Nas Entidades Fechadas de Previdência Complementar, falar em gestão de riscos já se tornou parte da rotina. Desde a Resolução CGPC nº 13/2004, está normatizado que os riscos que impactam os objetivos das entidades devem ser identificados, avaliados, controlados e monitorados. Ou seja, gerir riscos é uma prática formalizada e sistemática, prevista no cronograma anual. Os temas que normalmente se repetem nas análises não são novidade: taxa de juros, desempenho dos investimentos, cenário macroeconômico, ambiente regulatório e riscos cibernéticos. São pontos já amplamente debatidos, medidos e mitigados.
No entanto, existe uma outra categoria de riscos que, justamente por não se apresentarem de forma direta, permanecem à margem do debate. São os chamados riscos invisíveis. Eles não aparecem nos relatórios operacionais nem são facilmente capturados pelas matrizes tradicionais de risco. Em muitos casos, sequer são percebidos como ameaças concretas à estratégia de sustentabilidade das entidades — o que os torna ainda mais perigosos.
Esses riscos são conhecidos, mas muitas vezes ignorados. Permanecem ocultos por falta de dados, por baixa percepção ou por serem considerados improváveis. São aqueles frequentemente acompanhados de frases como “isso nunca aconteceu aqui”. Como consequência, não são priorizados, e acabam fora dos relatórios de Gestão de Riscos. No entanto, têm impacto direto sobre a resiliência institucional, justamente por afetarem aspectos estruturais da organização que, embora não estejam sob os holofotes, sustentam o seu funcionamento.
No campo da previdência complementar, é possível reconhecer esses riscos em diferentes situações:
- Cultura organizacional disfuncional, que se manifesta quando a liderança adota uma postura reativa, ignora a voz técnica e inibe o questionamento saudável.
- Obsolescência tecnológica silenciosa: sistemas que ainda funcionam, mas limitam a escalabilidade, dificultam a integração de dados e representam um passivo oculto de segurança.
- Inércia da governança, quando as práticas se tornam meramente formais, perdendo a conexão com os objetivos estratégicos.
- Terceirização sem visibilidade, em que fornecedores críticos operam sem due diligence ou monitoramento efetivo.
- E mais recentemente, começam a emergir riscos relacionados ao uso não governado da inteligência artificial — ferramentas adotadas sem critérios de segurança, ética ou acurácia.
São exemplos que revelam como a zona cega da gestão de riscos pode comprometer, silenciosamente, a robustez das entidades.
Para lidar com esses riscos, é necessário um novo olhar. A primeira mudança começa na cultura organizacional, pois cultura não se transforma por decreto. Conselhos, diretorias e equipes operacionais precisam tratar a gestão de riscos como parte da estratégia institucional — e não apenas como um item regulatório a ser cumprido.
Práticas para um novo olhar:
- É fundamental criar espaços genuínos de escuta e aprendizado, onde o incômodo seja acolhido como sinal de alerta, e não silenciado.
- Também é necessário atualizar as matrizes de riscos. O modelo tradicional, centrado apenas em probabilidade e impacto financeiro, já não dá conta da complexidade atual. É preciso incorporar dimensões como reputação, clima organizacional, cultura, riscos digitais e ESG. Não se trata de modismo, mas de antecipação estratégica.
- Outra mudança fundamental é abandonar estruturas rígidas e fomentar conexões. Riscos invisíveis são, muitas vezes, sintomas de ambientes onde a comunicação é frágil e a escuta é seletiva. A melhor resposta, portanto, está na colaboração: entre áreas, entre níveis hierárquicos, entre experiências.
- Institucionalizar a escuta ativa, estimular a visão sistêmica e promover o pensamento em cenários extremos são práticas que ajudam a ampliar o campo de visão. Tornar visível o que hoje está fora do foco exige, antes de tudo, uma gestão que compreende a complexidade como parte do seu território.
Ao lado dos riscos invisíveis, há também os eventos raros e disruptivos — os chamados cisnes negros, denominados por Nassim Taleb, no livro O cisne negro: o impacto do altamente improvável. Por definição, são acontecimentos imprevisíveis que, quando se concretizam, provocam impactos de magnitude extrema. A história oferece exemplos marcantes: os ataques de 11 de setembro, o tsunami de 2004, a pandemia da COVID-19, as mudanças climáticas intensificadas em 2023 e a aceleração da inteligência artificial. No contexto das EFPCs, não estamos imunes a esses eventos. Imagine um vazamento massivo de dados sensíveis dos participantes; uma reforma previdenciária abrupta e não antecipada; ou ainda, uma crise reputacional gerada por má conduta de um terceiro não monitorado. Tudo isso pode parecer distante — até que aconteça.
A armadilha está em acreditar como se futuro fosse apenas uma extensão linear do presente. Os cisnes negros, por serem imprevisíveis, não precisam ser previstos. O erro não está em não os antecipar, mas em ignorar sua possibilidade. Por isso, o foco deve ser na construção de resiliência.
Instituições resilientes possuem planos de contingência robustos, mecanismos de resposta ágeis e estruturas flexíveis que garantem a continuidade do negócio diante do inesperado.
No entanto, há algo ainda mais preciso: a antifragilidade. Para Nassim Taleb, no livro Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos, enquanto o resiliente resiste ao impacto e permanece o mesmo, o antifrágil se fortalece com a adversidade. No universo da previdência complementar, ser antifrágil significa aprender com erros e quase-erros, testar os limites com cenários extremos, estimular o pensamento crítico em todos os níveis e estruturar uma governança capaz de se adaptar com rapidez. Em outras palavras, não basta sobreviver à crise — é preciso se transformar com ela.
A gestão de riscos, hoje, não é apenas uma disciplina técnica. Ela se tornou uma filosofia organizacional. Um compromisso com a percepção ampliada, com a escuta ativa e com a adaptação constante. A entidade que compreende isso transforma-se num organismo vivo: que percebe, interpreta, reage e evolui. E isso exige mais do que frameworks — exige uma nova forma de pensar.
O maior risco, neste momento, é tratar os riscos invisíveis como se não estivessem ali ou não ter plano robusto de resiliência organizacional. Está na hora de reconfigurarmos não apenas nossos modelos, mas também nossa mentalidade.
A previdência do futuro não será apenas resiliente. Ela será antifrágil, adaptável e visionária.
Referências Bibliográficas
TALEB, Nassim Nicholas. O cisne negro: o impacto do altamente improvável. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. 2. ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2008.
TALEB, Nassim Nicholas. Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos. Trad. Pedro Maia Soares. Rio de Janeiro: BestSeller, 2013.
*Germana Vogt é Risk Officer na Quanta Previdência