Artigo: Programa de Investimentos em Alternativos Privados – por Humberto Gallucci*

Os investimentos no Brasil e América Latina apresentam desafios para os ativos privados e de longo prazo. O ambiente regional se beneficia do Estado de Direito com contratos estáveis e respeitados, grandes mercados em países democráticos e baixa penetração de capital em ativos privados e estes são alguns dos fatores que podem impulsionar o investimento no mercado local. Entretanto, pobreza e desigualdade, ineficiência do Estado e o crescimento inconstante são os desafios para o investimento por períodos prolongados.

A volatilidade do mercado local, riscos macroeconômicos e o fluxo intermitente de capital estrangeiro são riscos que podem ser atenuados com diferentes estratégias de investimento. Teses de investimento de consumo, melhoria operacional e commodities são relacionados positivamente com o crescimento do país. Enquanto estratégias como tecnologia, direitos creditórios e ativos estressados são oportunidades que não dependem diretamente do crescimento e desempenho da região.

As características da região, destacadas acima, podem influenciar os investidores a alocar capital em fundos e gestores que são seguidores de tendência e a entrada tardia nas principais estratégias pode levar a um retorno abaixo do esperado ou em perdas. A principal tese de investimento da década de 90 foi a estabilização e crescimento da região, com entrada de grandes gestores internacionais apostando na tese no final da década, entretanto, o cenário macroeconômico desafiador e a crise regional do final da década minaram os retornos dos gestores que entraram por último na região. A década seguinte foi marcada pelo investimento em commodities, beneficiado pelo aumento mundial dos preços e que foi interrompido pela crise do subprime. Novamente, os gestores locais que realizaram os investimentos no começo da década, conseguiram ótimos retornos, enquanto os gestores que replicaram a tese e realizaram os investimentos próximo a crise não tiveram o mesmo sucesso.

A expansão da classe média com aumento da renda e acesso a crédito levou a uma mudança nas teses de investimento. A principal estratégia deste período capturou o aumento do consumo de bens e serviços, que terminou nos anos de crise econômica de 2015. Enquanto os investimentos em consumo passaram a perder atratividade, a principal tese de investimento passou a ser os investimentos em empresas Tech, que atraíram US$ 46 bilhões nos últimos cinco anos.

A variedade de teses de investimento e o período em que as estratégias têm retornos excepcionais dificultam o market timing. Os investidores que desejam realizar market timing devem ter uma habilidade de prever o rumo da economia e taxas de juros no longo prazo, e precisam de excepcional conhecimento do conjunto de desdobramentos econômicos, políticos e sociais internacionais que afetam o mercado.

Market timing move explicitamente o portfólio para longe dos alvos da política de longo prazo, expondo o investidor a riscos evitáveis. Prever qual será a principal estratégia desta década é uma tarefa improvável, mesmo que o investidor tenha fortes convicções. Investir em múltiplos anos em diferentes teses pode ajudar a antecipar as próximas principais estratégias, sem a necessidade de realizar previsões contundentes. A estratégia de ilíquidos deve ser reavaliada periodicamente para o desenvolvimento de novas teses e a execução depende da seleção dos fundos e gestores.

A seleção dos profissionais deve-se considerar as competências e o caráter dos indivíduos responsáveis pelas decisões do portfólio. Desenvolver gestoras formadas por pessoas extraordinárias é o elemento individual mais importante no sucesso dos investimentos alternativos. A boa seleção de gestores nos mercados de ilíquidos é fundamental para atingir o diferencial de retorno. Os melhores gestores de private equity e venture capital geraram uma taxa interna de retorno entre 15% e 20% ao ano acima do gestor mediano.

O desenvolvimento de novos gestores e teses é inerente a evolução do processo de investimento em ativos alternativos. O retorno dos ativos alternativos não é somente uma função de crescimento do ativo, mas uma relação entre oferta e demanda de capital e de oportunidades de investimento. O desenvolvimento de novas estratégias permite alocar capital em estratégias com baixa oferta de capital e boas oportunidades.

Fundo de fundos são uma opção para selecionar e monitorar gestores e podem dar acesso a estratégias sofisticadas. Organizações maiores podem usar o fundo de fundos para ganhar exposição a nichos de mercado com os quais não estão familiarizados. Além disso, pode ser o primeiro passo para compreender o funcionamento do mercado de ativos privados e as principais estratégias. O principal exemplo recente é a transformação do mercado de venture capital regional, que passou de US$ 200 milhões para US$ 24 bilhões nos últimos dez anos, com a criação de inúmeras gestoras com estratégias diferentes. O fundo de fundos pode selecionar e dar exposição ao investidor a essa emergente classe de ativos, diferentes estratégias e gestores de venture capital.

As estratégias de investimento dos indivíduos e organizações mudam ao longo do tempo, assim como o desejo dos investidores de permanecer em um ativo privado. A necessidade de liquidez pode ser uma motivação para a venda de participações em ativos ilíquidos, mas não é a única. Investidores podem ter um papel ativo no rebalanceamento do seu portfólio, reavaliando oportunidades e reciclando o capital da venda de participações em fundos de private equity para aproveitar novas oportunidades. O mercado de venda de participações em fundos de ativos privados se desenvolveu nos últimos anos e movimentou cerca de 1 bilhão de reais em mais de 80 transações nos últimos oito anos. Essa é uma oportunidade para os investidores liquidarem posições em gestoras que não desejam mais ter relação, em teses de investimento que não acreditam mais ou mesmo em fundos terminais.

A evolução do mercado de ativos privados no Brasil e América Latina foi notável nos últimos vinte anos. Neste período, por volta de 1100 fundos de investimentos geridos por quase 800 gestoras e 6300 investimentos foram realizados na região. A região conta com fundos especializados em diferentes teses que contemplam desde o tradicional investimento em imobiliário e private equity, passam por direitos creditórios e créditos estressados e avançam por venture capital e biotecnologia.

A maturidade do mercado e dos gestores de ativos privados e o refinamento cada vez maior dos investidores, apresenta um panorama único para diversificação dos investimentos e contraponto aos tradicionais investimentos em ativos com alta liquidez, sendo uma oportunidade para alcançar maior retorno com ativos menos voláteis, no longo prazo.

*Humberto Gallucci, Head de Estudos da Spectra com doutorado em finanças pela FGV

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