Artigo – Risco Caudal: Gerenciamento de Risco ou Disciplina de Risco – por Marcelo Ferreira Santos*

Desde a conferência inicial em 1993 conduzida por Till Guldimann¹, à época, Chefe de Global Research do J.P. Morgan, para apresentar o arcabouço do Value at Risk (VaR), muito se evoluiu no tema tanto no mercado financeiro quanto na academia. Todavia, muitas crises que aconteceram/acontecem atingiram os mais variados tipos de ativos, em variados mercados, maduros ou não, mais ou menos regulados, culminando com pandemia global, seguida por inflação mundial nunca outrora vista e dois conflitos bélicos de grandes proporções, trazendo assim à discussão o quão efetiva pode ser a gestão de risco através da utilização de tal ferramenta.

A aparente facilidade ao ter um único número que reflita “todo o risco” do portfólio bem como a facilidade operacional são pontos favoráveis à utilização do VaR, porém a dificuldade já reside na determinação do intervalo de confiança. Aqui, mais do que se tratar de uma escolha econométrica, deverão ser contemplados aspectos de apetite de risco da instituição e/ou fundo. Sendo assim, permito-me dividir uma primeira lição quando fazemos gestão de risco: a disciplina.

Disciplina essa que deve permear todo o ciclo de vida do fundo. Desde a sua concepção até o seu encerramento e/ou incorporação em outro veículo. Entender o objetivo de retorno do cliente não deve ser confundido com objetivo de retorno do fundo, não importando se ele é um veículo exclusivo ou condominial. Tal entendimento é a pedra fundamental para ajudar a endereçar um dos pontos frágeis do VaR: a administração do risco caudal.

Obviamente, não há metodologia que antecipe condições inesperadas decorrentes de desarranjos regulatórios, imprevistos macroeconômicos e/ou escândalos políticos, mas a disciplina mostra novamente o seu papel. Retornando à discussão: em mercados maduros em termos de liquidez, ou seja, aqueles que apresentam volumetria bem adequada para fazer frente às necessidades de negociabilidade dos ativos, podemos afirmar que o VaR fica menos suscetível ao risco de cauda.

Desta forma, no caso brasileiro, recomendamos fortemente que a utilização de quaisquer métricas de gerenciamento de risco, principalmente VaR, BVaR ou Tracking Error, seja sempre acompanhada de alguma ferramenta de risco caudal. Em termos econométricos, o ideal seria a utilização de modelos paramétricos com a utilização não somente da média e desvio-padrão (parâmetros-chave utilizados no VaR), mas também incorporar elementos de assimetria e curtose, respectivamente terceiro e quarto momentos centrais.

Além disso, a escolha da melhor distribuição para contemplar tais elementos torna-se um belo desafio: vários estudos apresentados ao longo dos últimos anos mostram que distribuições estáveis tendem a produzir melhores resultados para os ativos locais.

Então a pergunta: por que não são utilizadas? A resposta é bastante pragmática e simples: a dificuldade e o esforço operacional são bastante imensos vis-à-vis o possível ganho a ser obtido.

Diante do exposto, segue um outro questionamento a este cronista acidental: como fazer uma boa gestão de risco de cauda para fundos de investimentos? As duas ideias abaixo não se tratam imersas em um conceito fechado, mas boas possibilidades para tal observadas ao longo dos anos:

  1. Determinação de um intervalo de confiança na direção dos 6 sigmas. Por exemplo, a B³ se vale de 99,9603% na avaliação de sua CORE (Close-Out Risk Evaluation), ou seja, uma perda severa a cada 10 anos. A apuração do risco caudal pode ser um VaR (já conhecedores de suas limitações) e esse intervalo de confiança. Trata-se de um modelo aparentemente simples, porém com um caráter educacional para uma gestão orientada a risco por parte da instituição.
  2. Determinação de cenários descorrelacionados entre os fatores de risco do portfólio e a definição de um limite para monitoramento. Nesse caso, mais do que identificar se essa nova medida se aproxima ou supera o patamar anteriormente definido, cabe à área de risco observar a tendência do número apresentado ao longo dos últimos dias. Por exemplo, um aumento no número do estresse pode ser dado pelo incremento nas posições tomadas pelo gestor e/ou no aumento de risco do mercado de maneira geral. Se estivermos em momentos de intensa volatilidade e incertezas, o risco caudal deverá ser reduzido criteriosamente pelos gestores e alicerçado nos seus processos de investimentos para mitigar danos maiores.

Recentemente, o mercado brasileiro se deparou com casos de crédito referentes às Lojas Americanas e Light. Embora o VaR não seja aplicado de maneira tão eficiente aos portfólios com exposições em crédito privado, acreditamos que a lição da gestão de risco caudal possa ser bem aproveitada. A determinação de cenários de perdas e/ou default de maneira conjunta no fundo, setorialmente ou individualizada na companhia, deve ajudar a nortear as decisões de investimentos por parte dos gestores. Aqui seria a ligação bem clara entre o risco caudal e a concentração para mitigar problemas semelhantes aos ocorridos. Imaginemos um fundo com exposição igual a 2% do patrimônio líquido em um ativo de crédito e um cenário de estresse de perda de 50%, teríamos uma perda potencial de 1%. Será que não seria o momento de o gestor rever o tamanho de sua exposição?

A resposta para a última pergunta é: depende. Depende da cotização do fundo, depende do objetivo do cliente que está intimamente ligado ao objetivo de retorno a ser perseguido. Depende do horizonte de tempo a ser buscado para atender isso. Enfim, não somente variáveis financeiras são envolvidas.

Podemos pensar nas ferramentas mais sofisticadas para apurar e determinar o risco caudal das carteiras, porém, se não tivermos a disciplina de acompanharmos discutindo os números e possibilidades de maneira sistemática e regular através de uma forte governança corporativa, o nosso papel (de gestores, administradores, bankers, agentes autônomos, etc.) de zelar pelo dever fiduciário será inócuo, prejudicando nossos clientes e criando fissuras estruturais ao mercado.

 

*Marcelo Ferreira Santos é Administrador de Empresas e Mestre em Economia e Finanças pela EAESP/FGV-SP. Responsável pela área de Riscos, Compliance e Controles Internos da BV Asset.

 

Notas:

[1] https://www.value-at-risk.net/riskmetrics/

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