Artigo: Os desafios para a economia global no próximo ano – por Eduardo Jarra*

A conjuntura internacional deverá prosseguir desafiadora pelos próximos trimestres, marcada por crescimento baixo e juros mais altos. A inflação global continua pressionada e provoca resposta incisiva por parte dos bancos centrais, enquanto a tensão geopolítica e a dinâmica da Covid-19 na China adicionam cautela nas expectativas de crescimento econômico. Para países emergentes, Brasil incluso, trata-se de um ambiente complexo, possivelmente envolvendo aversão a risco mais elevada e liquidez reduzida.

A inflação global segue mostrando taxas de variação mais elevadas, com diferentes fatores influenciando os preços ao longo do tempo. A pandemia e mais recentemente a Guerra na Ucrânia afetaram negativamente a organização das cadeias produtivas, até hoje não totalmente normalizadas. Já o efeito das políticas econômicas fortemente expansionistas adotadas durante a pandemia ao redor do mundo se propaga até hoje, a despeito da rápida retirada de estímulos nos últimos trimestres, o que se traduz, por exemplo, na robustez do mercado de trabalho americano, com seus consequentes efeitos inflacionistas.

Por trás dessa inflação global mais elevada também aparecem forças estruturais de longo prazo. Por exemplo, a inserção chinesa na economia mundial e a globalização tiveram efeito muito benigno sobre a inflação nas últimas décadas. Porém para os próximos anos espera-se que tais efeitos sejam diminutos ou talvez até mesmo revertidos.

Esse é o contexto no qual os principais bancos centrais (Fed nos EUA e ECB na Zona do Euro) se encontram. A inflação ao consumidor acumula alta de 8,2% e 9,9% nos últimos doze meses encerrados em setembro nos EUA e na Zona do Euro, respectivamente, com pressões disseminadas, conforme atestam as medidas de núcleo. Essa dinâmica exige cuidados extras quando consideramos as pressões derivadas do mercado de trabalho aquecido e o risco de desancoragem das expectativas de inflação de prazo mais longo.

A resposta do Fed e do ECB vem sendo firme em termos tanto de aperto dos juros quanto de sinalização em sua comunicação, levando a uma sequência de revisões altistas nas expectativas para o atual ciclo monetário; atualmente o mercado antecipa juros em torno de 5,0% nos EUA e de 3,0% na Zona do Euro, níveis acima das taxas consideradas neutras. Espera-se que as estratégias do Fed e do ECB sejam suficientes para manter ancoradas as expectativas de inflação ao redor das respectivas metas, provocando um impulso suficientemente contracionista sobre a atividade a ponto de gerar o necessário desaquecimento do mercado de trabalho para reduzir as pressões inflacionárias.

As projeções para o crescimento econômico reagiram à postura dos bancos centrais; nos EUA, por exemplo, a expansão prevista para o PIB em 2023 veio sendo reduzida até chegar nos atuais 0,4%, sendo que parte relevante dos analistas espera recessão na economia americana à frente.

No caso da Zona do Euro, o tensionamento geopolítico com a guerra na Ucrânia também contribuiu para a deterioração das expectativas. As incertezas resultantes do conflito impactam a confiança dos agentes econômicos mais fortemente na região do que no restante do mundo, o que é explicado, em parte, pela matriz energética da região ser mais dependente do gás fornecido pela Rússia – a crise atual levou a uma forte redução do fornecimento de gás russo e a um expressivo aumento do preço do insumo, afetando de forma importante inflação e atividade na região.

Assim, a revisão de projeções de crescimento para a Zona do Euro foi relevante, levando o PIB de 2023 para um ponto levemente abaixo de 0%. A visão consensual entre os analistas é de que a região entrará em recessão, com a dúvida ficando na intensidade desse movimento.

Para a China, espera-se crescimento abaixo do potencial nos próximos trimestres, com o consenso para o PIB de 2023 ao redor de 4,8%. Ainda que a economia chinesa sofra com o menor crescimento do restante do mundo, devido ao impacto em suas exportações, os principais desafios são locais.

A recuperação econômica prossegue após a contração registrada no segundo trimestre em função do aumento de casos do Covid-19, que levaram a lockdowns em cidades importantes. No entanto, trata-se de uma retomada aquém do potencial, uma vez que o cenário para Covid-19 na China ainda inspira cautela, com novos casos levando a respostas de contenção por parte do governo. Já o setor imobiliário chinês segue numa fase desfavorável, com a China não podendo contar com aquele que foi um dos seus motores na fase de forte crescimento. Diante disso, as medidas de suporte fornecidas pelo governo, focadas especialmente no setor de infraestrutura, acabam tendo efeitos limitados sobre a economia como um todo.

Em suma, os próximos trimestres deverão ser marcados por um ambiente ainda desafiador. Inflação global pressionada e consequente política monetária mais restritiva, crise geopolítica com seus efeitos negativos e a dinâmica de Covid-19 na China são obstáculos para o crescimento global, que não deverá contar com um motor forte em nenhuma das três principais economias. Com isso, as projeções de crescimento global foram reduzidas de forma importante, estando hoje por volta de 2,3% para 2023, sendo que há risco de novos ajustes baixistas.

Esse cenário global sugere uma fase complexa para os países emergentes, já afetados negativamente por suas próprias trajetórias de inflação elevada e aumento dos juros. Eles se defrontarão com um ambiente de menor impulso para suas exportações e de mercado financeiro com liquidez mais reduzida e aversão a risco mais elevada, implicando também em um provável aumento de seletividade por parte dos investidores estrangeiros.

Para exportadores de commodities, como a América Latina, é possível que o cenário traga preços de commodities mais acomodados, dada uma menor demanda mundial, ainda que as condições mais estruturais de oferta prossigam, por sua vez, sugerindo preços ainda historicamente elevados.

Trata-se de um ponto de partida difícil para a economia brasileira, o que reforça a importância de se perseverar no caminho de uma política econômica buscando o retorno da inflação para o centro da meta e na formulação de uma agenda estruturante que lide com o elevado endividamento público e o baixo crescimento econômico.

*Eduardo Jarra, Head de Macro e Estratégia da Santander Asset Management

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