Se de um lado a maturidade do Judiciário é cada vez maior em relação à necessidade de recomposição de reservas matemáticas dos Planos de Benefício Definido (BD) em decorrência de ganhos auferidos em ações judiciais, trabalhistas ou cíveis, por outro lado é necessário maior alinhamento técnico sobre o tema nas EFPC. Com o objetivo de aprofundar essa discussão, foi elaborada uma apresentação pelo Grupo de Trabalho da Comissão Técnica Sudeste de Planos Previdenciários da Abrapp, coordenado por Victor Sodré, atuário e Gerente Executivo da Previ.
A apresentação visou esclarecer a aplicação do próprio conceito de reserva matemática e promover o debate entre as EFPC, ao compartilhar desafios e experiências. Sodré explicou que o papel das entidades representativas na defesa do mutualismo e na comunicação com os participantes é fundamental, e por isso é importante a conscientização sobre o impacto das ações judiciais no equilíbrio dos planos de previdência complementar fechada.
“A evolução do Judiciário em relação à previdência complementar, com decisões mais favoráveis à coletividade, e a necessidade de consolidar teses jurídicas que protejam o mutualismo e os planos de benefícios foi importante, e para isso o papel da Abrapp foi fundamental”, comenta.
A proximidade com os tribunais e magistrados resultou em um reconhecimento vital no ano de 2018: qualquer aumento de benefício não previsto no regulamento requer uma recomposição prévia de reserva matemática. Assim, antes de iniciar qualquer fluxo de pagamento, é necessário constituir a reserva correspondente.
Isso significa que qualquer obrigação deve estar atrelada a um custeio, seja por contribuição ou rendimentos dessas contribuições ao longo do tempo.
Sodré ressaltou a importância de considerar tanto os valores futuros quanto os retroativos ao calcular a reserva matemática, utilizando o conceito de “reserva matemática vencida e vincenda”.
A apresentação do Grupo de Trabalho destacou a necessidade de considerar os dois momentos no tempo: o futuro – com viés atuarial – e o passado, que traz um fluxo financeiro. Isso porque se a entidade aplicar o conceito de reserva matemática de forma literal, ou seja, somente os vincendos, deixará de abarcar os valores retroativos e trará ônus à coletividade e aos patrocinadores.
Outro ponto importante, na visão de Sodré, é provisionar as ações judiciais em andamento, conforme a classificação de êxito da parte autora: remotas, possíveis ou prováveis. A Previ, por exemplo, utiliza um modelo próprio de provisionamento contábil para seu contencioso, garantindo que a entidade esteja preparada para cumprir suas obrigações judiciais futuras.
Sodré destacou que a gestão atuarial deve proteger o mutualismo, ou seja, a garantia primordial para o equilíbrio do plano. Ele explicou que, em casos de demandas trabalhistas contra o patrocinador, o impacto nas verbas remuneratórias pode afetar o benefício e a reserva matemática do plano. Portanto, é fundamental que qualquer aumento de benefício seja precedido pela constituição de uma reserva adequada para evitar desequilíbrios.
Estudo de caso
A apresentação traz um estudo de caso de um participante de plano BD aposentado que, após uma decisão judicial, teve seu benefício majorado em quase 80%. Isso resultou na necessidade de recomposição da reserva matemática em montante expressivo para pagamentos retroativos e futuros. Nesse caso, a entidade só poderia assumir esse compromisso se o valor correspondente fosse incorporado ao patrimônio do plano.
Sodré explicou que o custeio dos planos patrocinados administrados pela Previ é paritário, conforme estabelece a legislação vigente, o que significa dizer que a contribuição do patrocinador não pode exceder a do participante. Ele ressaltou que ainda existe a tese da concomitância nos pagamentos, na qual o patrocinador só faz a recomposição da reserva matemática se o participante também a fizer.
“Fazemos um acompanhamento minucioso das demandas judiciais que afetam os planos de benefícios da Previ e atuamos juntos aos escritórios jurídicos que nos representam para mantermos equalizados os conceitos técnicos utilizados na defesa dos melhores interesses dos associados e do patrocinador”, explica.
Sodré alertou que as EFPC devem trabalhar com provisões para riscos já materializados e ações em andamento. “O papel das entidades é fundamental porque elas fazem uma ligação importante. Elas têm uma proximidade considerável com o participante”, afirmou.
Ele disse que há casos de entidades que fomentam esse tipo de movimento de judicialização dos associados contra as EFPC, como se, de fato, estivessem brigando pelos direitos dos participantes quando, na verdade, todos vão pagar a conta.
“É uma questão de interpretação, houve uma demanda que estavam trabalhando para beneficiar um grupo restrito de associados de uma entidade, em detrimento da grande maioria. Esse é um racional equivocado de geração de valor, porque impacta de maneira direta os demais, que não estavam envolvidos na ação”, contou.
Quando a provisão para ações judiciais se torna dispensável, deixamos de impactar a coletividade. “Por isso é necessária uma atuação efetiva das EFPC, que podem trabalhar os conceitos do mutualismo versus o compromisso com os benefícios na comunicação com os participantes”, conclui.