Artigo: Portfólios para tempos de guerra e paz – Por Vitor Tartari* da Fator Administração de Recursos

Não é novidade que o processo de alocação de capital em 2022, que já prometia ser complicado do ponto de vista econômico, piorou com a crise geopolítica que se instalou na Ucrânia. Falar que esse agravamento no cenário gerou uma redução de risco nos portfólios é descrever o óbvio. Em outras palavras, a variável “incerteza” ganhou muito peso nos portfólios. Diante disso, fica uma dúvida honesta: será que a avaliação da incerteza estava errada antes, muito baixa? Será que o peso da incerteza está errado agora, em excesso?

Apesar de parecer questões acadêmicas e filosóficas, a aplicação é prática: alocar o capital estrategicamente de modo a atingir seus objetivos de longo prazo, sem deixar a incerteza de curto prazo dilapidar o seu retorno significativamente.

Com a guerra entre a Rússia e Ucrânia ultrapassando um mês fica fácil traduzir isso no mundo real: Qual o risco de estar “desalocado”, caso o impasse entre os dois países se resolva rapidamente nos próximos dias? Vai te “custar” caro se esse cenário acontecer? O oposto também é verdadeiro: qual o risco de estar sobre alocado, na hipótese da situação se deteriorar?

No final, não é novidade para ninguém que tendemos a exagerar para os dois lados, tanto em cenários positivos, subestimando a incerteza, quanto em cenários negativos, superestimando-a. Para não deixar de responder a minha própria pergunta, de forma geral, o mercado subestima a incerteza. Os participantes do mercado, muitas vezes, traçam um cenário que se encaixa com seu portfólio – o já conhecido “overconfidence”.

Construir portfólios que performem bem nas situações normais e nas situações extremas como as de hoje, continua sendo uma busca constante por parte dos alocadores de capital. Apesar de não existir solução perfeita – todas tem seus pontos fortes e fracos – otimizar o portfólio para risco de cauda, e não para risco total, tende a gerar mais equilíbrio ao longo dos ciclos. Em outras palavras, é melhor otimizar usando um  índice como o de Sortino, que um índice de Sharpe ou outro índice correlato.

A explicação é até intuitiva: quando você otimiza para Sortino, a volatilidade trabalha a seu favor em momentos positivos do ciclo, porém não cobra caro do portfólio em momentos desfavoráveis. O Índice de Sortino minimiza o impacto da incerteza em momentos de aversão a risco.

Em contraste, o Índice de Sharpe, maximiza retorno para o risco total (volatilidade), não apenas para os momentos positivos. Além disso, o Índice de Sharpe é um maximizador de erro. Se a sua estimativa de retorno para os ativos estiver errada, a otimização estará errada.

Mas não estou aqui para falar mal do Índice de Sharpe, e sim para propor uma forma de otimização de carteira que sirva, tanto para momentos positivos, quanto para momentos negativos, o Sortino. E para que essa forma de construção e otimização de portfólio faça sentido, existem algumas premissas que devemos concordar com sua veracidade.

A primeira delas é que os mercados são altamente imprevisíveis. Como mencionado acima, os investidores – pelo menos os que eu conheço – acreditam que conseguem mapear os possíveis riscos e se antecipar a eles. Isso é um erro.

A segunda é a ilusão do controle. Por conta da primeira premissa, os gestores de portfólio – mesmo sem a intenção – tendem a encaixar uma história no seu portfólio e na sua visão de mundo. Deveria ser o contrário, visto que ajustar o portfólio para o cenário faz mais sentido.

A terceira, e já mencionada, a subestimação da incerteza. Não importa o grau de convicção, é bem possível que você esteja míope e subestimando o risco.

A quarta premissa que devemos concordar para que esse tipo de otimização faça sentido, é que os mercados são sim ineficientes e te remuneram com retorno maior ou menor, de acordo com o risco tomado.

A quinta estabelece que ficar desalocado, fora do risco, pode custar caro. Vira e mexe essa ideia aparece para nós em forma de gráfico do S&P500: ficar de fora dos 10 melhores pregões da última década é muito pior em termos de retorno, do que ficar de fora dos 10 piores pregões da última década. Ou seja, ficar desalocado custa caro.

A última, e mais conhecida delas: “diversificação é o único almoço grátis”. Apesar de existir um debate sobre essa famosa frase de Harry Markowitz, vamos assumir que ela é verdadeira. Lembrando que aqui, diversificar não quer dizer pulverizar.

Se concordarmos com esses princípios, então necessariamente incorreremos em portfólio de máxima diversificação, otimizado para a parte negativa da variância, Sortino. Mesmo assim, essa forma de aprimoramento está longe de ser perfeita. Esse modelo implica na aceitação de um limite para drawdown por um período. Nem todos os investidores têm estomago para aguentar um drawndown de 10%, por exemplo. Além disso, não espere ter a carteira do ano.

Pelo fato de o modelo não focar em estimativas de retorno e sim de risco você está assumindo indiretamente que os retornos serão uma função do mercado. Portanto, a direção do mercado tem maior importância aqui.

Em resumo, ao buscarmos um portfólio que se comporte adequadamente em momentos extremos, sem comprometer a alocação em momentos mais propensos para o risco, o mesmo será equilibrado, confiável, e adequado tanto para os tempos de guerra, quanto para os tempos de paz – se é que ele existe.

*Vitor Tartari, CGA, CFP® é Gestor de Fundos de Fundos da Fator Administração de Recursos

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