Quando se trata da atual agenda das entidades fechadas de previdência complementar, um dos temas centrais se refere à necessidade de atualização do Decreto 4942, de 30 de dezembro de 2003.
Este Decreto regulamenta o processo administrativo para apuração de responsabilidade por infração à legislação no âmbito do regime da previdência complementar, operado pelas entidades fechadas de previdência complementar.
Não há dúvidas de que o Decreto 4942/2003 desempenhou, desde a sua edição, um papel fundamental ao estabelecer as bases para a aplicação do regime sancionador no âmbito da Previdência Complementar Fechada.
No entanto, com as mudanças e aprimoramentos regulatórios ocorridos ao longo desses anos, é unânime o entendimento de que sua revisão se faz necessária para assegurar maior objetividade, efetividade e segurança jurídica.
Um decreto técnico e atualizado dará mais previsibilidade para os dirigentes e mais autoridade para o aparato estatal de fiscalização.
A revisão do Decreto 4942/2003 deve levar em consideração a doutrina penal moderna, os princípios constitucionais, a Lei do Processo Administrativo, além de toda a experiência acumulada pelo próprio setor de previdência complementar ao longo desses vinte anos.
Dentre as principais alterações que vislumbramos como necessárias, destacamos as seguintes:
- Fortalecimento do devido processo legal e ampla defesa – tendo em vista as grandes repercussões decorrentes da condenação administrativa para a vida do apenado e para todo o setor de previdência complementar, é preciso assegurar a rigorosa observância do devido processo legal e da ampla defesa, protegendo-se a presunção do ato regular de gestão. É uma garantia que decorre do artigo 5º da Constituição Federal, ponto de partida para qualquer discussão sobre o tema.
- Aperfeiçoamento da produção de provas – a nova norma pode aprimorar o disciplinamento da produção de provas no âmbito do processo administrativo sancionador, com especial destaque para a possibilidade de adoção de prova pericial.
- Aprimoramento da tipificação de condutas – a experiência nesses vinte anos de vigência do Decreto permite que algumas condutas mais recorrentes sejam melhor tipificadas, afastando tipos penais demasiadamente abertos, o que trará maior segurança jurídica.
- Necessidade de individualização das condutas dos agentes – a condenação de cada um dos envolvidos na infração deve ser fundada na análise individualizada de sua conduta, observando-se a exata medida de sua participação no cometimento da infração.
- Adoção de efetiva dosimetria das penalidades aplicadas – as penas aplicadas devem levar em consideração o fato de que dentro da estrutura de governança das entidades e de seus órgãos colegiados o poder decisório e, por consequência, a responsabilidade dos envolvidos, são variados, o que deve ser observado quando da aplicação da penalidade. A adoção de critérios objetivos e impessoais é necessária para definição desta dosimetria.
- Adequação da norma quanto à possibilidade de celebração de Termos de Ajustamento de Conduta – O TCA foi inicialmente previsto pela Instrução PREVIC nº 3, de 29 de junho de 2010, de modo que não foi contemplado pelo Decreto 4942/2003. Sobre esse tema, vale destacar que a Resolução PREVIC nº 23, de 14 de agosto de 2023, em seu art. 255, já passou a prever que “o interessado pode manifestar sua intenção de celebrar o Termo de Ajustamento de Conduta até a decisão de primeira instância do julgamento do auto de infração”, regra essa que merece ser contemplada na norma que vier a substituir o citado Decreto.
- Diferenciação, no âmbito dos investimentos, entre o que decorre do risco do negócio e o que decorre de gestão temerária – deve-se observar a presunção, universalmente aceita, de que nem todo investimento vai performar conforme o pretendido, razão pela qual o Conselho Monetário Nacional exige a diversificação nas aplicações feitas pelas EFPC. Esse fato, decorrente do risco do negócio, não pode, por si só, ser confundido com gestão temerária passível de apenamento.
- Aprimoramento do entendimento quanto à aplicação do parágrafo segundo do art. 22 do Decreto – o texto a ser adotado pode contemplar, com mais precisão, as hipóteses em que eventual irregularidade pode ser sanada, afastando-se, assim, a culpabilidade. A norma também deve deixar claro que o prejuízo a ser considerado para fins de atrair a responsabilização administrativa deve ser o prejuízo efetivo, real, não se podendo admitir um prejuízo “em abstrato”.
- Esclarecimento acerca das hipóteses de interrupção da prescrição – o disposto no inciso II do atual art. 33 do Decreto, ao prever a interrupção da prescrição “por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato” precisa deixar claro o que deve ser entendido como ato inequívoco de apuração, evitando que qualquer ato praticado pela fiscalização seja assim entendido.
- Observância do “duplo grau de jurisdição” – possibilitar que a instância recursal das decisões proferidas nos processos administrativos sancionadores funcione como tal, verificando se, na formatação atualmente proposta, os membros que integram a Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC) são efetivamente equidistantes das partes envolvidas (fiscalização e autuados) e se sua composição e rito de funcionamento asseguram sua independência, e fazendo eventuais ajustes necessários.
- Modernização do processo administrativo sancionador – possibilidade de adoção de meios eletrônicos para fins de intimações e comunicações, bem como a adoção de sistemas eletrônicos para a tramitação dos processos.
Uma revisão cuidadosa e abrangente dessa norma se faz importante para afastar eventuais fragilidades no arcabouço legal sancionador, o que vai assegurar maior segurança jurídica para todos que operam no segmento da Previdência Complementar Fechada. A clareza normativa é vital para a efetividade tanto dos controles internos das próprias entidades como dos controles externos, essencialmente sob a responsabilidade do Estado.
Uma nova norma disciplinadora do regime sancionador que venha para orientar as práticas dos gestores de fundos de pensão certamente irá fortalecer a confiança dos participantes e assistidos nesse sistema tão importante para o país.
*Ana Carolina Ribeiro de Oliveira Mendes é advogada atuante em Previdência Privada e Sócia-Fundadora do Escritório Ana Carolina Oliveira Advocacia