Entrevista:  “Errar é humano, inevitável; a grande questão está no processo decisório”

Aparecida Pagliarini, Coordenadora da Comissão de Ética do Sindapp

O Sindapp lançou o e-book A Responsabilidade Ética de Conselheiros e Dirigentes, disponível para todas as associadas. Para difundir algumas das reflexões suscitadas pela obra, que integra o pilar “Promoção da Ética” de atuação do Sindicato, o Blog do Sindapp realizou uma série de entrevistas com os autores.

A Coordenadora da Comissão de Ética do Sindapp, Aparecida Ribeiro Garcia Pagliarini, é a primeira entrevistada e autora do artigo “Postura diante de erros não intencionais”.

Neste bate-papo, ela destaca a importância da cautela e da prudência no comportamento de conselheiros e membros de colegiados, de forma geral. “O erro não intencional pode acontecer. Você não tem como exigir que um ser humano não erre. O que se exige são determinados padrões de conduta, padrões legais. O ideal seria que esses padrões fossem espontâneos, naturais dos administradores, sem que a lei precisasse ditá-los”, observa Aparecida.

Confira abaixo a entrevista:

Blog do Sindapp: Qual é o foco da atuação da Comissão de Ética do Sindapp?

Aparecida Pagliarini: A Comissão de Ética não tem foco disciplinar, ao contrário do que algumas pessoas possam pensar. Ela não tem o encargo de traçar disciplinas ou regras. Sua função é avaliar determinadas situações que possam estar contrariando regras e princípios gerais de comportamento esperado de um administrador de uma entidade fechada de previdência complementar. Então, ela não tem esse caráter de punir, tanto é que nesta avaliação o princípio essencial é guardar sigilo, pois são pessoas avaliando o comportamento de outras pessoas.

Você tem os parâmetros dentro do Código de Condutas Recomendadas, mas isso requer uma certa cautela porque se a avaliação não for boa, isso se reflete na imagem, na credibilidade de uma pessoa. Diante disso, é preciso ter essa cautela. Não que isso signifique medo. Em um ambiente de negócios como o nosso, permeado de tantos riscos, o medo só prejudica. Muitas vezes ele é apelidado de conservadorismo, principalmente na área de investimentos. O que precisamos ter não é medo, mas uma conduta mais regrada, mais cautelosa ao fazer uma avaliação. Ou seja, a Comissão de Ética precisa ter ética.

Outra função importante é a que estamos desenvolvendo: escrever, pensar, refletir, compartilhar essas reflexões na forma de artigos de ebook, de palestras e participação em eventos, levando para um público maior essa ideia de comportamento adequado, discutindo o que seria o comportamento adequado. E penso que esse papel é até mesmo mais importante que a função de avaliação, pois na medida em que você difunde a ideia do comportamento mais adequado, acaba prevenindo outros comportamentos não adequados.

No e-book, seu capítulo é dedicado à postura dos conselheiros das EFPC diante de erros não intencionais. Poderia comentar?

Eu avalio que é impossível não errar. Não existe o ser humano perfeito, aquele ser humano que não erra nunca. O que precisamos avaliar é o que está por trás do erro, se ele é intencional ou não intencional, porque todo mundo erra. Na última série de Encontros Regionais da Abrapp, eu falei dos deuses do Olimpo que foram concebidos à imagem do homem. São contadas lendas nas quais um comeu o filho, o outro traiu o pai… é claro que na avaliação de hoje, você vê dolo, má-fé, mas naquele contexto era assim que se portavam, eles erravam.

Agora se os deuses erram, o que dizer de nós, pobres humanos? Todavia, no nosso ambiente, o erro tem determinado nível de tolerância, pois há o pressuposto de que é necessário qualificação, exercer as funções com prudência, diligência. Assim, quando esses pressupostos não forem observados e se observar um resultado negativo, nesse caso você não pode alegar que seja erro.

Com relação ao erro não intencional, ele pode acontecer. Você não tem como exigir que um ser humano não erre. O que se exige são determinados padrões de conduta, padrões legais. O ideal seria que esses padrões fossem espontâneos, naturais dos administradores sem que a lei precisasse dizer pois, assim, ele age por medo de ser punido. Então as pessoas agem mais por medo da punição do que pelo descumprimento de deveres fiduciários.

Quais seriam aspectos importantes para esses profissionais no exercício da função e nas etapas do processo decisório? 

Eu entendo que – até em função dessa impossibilidade da infalibilidade – um aspecto importante é como a decisão foi tomada, como ela foi construída porque, na verdade, a função principal do administrador, seja membro do Conselho Deliberativo ou da Diretoria, é decidir! Não existe função mais importante do que essa no ambiente de negócios e, muitas vezes, até decisões em função de conflitos éticos.

Assim, o processo decisório tem que ser permanentemente focado no sentido de ser aperfeiçoado, ou seja, os padrões legais de conduta estabelecem o mínimo, mas eu posso avançar, aperfeiçoar mais dentro do meu ambiente. Tal atitude requer também uma certa visão do negócio que só pode não ser míope se os administradores forem competentes no sentido de conhecimento, de conhecer o negócio. Isso é importantíssimo porque a função principal é decidir. Esse meio que vem antes da tomada da decisão – que é o processo para decidir – é o mais importante.

Isso não significa que você não erre. Você pode se equivocar, tomando todas as cautelas, sendo prudente, diligente, sem agir em conflito de interesses, observando a Lei, o Estatuto e, mesmo assim, surgir o equívoco como resultado. Esse processo todo – porque a EFPC é um investidor institucional e está tomando conta do dinheiro de terceiros – precisa ser sempre focado na ética. Existe ética sem governança, mas não existe governança sem ética.

Poderia comentar como os conselheiros poderiam ter uma melhor preparação para exercer suas funções, citando alguns exemplos do que você tem visto e o que poderia ser aprimorado?

O enfoque é sobre dois aspectos. Sobre aquele de competência, de conhecimento técnico e gerencial para exercer a função, e o enfoque sob o aspecto pessoal, pois nem todas as pessoas têm a vocação para trabalhar em grupo. O Conselho e a Diretoria são um grupo de pessoas que vão decidir juntas. Então, além das habilidades técnicas e profissionais, é necessária habilidade pessoal. A primeira noção que se precisa ter é de respeito com seus pares: saber ouvir, ser gentil, não ter preconceito. Inclusive esse é o “S” do ASG. Não adianta você fazer um manual de políticas ASG se você não respeita as pessoas, se você não tem ética pessoal.

É importantíssimo, para participar em um colegiado, que o membro reúna habilidades pessoais e habilidades técnicas. Dessa forma, certamente, dessa reunião, desse conjunto de troca de ideias e experiências é que vai surgir o que há de melhor.

Como a conduta ética (ou a ausência dela) pode afetar as decisões feitas nos colegiados?

Se você não for ético no sentido de respeitar os demais no colegiado, a decisão não será boa. Quando você quer impor a sua opinião, quando você chega despreparado para reunião e se omite nas considerações, na tomada de decisão, e fica de olho no que o outro vai falar para dizer ‘eu concordo, eu concordo’. E às vezes você está concordando com algo que foge até da sua convicção pessoal, mas você não quer mostrar que não fez a lição de casa, não leu os documentos, não estudou ou então que você não tem competência técnica para aquilo (nesse caso é assinar a sentença de morte porque você será responsabilizado pelas suas decisões).

Até nas decisões éticas temos responsabilidade, ainda que eventualmente não se tenha punição. No Código Penal está escrito: ‘não mate’ e em seguida vem a segunda parte que diz ‘porque se você matar, você receberá uma pena que pode chegar a 30 anos de prisão’. Agora, se eu disser: ‘respeite os outros membros do colegiado’. Não existe a “ameaça” do ‘se você não respeitar…’ Então, o máximo que eu posso dizer, na minha pregação, é sempre assim: ‘comporte-se de forma que você possa contar para sua mãe’. O comportamento mais adequado é aquele que você pode contar para sua mãe sem medo da bronca que vai levar. Esse é o comportamento adequado que difere da penalidade da lei.

Qual a importância da conduta ética e da valorização do senso do coletivo em detrimento do individualismo?

É de se notar que nem todo mundo consegue atuar no coletivo por razões pessoais, psicológicas ou psiquiátricas. Algumas pessoas se sentem melhor isoladamente. Todavia, algo que a pandemia mostrou para a sociedade é que a coletividade é mais importante que o indivíduo. Quando uma regra diz ‘use máscara’, não é para você sair disfarçado como em um baile de carnaval… é para você não afetar outra pessoa se você estiver contaminado.

Essa pandemia pode ter o efeito de despertar o sentimento de humildade para os indivíduos, pois o indivíduo isoladamente não é nada. Alguns não aprendem nem com amor e nem com a dor. E são justamente aqueles que não conseguem trabalhar com a coletividade, que não conseguem respeitar os outros. Você usar máscara é respeito. E quando você respeita, você está sendo ético. E isso se reflete também nos diversos preconceitos existentes na sociedade. E perceba quanto tempo que a sociedade perde com essas coisas que não constroem, mas que, ao contrário, destroem.

No Seminário Dever Fiduciário, realizado recentemente por Abrapp e Sindapp, eu disse que se fala muito que estão destruindo o planeta, mas isso é um engano. Ninguém vai destruir a Terra, mas vai se destruir os humanos, os seres vivos, os animais, as árvores… e o planeta vai continuar existindo, orbitando em volta do sol. Essa é a realidade. As pessoas estão se destruindo e não percebem. Agridem-se e parece que aquele instinto do homem de Neandertal prevalece. Querem disputar posições, atenção e isso é desgastante, tóxico. Me parece que nos discursos atuais falta o discurso relacionado à ética e ao respeito do semelhante. Eu acho que de uma forma ou de outra – pela dor ou pelo amor – as pessoas vão sair dessa pandemia valorizando mais o coletivo do que o individual.

A Comissão de Ética prevê quais iniciativas para o segundo semestre deste ano? 

No segundo semestre nós vamos fazer mais dois e-books. Não são artigos filosóficos, pois não somos Platão, Aristóteles nem Sócrates, mas reflexões sobre temas do dia a dia para colocar o nosso sentimento com relação a algumas questões, buscando fazer com que as pessoas reflitam também. Nós não queremos estar certos. Não é isso que a Comissão quer, até em função de que o homem pode errar e ele tem o direito de errar porque ele é um ser humano e não uma máquina. Serão textos para que essa coletividade de dirigentes e conselheiros possam ler, discordar, discutir e, inclusive, se for o caso, trazer para nós também essas reflexões.

Poderia deixar uma mensagem final? 

Com relação à Comissão de Ética, eu tive a grata oportunidade de representá-la nesses últimos eventos da Abrapp – no 2º Seminário Dever Fiduciário e também nos Encontros Regionais. Espero receber a compreensão e a paciência das pessoas sobre o que eu falo, porque nem sempre as pessoas concordam com o que digo. Mas não é isso que buscamos, pois até a discordância significa que houve uma reflexão. Quando entra o respeito, quando você respeita as opiniões, as opiniões divergentes não se chocam de verdade, elas se mostram somente como caminhos diferentes.

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