Artigo: Previdência Privada como veículo para financiamento da saúde dos participantes na aposentadoria – por Luciana Dalcanale*

Nos últimos meses, houve mudanças significativas no cenário da previdência privada no Brasil. A flexibilidade proporcionada pelas mudanças na legislação, permitindo a escolha do regime tributário a ser aplicado nos benefícios somente na data da aposentadoria, representa um avanço importante, proporcionando aos contribuintes uma maior clareza ao decidir a opção mais eficiente. Essa mudança ajuda a otimizar os recursos financeiros, uma vez que o panorama de receitas e despesas estão definidos na data da aposentadoria.

Do ponto de vista das Entidades, o processo de oferta da previdência, especialmente no modelo Instituído, que não conta com o estímulo da contrapartida do patrocinador, torna-se mais simples. A partir dessa mudança, o foco pode ser direcionado para o estímulo ao processo de acumulação e a importância da previdência complementar, não sendo essencial nesse momento a compreensão do participante para as diferenças entre os regimes, nem tampouco o exercício de estimativa de gastos e receitas futuros a fim de fazer uso de simuladores complexos.

Outra conquista relevante foi a introdução da adesão automática, trazendo como principal vantagem o aumento potencial na adesão do trabalhador ao sistema da previdência complementar, aumentando, por consequência, os investimentos e crescimento do setor.

Na esteira dessas conquistas, podemos avançar aprimorando o produto de previdência privada associando o benefício mais valorizado pelos trabalhadores na fase laborativa, a saúde privada.

Os benefícios de previdência e saúde oferecidos pelas empresas desempenham um papel fundamental como instrumentos de atração e retenção de talentos. Ao proporcionar planos robustos de previdência, as empresas não apenas incentivam a estabilidade financeira dos funcionários a longo prazo, mas também demonstram um compromisso com o bem-estar futuro de sua equipe. Da mesma forma, oferecer planos de saúde abrangentes contribui para a saúde e satisfação dos colaboradores, impactando diretamente na produtividade e no ambiente de trabalho.

Durante suas carreiras, os profissionais estão familiarizados com o sistema privado de saúde e reconhecem a importância de manter o acesso na aposentadoria. Garantir um plano médico nesse período é crucial para assegurar os cuidados de saúde adequados para preservação da qualidade de vida. Apesar dessa consciência, uma parcela reduzida tem o privilégio de contar com uma assistência à saúde privada na aposentadoria e, para aqueles com acesso, há um comprometimento importante de seus rendimentos para financiamento desse benefício.

Questões econômicas e sociais explicam parte da dificuldade de acesso ao benefício de saúde na aposentadoria no Brasil, contudo, a falta de um produto que acumule recursos com o objetivo de financiar (parte ou todo) dos custos com a saúde na aposentadoria também é um fator importante. Um participante do sistema de previdência complementar pode utilizar seu benefício para adquirir um plano de saúde ou mesmo para arcar com as despesas decorrentes dessas necessidades, contudo a questão tributária reduz a eficiência dessa transferência, já que os benefícios são tributados antes de serem direcionados para o pagamento de despesas com saúde.

A disponibilidade de um produto com componente destinado ao financiamento de planos de saúde permitiria que indivíduos acumulassem recursos ao longo de suas carreiras ativas para custear despesas médicas na aposentadoria.

A experiência de outros países pode ser usada como inspiração para a transformação necessária no sistema brasileiro. Analisando experiências bem-sucedidas em outros países, como os planos de acumulação de previdência para pagamento de saúde, notamos que a implementação dessa prática contribuiu significativamente para a segurança financeira na aposentadoria. Países como EUA, Singapura e Austrália têm produtos desenhados com esse objetivo de conciliar tais necessidades no momento pós-carreira.

Na Austrália, no sistema de superannuation os australianos contribuem para seus fundos de previdência ao longo de suas carreiras, e uma parte desses fundos pode ser direcionada para cobrir despesas médicas diversas, incluindo consultas médicas, tratamentos odontológicos e aquisição de medicamentos.

Nos Estados Unidos, os planos de previdência para despesas com saúde na aposentadoria envolvem contas específicas, como as contas de poupança para saúde (Health Savings Accounts – HSAs), que permitem retiradas para despesas médicas sem penalidades após a idade de 65 anos. Um HSA permite que você guarde e retire dinheiro sem impostos, desde que o use para determinadas despesas médicas. Neste produto, as contribuições são dedutíveis do imposto de renda, os rendimentos acumulados na HSA são isentos de impostos e as retiradas para despesas médicas qualificadas também são isentas de impostos. Para recebimento antes dos 65 anos, tanto para despesas não médicas quanto para despesas médicas que não se qualificam, é devido o imposto de renda federal e uma multa de 20%. Nas retiradas dos fundos HSA depois dos 65 anos para despesas não médicas, não há aplicação da multa de 20%, contudo será devido o imposto de renda federal. A HSA pode ser portada para outro fundo em caso de mudança de emprego.

O sistema previdenciário de Singapura (CPF – Central Provident Fund) adotou um modelo inovador baseado em torno de três pilares principais: aposentadoria, moradia e saúde.  No sistema de Contas Médicas (Medisave), cada cidadão em Singapura possui uma conta individual, na qual são feitas contribuições regulares ao longo da carreira ativa e pode ser utilizada para custear procedimentos médicos, cirurgias e medicamentos. Além disso, os cidadãos podem utilizar os fundos do Medisave para financiar prêmios de seguros de saúde, oferecendo uma camada adicional de proteção.

Os modelos internacionais possuem características diversas em cobertura, abrangência e benefício, tendo em comum a abordagem centralizada e a contribuição para a eficiência e transparência do sistema, surgindo como um exemplo de integração entre esses importantes benefícios.  O avanço para a oferta de produtos similares requer mudanças na legislação brasileira para oferecer à população a alternativa de acumular recursos destinados ao financiamento direto da saúde pela aposentadoria. Esta abordagem não apenas trará mais segurança aos aposentados, mas também contribuirá para o fortalecimento do sistema previdenciário. A integração entre previdência privada e planos de saúde é um passo crucial rumo a um futuro mais promissor para os brasileiros na fase pós-carreira.

 

*Luciana Dalcanale é Diretora de Previdência e Saúde da Vivest

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