No mês de fevereiro, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) decidiu incorporar o medicamento Zolgensma em seu rol procedimentos mínimos obrigatórios, inerentes aos Planos de Saúde. Esse medicamento é catalogado como um dos mais caro do mundo.
O Zolgensma é um medicamento utilizado no tratamento de atrofia muscular espinhal (AME), onde foi avaliado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e observou-se que o medicamento apresenta bons resultados, com impacto positivo na respiração, mastigação, movimentos da língua, deglutição, reflexo de vômito e a articulação da fala de quem tem AME tipo I.
Desta forma, a Conitec, após avaliar as informações adicionais sobre a tecnologia, solicitadas à farmacêutica Novartis, recomendou a incorporação do medicamento para o tratamento de pacientes pediátricos até 6 meses de idade com AME do tipo I, que estejam fora de ventilação invasiva acima de 16 horas por dia, conforme protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde (MS) e Acordo de Compartilhamento de Risco.
Um pouco sobre a Atrofia Muscular Espinhal (AME) – Segundo o Instituto de Atrofia Muscular Espinhal (INAME), a atrofia muscular espinhal é classificada de maneira mais completa em 5 tipos (0, I, II, III e IV), de acordo com a idade em que os sintomas se desenvolvem e a sua gravidade. Nos casos mais graves (tipos 0 e I), problemas motores e respiratórios se desenvolvem já nos primeiros meses de vida.
Os tipos de AME mais comuns de atrofia muscular espinhal são I, II e III. Dentre os indivíduos que nascem com AME, cerca de 60% desenvolvem o tipo I da doença e apresentam perda rápida e irreversível dos neurônios motores.
É importante ressaltar que a classificação em tipos é clínica, conforme os marcos motores que o paciente alcançou e a idade de início dos sintomas. Portanto, não é um resultado de exame genético que irá indicar qual o tipo de AME do paciente.
Tipo | Idade de início dos sintomas | Capacidade funcional máxima |
0 | Pré-natal | Hipotonia profunda e insuficiência respiratória grave já ao nascimento. Não atinge macros motores. |
I | 0 a 6 meses | Não consegue sentar-se sem apoio |
II | < 18 meses | Permanece sentado de forma independente, porém não consegue andar de forma independente |
III | > 18 meses | Anda de forma independente, porém pode perder esta habilidade com a progressão da doença |
IV | > 21 anos | Anda e não perde essa habilidade, podendo apresentar certa fraqueza muscular |
Fonte: Instituto de Atrofia Muscular Espinhal (INAME)
Como o Zolgensma atua na AME? – Segundo a médica neuropediatra Adriana Banzzatto Ortega, o Zolgensma é uma terapia genética que devolve ao paciente o gene faltante, o SMN1, responsável por produzir uma proteína necessária para a sobrevivência de neurônios que atuam na parte motora do corpo. O remédio foi desenvolvido por um laboratório nos Estados Unidos, sendo vendido por uma empresa suíça.
“Para devolver o gene, a gente precisa de um veículo, digamos assim. Usa-se um vírus não patogênico, um adenovírus modificado, tipo 9. A gente pega esse vírus, tira o vírus de dentro da cápsula que o envolve e põe o gene que você quer dar ao paciente”, explicou a médica.
Custo do medicamento – O SUS fechou acordo para adquirir o medicamento por R$ 6,5 milhões. Entretanto, a WEDAN em consulta com seus clientes, que já tiveram demanda no passado, através de liminar judicial para oferecer o medicamento, observou valores que variavam entre R$ 7 e R$ 11 milhões. Segundo especialistas em regulação, ouvidos pela WEDAN, o preço pode variar conforme a dosagem da medicação. Nos dados observados a média foi de R$ 7,89 milhões.
Probabilidade de Ocorrência da AME – Segundo o estudo de Araújo AP, Ramos VG, Cabello PH, Dificuldades diagnósticas na atrofia muscular espinhal, a incidência de nascimento com a doença é de 1 para cada 10.000 nascimentos.
No Brasil, conforme o Portal da Transparência de Registro Civil, em 2022 foram emitidos 2.581.676 registros de nascimento. Considerando a probabilidade de ocorrência de AME espera-se 258 casos por ano.
Considerando a estatística do INAME de que 60% dos casos desenvolvem o tipo I, teríamos aproximadamente 155 casos elegíveis ao medicamento.
Partindo dessa premissa, de que todos os casos se enquadrariam nos demais requisitos para utilizar o medicamento, há uma probabilidade no Brasil de 0,0060%, consoante ao demonstrado no quadro a seguir, por estado:
Estado | Nº de Registros de Nascimentos | Número de Casos Esperados Elegíveis ao Zolgensma |
Acre | 15.814 | 1 |
Alagoas | 45.449 | 3 |
Amapá | 16.221 | 1 |
Amazonas | 74.661 | 4 |
Bahia | 171.147 | 10 |
Ceará | 114.184 | 7 |
Distrito Federal | 48.035 | 3 |
Espírito Santo | 52.889 | 3 |
Goiás | 78.094 | 5 |
Maranhão | 97.519 | 6 |
Mato Grosso | 58.324 | 3 |
Mato Grosso do Sul | 40.884 | 2 |
Minas Gerais | 238.385 | 14 |
Paraná | 143.093 | 9 |
Paraíba | 52.064 | 3 |
Pará | 121.773 | 7 |
Pernambuco | 115.121 | 7 |
Piauí | 40.321 | 2 |
Rio Grande do Norte | 38.464 | 2 |
Rio Grande do Sul | 123.136 | 7 |
Rio de Janeiro | 184.576 | 11 |
Rondônia | 25.092 | 2 |
Roraima | 12.019 | 1 |
Santa Catarina | 98.380 | 6 |
Sergipe | 29.150 | 2 |
São Paulo | 524.445 | 31 |
Tocantins | 22.436 | 1 |
Brasil | 2.581.676 | 155 |
Operadoras Vulneráveis – Considerando a série estatística, a probabilidade de utilização desse medicamento é muito baixa. Entretanto, em caso de ocorrência, pode levar algumas Operadoras a um grave desequilíbrio financeiro.
Analisamos os dados disponíveis no DIOPS até o terceiro trimestre de 2022, estratificamos aquelas Operadoras que apresentam registros de despesas assistenciais acima de zero, totalizando 707.
Considerando a média mensal das despesas dessas Operadoras e o custo médio do medicamento em nossa pesquisa, verifica-se que:
- 46,96% das operadoras teriam sua sinistralidade no período, 9 meses, incrementada em mais de 25%;
- 32,53% das operadoras teriam sua sinistralidade no período, 9 meses, incrementada em mais de 50%;
- 22,77% das operadoras teriam sua sinistralidade no período incrementada, 9 meses, em mais de 100%; e
- 32,67% das operadoras teriam com o medicamento um sinistro maior que toda sua despesa assistencial média mensal.
Outro aspecto importante, para reflexão dos nossos colegas Atuários, são as prováveis alterações na modelagem precificação de produtos.
- Carteiras com uma população em idade fértil merecem maior atenção?
- A união de operadoras, em especial de pequeno e médio porte, na criação de fundos compartilhados para grandes riscos é viável?
- Resseguradoras possuem produtos para essas coberturas (e valores) que viabilizem sua contratação pelas operadoras?
Estes são alguns questionamentos e insights que deverão ser objeto de discursão em nosso meio técnico, de forma a encontrar o financiamento adequado a esse importante medicamento, na busca pela qualidade de vida dos beneficiários de nosso sistema de saúde.
* Daniel Pereira da Silva é Atuário e Sócio-Diretor e Fundador WEDAN e WTI
*Dalmy Moreira Soares é Atuário e Sócio Consultor da WEDAN