 155 casos elegíveis ao medicamento.

Partindo dessa premissa, de que todos os casos se enquadrariam nos demais requisitos para utilizar o medicamento, há uma probabilidade no Brasil de 0,0060%, consoante ao demonstrado no quadro a seguir, por estado:

Estado Nº de Registros de Nascimentos Número de Casos Esperados Elegíveis ao Zolgensma
Acre                    15.814 1
Alagoas                    45.449 3
Amapá                    16.221 1
Amazonas                    74.661 4
Bahia                  171.147 10
Ceará                  114.184 7
Distrito Federal                    48.035 3
Espírito Santo                    52.889 3
Goiás                    78.094 5
Maranhão                    97.519 6
Mato Grosso                    58.324 3
Mato Grosso do Sul                    40.884 2
Minas Gerais                  238.385 14
Paraná                  143.093 9
Paraíba                    52.064 3
Pará                  121.773 7
Pernambuco                  115.121 7
Piauí                    40.321 2
Rio Grande do Norte                    38.464 2
Rio Grande do Sul                  123.136 7
Rio de Janeiro                  184.576 11
Rondônia                    25.092 2
Roraima                    12.019 1
Santa Catarina                    98.380 6
Sergipe                    29.150 2
São Paulo                  524.445 31
Tocantins                    22.436 1
Brasil 2.581.676 155

Operadoras Vulneráveis – Considerando a série estatística, a probabilidade de utilização desse medicamento é muito baixa. Entretanto, em caso de ocorrência, pode levar algumas Operadoras a um grave desequilíbrio financeiro.

Analisamos os dados disponíveis no DIOPS até o terceiro trimestre de 2022, estratificamos aquelas Operadoras que apresentam registros de despesas assistenciais acima de zero, totalizando 707.

Considerando a média mensal das despesas dessas Operadoras e o custo médio do medicamento em nossa pesquisa, verifica-se que:

  • 46,96% das operadoras teriam sua sinistralidade no período, 9 meses, incrementada em mais de 25%;
  • 32,53% das operadoras teriam sua sinistralidade no período, 9 meses, incrementada em mais de 50%;
  • 22,77% das operadoras teriam sua sinistralidade no período incrementada, 9 meses, em mais de 100%; e
  • 32,67% das operadoras teriam com o medicamento um sinistro maior que toda sua despesa assistencial média mensal.

Outro aspecto importante, para reflexão dos nossos colegas Atuários, são as prováveis alterações na modelagem precificação de produtos.

  • Carteiras com uma população em idade fértil merecem maior atenção?
  • A união de operadoras, em especial de pequeno e médio porte, na criação de fundos compartilhados para grandes riscos é viável?
  • Resseguradoras possuem produtos para essas coberturas (e valores) que viabilizem sua contratação pelas operadoras?

Estes são alguns questionamentos e insights que deverão ser objeto de discursão em nosso meio técnico, de forma a encontrar o financiamento adequado a esse importante medicamento, na busca pela qualidade de vida dos beneficiários de nosso sistema de saúde.

 

* Daniel Pereira da Silva é Atuário e Sócio-Diretor e Fundador WEDAN e WTI

*Dalmy Moreira Soares é Atuário e Sócio Consultor da WEDAN

 

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