Artigo: Contratos e assinatura eletrônica: o que os dirigentes das EFPC precisam saber

Por Renata Santos e Pedro Della Nina*

Contratos, em sua essência, representam o instrumento jurídico pelo qual duas ou mais pessoas manifestam sua vontade e estabelecem uma relação entre elas, com obrigações e direitos dela decorrentes.

Para que o contrato seja celebrado de forma válida, portanto, é imprescindível a validade da manifestação de vontade, que normalmente é evidenciada pela assinatura das partes no instrumento contratual.

Por força do longo período de afastamento social imposto pelas autoridades, a manifestação de vontade por meio da assinatura do contrato em meio físico foi significativamente dificultada. Houve, então, um crescimento exponencial da utilização de ferramentas digitais com tal finalidade.

Como se sabe, os negócios jurídicos rotineiros devem ser obrigatoriamente firmados para demonstrar a manifestação de vontade. Se envolverem Pessoa Jurídica, a assinatura será obrigatoriamente do seu representante legal/voluntário, único apto a representá-la juridicamente, nos moldes do art. 116, do Código Civil, que vinculará a própria entidade ao elo jurídico.

Ora, a assinatura eletrônica é uma dessas ferramentas que dispensam contato físico, impressões, digitalizações, reconhecimentos de firma e envio de correspondências e que podem garantir a manifestação clara e inequívoca da vontade, requisito de existência de negócio jurídico, além de garantir a autenticidade, integridade e temporalidade do documento.

No Brasil, desde 2001, a assinatura eletrônica está regulada na Medida Provisória n.º 2.200-2 de 24/08/01[1], sendo que, a partir da sanção da Lei n.º 14.063, de 23 de setembro de 2020, que dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, houve uma melhor classificação das 3 (três) espécies existentes: assinatura digital ou assinatura eletrônica qualificada, que utiliza a certificação oriunda da Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil[2]; assinatura eletrônica avançada, que faz uso de registros particulares de validação e comprovação de documentação, diversos portanto do ICP-Brasil; e assinatura eletrônica simples, que é a forma de se identificar o signatário, sem o auxílio de certificação.

É usual que, em documentos assinados eletronicamente, haja um carimbo para evidenciar que existe a firma do signatário (muitos, inclusive, indicam qual o certificado utilizado e a data da utilização). Ainda que, no instrumento, exista um carimbo evidenciando a assinatura, é imperiosa a sua verificação, seja no painel de assinaturas, seja através dos sites confirmatórios[3], sendo certo que o referido carimbo não tem qualquer valor jurídico, sendo mera representação indicativa de que há a firma eletrônica. As informações constantes do painel de assinaturas ou obtidas no site verificador devem obrigatoriamente indicar os signatários, com sua respectiva identificação, data e hora da assinatura e certificado utilizado, possibilitando a identificação do signatário e atestando a validade de sua assinatura, cumprindo, portanto, requisito essencial à validade do negócio jurídico.

Sobre a aceitação desses documentos, há uma presunção de que são verdadeiros em relação aos signatários quando assinados digitalmente, mediante utilização de certificado disponibilizado pela ICP-Brasil, nos termos do art. 10, parágrafo primeiro, da MP 2202-2, e do art. 219, do Código Civil.

Não cabe agir com discricionariedade plena quando utilizada a certificação disponibilizada pela ICP-Brasil, já que os documentos assinados digitalmente são considerados válidos e, portanto, tem que ser aceitos, diante da presunção relativa que os envolve. Convém destacar, somente poderão ser refutados se houver alguma prova em contrário de irregularidade, como vícios de vontade, falta de requisitos, entre outros, o que poderia ocorrer em qualquer contrato assinado em meio físico, onde poderiam ser identificados os mesmos vícios. Pode-se afirmar, inclusive, que a utilização da assinatura digital facilita a identificação de muitos deles, o que resulta num contrato mais seguro, em termos jurídicos.

A utilização dos certificados emitidos por outras instituições certificadoras, também é admitida, desde que seja essa a intenção das partes signatárias, nos moldes do art. 10, parágrafo segundo, da MP 2202-2. Significa, portanto, que as assinaturas eletrônicas com utilização de certificados não emitidos pela ICP-Brasil somente serão aceitas se houver acordo entre as partes[4], o que tende a ensejar resistência em sua utilização.

Há que se dizer, ainda, que deve existir uma definição prévia das partes quanto à forma a ser utilizada[5]. Ou ambos os contratantes e testemunhas assinam o documento digitalmente, ou ambos o fazem em meio físico[6], com utilização de todas as formalidades inerentes a cada modalidade contratual. Nos tempos atuais, portanto, com limitação de contato presencial e trabalho majoritariamente remoto, tornou-se imprescindível a atualização sobre o tema e, inclusive, o investimento na tecnologia necessária à utilização do meio digital de assinatura que as empresas entenderem mais conveniente à sua realidade.

Por fim, considerando a possibilidade de múltipla utilização de assinaturas eletrônicas num mesmo instrumento, com uso de certificados de origem distinta (ICP- Brasil e outro, emitido por instituição certificadora diversa), vale esclarecer que não há, salvo melhor juízo, qualquer impossibilidade fático-legal para se admitir que um único documento seja firmado por diversos agentes, utilizando, cada um, certificados de natureza diversa.

Ainda que possam ser identificados alguns limitadores técnicos, existem meios de garantir a segurança do instrumento celebrado. Cabe ressaltar que é obrigatório o aceite a documentos assinados com utilização do certificado emitido pela ICP-Brasil, enquanto para os demais certificados, além da aceitação, caberia, ainda, verificação da certificação utilizada.

Não há dúvidas de que, pouco a pouco, as transações em papel tendem a ser eliminadas. E essa transição deve ser realizada priorizando a segurança jurídica. Os meios digitais podem garantir uma maior segurança no monitoramento, armazenamento e nos procedimentos necessários à celebração de um negócio jurídico, desde que possam conviver, de forma válida com as previsões constantes no ordenamento jurídico.

*Renata Santos e Pedro Della Nina são advogados do SERPROS Fundo Multipatrocinado.

[1] Ainda em vigor, eis que a Emenda Constitucional nº 32/2001, que determinou a obrigatoriedade de que o Congresso converta em lei as medidas provisórias dentro do prazo de 60 dias (prorrogáveis por igual período), é de 11/9/2001, alguns dias depois da publicação da MP 2.200-2 (24/8/2001).

[2] Em resumo, a Medida Provisória cria estrutura para o setor com cadeia de autoridades certificadoras, formada por uma Autoridade Certificadora Raiz (AC-Raiz), Autoridades Certificadoras (AC) e Autoridades de Registro (AR) e, ainda, por uma autoridade gestora de políticas, ou seja, o Comitê Gestor da ICP-Brasil.

[3] Na assinatura digital (ICP-Brasil) é possível utilizar o  https://verificador.iti.gov.br/verifier-2.5.4/. Na assinatura eletrônica stricto sensu faz-se necessária a consulta ao site certificador.

 

[4] O SERPROS – Fundo Multipatrocinado deu relevante notícia ao Sistema por ter regulamentado a assinatura eletrônica (https://serpros.com.br/2020/08/19/serpros-aceita-assinatura-eletronica-de-documento/). Em resumo, o SERPROS, que utiliza as certificações da Certisign e NeoID, do SERPRO, pode admitir que o outro signatário de qualquer documento a ser firmado pela Entidade utilize as certificações emitidas por instituições certificadoras que não o ICP-Brasil, desde que tenham lastro técnico sólido, o que será verificado caso a caso.

[5] Os smarts contracts – ou contratos inteligentes – nesse ponto já são alavancados, pois são frutos de meio eletrônico, não sendo possível dar juridicidade à sua conversão em papel.

[6] Não é recomenda a mescla de formas, a fim de que não se perca a presunção de segurança que cada modalidade de assinatura proporciona. Se houver a assinatura eletrônica qualificada e a assinatura eletrônica simples, o documento terá o menor nível de segurança, conforme preceitua o parágrafo 1º, do art. 1º, da Lei n.º 14.063/2020.

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