Entrevista: “Em um país com tantas possibilidades, sobretudo em infraestrutura, são bem-vindos investimentos que se organizem em FIPs”

Roberto Messina

A Abrapp lançou, há dois meses, o Guia de Boas Práticas para Investimentos em Fundos de Investimento em Participações – FIP pelas EFPC. O Guia foi produzido por um grupo multidisciplinar de especialistas e dirigentes, com o acompanhamento da Previc. É considerado um marco para retomar a discussão sobre esse veículo dentre as alternativas de investimentos para as entidades.

Integrante desse grupo, o especialista Roberto Eiras Messina, sócio da MMLC Advogados, compartilha nesta entrevista sua visão sobre a importância da diversificação dos veículos de investimento no atual cenário.

Abrapp em Foco: Vivemos há alguns anos um cenário de conjuntura econômica volátil, que amplia os desafios para as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) atingirem suas metas atuariais. Em sua visão, quais os benefícios da diversificação dos investimentos para as EFPC neste momento, considerando a necessidade de mitigar riscos e a relação de longo prazo do contrato previdenciário?

Roberto Messina: Hoje, com mais de 30 anos de vivência profissional no sistema fechado de previdência complementar, compreendi uma coisa: a economia é sempre, potencialmente, volátil. Ainda mais na escala global contemporânea, em que houve um aumento exponencial da complexidade da engenharia operacional em busca de melhores custos, gerando a dispersão geográfica da produção e por isto sendo demandada a intensificação da aplicação da tecnologia. Esse nível de operação impacta, acentuando os riscos operacionais e, portanto, amplifica igualmente o risco dos investimentos.

Por essa razão, é bobagem pensar em investimento 100% seguro, e, de consequência, imaginar que seja possível a um dirigente de fundo de pensão, por melhor que sejam seu currículo e experiência, identificar e prevenir eficazmente todos os riscos envolvidos em uma operação; imagine-se, então, em diversas, como tem de lidar os fundos de pensão, constantemente, em razão de que não só na gestão de investimentos a diversificação é mandatória (por exatamente propiciar a minimização de riscos e a potencialização de ganhos; atualmente a Resolução CMN 4.661/2018 estabelece os segmentos e limites de investimento autorizados aos fundos de pensão).

Portanto, em suma, no investimento deve ser considerada a diversificação, com escolha e adesão àqueles mais adequados às necessidades dos planos administrados, conforme as características de suas obrigações.

Quais as oportunidades e desafios para incluir os FIPs nessa diversificação? Há apetite para esses veículos?

O FIP é um veículo de investimento. É um fundo, como o são o FIDC (Fundo de Investimento em Direito Creditório), o FII (Fundo de Investimento Imobiliário), e tantos outros, que está atrelado a um regulamento que explicita seu objetivo, as condições do negócio e, fundamentalmente, identifica os seus gestores e respectivas competências. No FIP é apresentada uma tese de investimento pelo gestor, que deve ser alguém (pessoa física ou jurídica, liderando outro grupo de pessoas com idêntica e complementar expertise) que possui conhecimento estratégico do segmento para o qual está propondo a captação de recursos aos investidores, os quais serão aplicados nos alvos para cumprimento de um plano de negócios antecedentemente estruturado e apresentado aos cotistas do Fundo.

O gestor, portanto, conhece determinado nicho de negócios; tem condição de identificar oportunidades de alavancagem; apresenta um plano de negócios e faz a gestão dos recursos em linha com as premissas estabelecidas no referido plano de negócios. Daqui já se vê que não se trata de um veículo de investimento de outro mundo.

Quais pontos merecem atenção?

Como todo investimento, demanda os cuidados necessários a que seus objetivos possam ser alcançados. Note-se que nesse tipo de investimento não há garantia do resultado que será alcançado, pois se trata de uma tese de investimento, como dito, um projeto que, sendo exitoso, deve propiciar um bom ganho aos investidores. Por essa razão, não é admissível confundir as competências e respectivas responsabilidades entre os dirigentes dos fundos de pensão que investem no FIP e os gestores que estruturam e executam a gestão do plano de negócios objetivo do FIP.

De idêntico modo, não é adequado fazer a avaliação dos dirigentes dos fundos de pensão, em investimentos de FIP (ou em quaisquer investimentos), com base apenas na parametrização do homem probo e conservador, com que normalmente a fiscalização da Previc acena, ao fundar suas análises nos artigos 153 e 154 da Lei das Sociedades por Ações.

Na verdade, o que se tem de ter presente, também em relação aos dirigentes dos fundos de pensão, é a constatação de que no exercício de suas competências apresenta-se o denominado business judgement rule, segundo o qual o que deve ser avaliado na conduta do dirigente (investidor) são três aspectos: (i) ter feito diligências razoáveis para a avaliação do negócio, a fim de propiciar a tomada de decisão; (ii)  que a decisão seja tomada de boa-fé e (iii) que não haja conflito de interesses envolvendo quem decide.

Por todas essas razões, é de ser afastada a indevida “demonização” que o veículo sofreu, nos últimos anos, sendo evidente que em um país com tantas possibilidades de investimento, sobretudo em infraestrutura, são mais do que bem-vindas iniciativas de investimentos que se organizem através desse veículo.

Nesse sentido, quais os benefícios gerados pelo Guia de Boas Práticas para Investimentos em FIPs, do qual o sr. colaborou ativamente para a concretização em 2021?

Bem, em primeiro lugar, há de se contextualizar a importância do Guia a partir de seu propósito de tornar mais conhecido o veículo de investimento FIP, em linguagem simples e direta, facilitando a eliminação de compreensões deformadas, anteriormente estabelecidas por “propagandas desinformadas”.

Ora, pode-se dizer que o processo de “demonização” do FIP decorreu de uma coincidência perversa de fatores: (i) a existência de alguns poucos investimentos através desse tipo de veículo, realizados sem maiores cautelas; (ii) a crise fiscal que atingiu o país a partir de 2013, com reflexos nas expectativas dos negócios como um todo, com o fechamento do crédito público e (iii) em um segmento vital da economia brasileira, a drástica piora do cenário internacional para o preço do petróleo.

O Guia, então, não cuida de analisar, debater e esclarecer o cenário que se apresentou. Todavia, ele mostra com clareza o que é um FIP e quais são os principais cuidados que o investidor deve possuir ao ingressar em um veículo de investimento dessa natureza.

Nesse sentido, a iniciativa da Abrapp foi muito feliz em reunir profissionais da área de investimentos dos fundos de pensão, dirigentes e operadores do direito especialistas na matéria, além de convidar a integrar o grupo de trabalho membros destacados da própria Previc, pois propiciou a elaboração de um documento que constitui um bom instrumento de conferência de condutas e orientações para tal investimento. Adicionalmente, fica demonstrado que se trata de um veículo de investimento absolutamente adequado para os fins a que se destina, os quais devem ser avaliados pelos dirigentes dos fundos de pensão de forma isenta e serena.

Em sua visão, quais aprendizados são importantes que as EFPC considerem a partir das experiências do mercado com FIPs?

Há um “meme” que representa um encontro de um mestre e seu aluno, em que o questiona sobre como se tornar sábio. O mestre diz que o caminho são as boas escolhas. O aluno insiste em como fazer boas escolhas, ao que o mestre responde: tendo experiência. Não se dando por vencido, o aluno pergunta como obter experiência e o mestre finaliza: através das más escolhas. Ou seja, erros e acertos fazem parte de qualquer jogo. Não conseguiremos chegar a lugar algum se não tivermos em conta isto e, portanto, tanto na hora da escolha e análise de investimentos como na hora do julgamento daquelas, não houver uma ponderação equilibrada acerca dos fundamentos daquelas ações.

É evidente que toda vez que se retorna a um momento passado sempre se é possível imaginar um cenário mais amplo, mas sob a perspectiva do que aconteceu, não sob a perspectiva do que também, além do que aconteceu, poderia ter acontecido, de melhor ou de pior. No cenário de concreção de resultado ruim, costuma-se relativizar muito as perspectivas positivas que então existiam, sendo fácil engrossar o coro de críticas a respeito da insuficiência das medidas adotadas. Esse julgamento pós-evento, todavia, não é justo já que lhe falta equilíbrio e ponderação acerca do juízo que se poderia, legitimamente, fazer acerca do investimento nas condições de cenário dadas à época.

Além disso, não se pode perder de vista o fato de que os FIPs constituem uma tese de investimento e, assim, poderão ou não converter o investimento, em si considerado, em realidade de sucesso. Deste modo, haver perda no ativo não é – e não pode ser – um resultado inesperado.

De outro lado, o veículo possui a finalidade de equilibrar as carteiras dentro da perspectiva da diversidade de alocações, e dependendo a gestão que deles se faça, sobretudo ancorando-se agora nas regras que devem ser negociadas nos respectivos regulamentos a partir das novidades trazidas pela Lei da Liberdade Econômica, de 2019, poderão constituir ativo com uma dose de liquidez e segurança que não se viam na modalidade anteriormente vigente.

Gostaria de fazer algum comentário adicional?

Foi muito enriquecedor participar do Grupo de Trabalho que produziu o Guia, e que tenho a expectativa de que esse veículo possa ser bem utilizado para gerar investimentos produtivos, não só propiciando uma alternativa para o investimento dos fundos de pensão e demais investidores, democratizando-se a ponto de, futuramente, poder ser acessível a investidores comuns, como também cumprindo sua função social ao gerar como produtos empregos e tributos que contribuirão com o desenvolvimento econômico e social brasileiro.

Shares
Share This
Rolar para cima