Entidades fechadas discutiram ato regular de gestão em Seminário conjunto da Abrapp, Sindapp e Previc

O que é o ato regular de gestão e a supervisão baseada em riscos? Esses conceitos já vigoram no Brasil há 20 anos e vêm sendo aplicados a partir de resoluções do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Previc, entre outras instituições. Mas ainda geram dúvidas em agentes públicos, jornalistas e gestores. Por isso, a Previc, a Abrapp e o Sindapp realizaram Seminário sobre o tema, dia 24 de junho, no auditório do Ministério da Previdência Social, em Brasília. O evento reuniu aproximadamente 100 dirigentes e conselheiros técnicos das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), além de dirigentes governamentais, para alinhar conhecimento e dar transparência ao que será cobrado pela Previc na supervisão e fiscalização das entidades.

Durante a abertura, o Diretor-Superintendente da Previc, Ricardo Pena, falou do esforço de mudar a atual cultura de supervisão das EFPC. “Mesmo dentro do Estado, quebrar essa lógica de atuação persecutória da Previc não tem sido fácil”, disse. E explicou como deve ser a conduta da autarquia para a qual foi criada. “Quando o gestor toma a decisão, aos olhos do supervisor, é preciso saber se foi uma decisão informada, se foi refletida e se foi desinteressada. O que a gente pretende com o ato regular de gestão é estabelecer um padrão de conduta”, completou. Ele disse, ainda, que “ao tomar uma decisão, [o ato] pode estar regular ou irregular. Verificar isso é o papel da supervisão”, falou aos dirigentes.

Ricardo Pena destacou que o Acórdão n. 964 do Pleno do TCU foi um marco importante porque assegurou a competência da Previc. “O ministro-relator Benjamin Zymler reconheceu que o ato regular de gestão não se constitui numa obrigação de resultado, mas um dever de meio, de cuidado e diligência decisória no melhor interesse da entidade. Para ele, a inclusão do ato regular de gestão na Resolução Previc n. 23/2023 é um parâmetro de avaliação de conduta dos diretores e conduz a uma frutífera segurança jurídica. Nós temos que incentivar as boas práticas de gestão porque o que traz performance é a gestão. Não dá para dizer que só adicionando controle e exigências o setor vai evoluir. Precisamos dar as condições para o gestor atuar”, disse.

Para o Secretário do Regime Próprio e Complementar (RPPS/MPS), Paulo Roberto dos Santos Pinto, “o mais importante quando você vai tomar uma decisão é escrever os fundamentos e o cenário que está verificando para tomar a decisão”. E citou o caso das lojas Americanas. “Todos os elementos indicavam que estava saudável e, de um dia para o outro, o cenário mudou. O ato regular de gestão é isso. Que a decisão seja tomada, buscando os melhores elementos, que ela fique documentada e o resultado seja o reflexo dos riscos do mercado, dos riscos econômicos que nem sempre a gente vai conseguir controlar. Mas que a gente possa trabalhar cada vez mais para mitigar os riscos”, fundamentou.

O Diretor-Presidente da Abrapp, Jarbas de Biagi (foto acima), disse que as entidades evoluíram muito em governança. “Precisamos alinhar nossos conhecimentos e nossas práticas. Supervisor e supervisionados, estamos todos no mesmo barco”, falou. Ele ressaltou o papel das EFPC dentro de um processo que vai do recolhimento das contribuições até o pagamento das retribuições. “É para entregar o benefício e, se não funcionar bem, todo mundo tem que responder um pouco. É importante alinhar esse conhecimento com a fiscalização”, completou.

O Presidente da Anapar, entidade que congrega os participantes e assistidos, Marcel Barros, ressaltou que “a Resolução Previc n. 23/2023 serviu para mostrar que a autarquia está aí para prevenir, orientar e, se precisar, punir. A definição do ato regular de gestão foi importante e, agora, foi confirmado pelo TCU”. Ele disse que “se um gestor toma decisões dentro daquilo que está previsto na governança da entidade, dentro dos padrões que o mercado financeiro determina, ele não pode ser julgado pela performance ou pelo resultado do ativo. Mas se a tomada de decisão foi adequada. Os conceitos do ato regular de gestão e gestão baseada em riscos trazem para o gestor a certeza de que ele pode trabalhar com tranquilidade. Se está seguindo a governança, os normativos, vai entregar o benefício esperado pelo participante”, concluiu.

Carlos Alberto Pereira, Diretor-Presidente do Sindapp, destacou o papel do Sindicato Nacional das Entidades Fechadas de Previdência Complementar. “O Sindapp é um órgão patronal que defende também os gestores, dirigentes e conselheiros. Nós só temos condições de defender alguém se houver praticado o ato regular de gestão. Então esse entendimento é muito importante para o exercício do papel sindical”, disse.

Abaixo, leia trechos selecionados dos palestrantes do evento:

Pedro Castelar, Chefe de Gabinete da Presidência da CVM

“[Para caracterizar] o ato regular de gestão (business judgment rule) tem que ter uma decisão diligente. Essa decisão tem de ser tomada de forma desinteressada e independente. Não pode ter um interesse particular e não pode estar sofrendo uma influência indevida. Diligente significa que tem de adotar os mecanismos de informação para que possa, de forma refletida, adotar aquela medida ou não. De boa-fé significa que ele não agiu de má-fé e está de fato atendendo aos interesses sociais. Cabe o ônus da prova a quem está acusando. Essa definição busca mitigar abusos dos administradores e, por outro lado, assegurar uma liberdade para que esse administrador possa tomar decisão no caso concreto. O ato regular de gestão estimula uma tomada de risco fundamentada, sem receio de responsabilização no futuro.”

“No Brasil, há um conjunto de regras na seção 5 da Lei das S.A., dos artigos 153 a 158, um conjunto de deveres e responsabilidades que garantem a interpretação, a integração, a transposição do ato regular de gestão para o direito brasileiro. Dá a garantia de que a conduta dos administradores será avaliada de acordo com o procedimento, de acordo com a norma, obrigação de meio, em que o procedimento é essencial e não o resultado final.”

Leandro da Guarda, Procurador-Chefe na Previc

“O ato regular de gestão nada mais é do que um sistema de presunção de regularidade dos atos. Os atos adotados com a devida diligência, com a comprovação de terem sido adotados no melhor interesse da entidade e dos participantes e com a devida prudência necessária, gozam de uma presunção de validade, de boa-fé de quem tomou aquela decisão.”

“No Brasil, a primeira menção expressa ao conceito ocorre na Resolução CGPC 13/2004. Essa atividade, tanto a aplicação como a gestão de recursos de terceiros, naturalmente, está sujeita a riscos. Todo investimento tem risco.”

“O ato regular de gestão está em linha com as recomendações da OCDE, que tem um caderno de princípios fundamentais para orientação da regulação em previdência privada, utilizando como princípio o ‘homem prudente’. Está em linha com o conceito da supervisão baseada em riscos – metodologia reconhecida pela Previc e recomendada pela IOPS. Está em perfeita consonância com essa ideia de verificar se a exposição ao risco foi adequada e não o resultado em si.”

“A Previc, ao estabelecer parâmetros no artigo 230 da Resolução Previc n. 23/2023, sobre o que é considerado ato regular de gestão, está em consonância com a Lei de Liberdade Econômica. E também com a LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). É um contexto jurídico bastante sólido o que fundamenta o artigo 230 da Resolução Previc n. 23/2023. Qualquer tipo de dolo elimina o ato regular de gestão. Os elementos a serem analisados são exatamente os do momento da decisão.”

Alcinei Cardoso Rodrigues, Diretor de Normas da Previc

“A primeira coisa que nos deparamos ao ingressar na autarquia é que havia uma norma superior do CNPC e a necessidade de que fosse cumprida na Previc. Não inventamos nada. Resolvemos reunir o que já estava testado pela CVM e, na medida do possível, adaptar à autarquia.”

“Nós queremos o mais forte respeito às regras e aos normativos do CMN, do CNPC e da Previc e das próprias entidades. Queremos a garantia de legalidade e a estabilidade jurídica. O fio condutor é o sistema ser claro e transparente.”

“Em relação à supervisão baseada em riscos, temos de atuar de forma preditiva, ter uma fiscalização inteligente, atuação educativa, induzir parâmetros em conjunto com as entidades parceiras. As entidades precisam saber o que se quer do comportamento delas. A entidade fechada é uma gestora de riscos. Trabalha com riscos do passivo e do ativo. A orientação da supervisão e da fiscalização tem de ser para que se trabalhe da forma correta, respeitando as regras, com a boa-fé de querer fazer o bem.”

“As entidades não são iguais porque se diferenciam pelo porte e complexidade. A Resolução Previc n. 23/2023 deu o primeiro passo num processo evolutivo. Temos que refletir coletivamente para a produção dessas normas focadas em cada nível de segmentação. Isso vai influenciar numa supervisão qualificada.”

Eduardo Lamers, Secretário-Executivo do Colégio de Coordenadores das Comissões de Assuntos Jurídicos da Abrapp

“Tudo começa num processo de identificação e acaba num processo de governança efetivo. É isso que as entidades têm de implementar. É esse conjunto de práticas, processos e estruturas. É uma atividade meio que não tem uma obrigação de resultados. Mas deve ter um direcionamento para os resultados. Se o gestor estiver amparado na melhor decisão terá a certeza de que não será afetado. Existe sim uma responsabilização e é séria. A gente trabalha com recursos de terceiros. Temos o dever de atuar com diligência, com zelo e cumprir as melhores práticas.”

Também participaram com falas e pontuações expressivas os advogados: Flávio Martins Rodrigues (Bocater), Ophir Cavalcante (OC) e Renata Mollo.

 

*Matéria publicada originalmente no site da Previc, em 27 de junho de 2024. Clique aqui para acessar na íntegra.

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