Entrevista: “Não podemos fechar os olhos ao investir”, afirma Marcelo Seraphim, do Principles for Responsible Investment

Marcelo Seraphim, Gerente de Relacionamento do PRI

A defesa do ato regular de gestão e a promoção da ética são bandeiras enfatizadas pelo Sindapp, sindicato patronal das EFPC. Elas estão alinhadas à crescente agenda dos investimentos responsáveis. Por isso, o Blog do Sindapp realizou uma entrevista com uma autoridade no assunto: Marcelo Seraphim, Gerente de Relacionamento do Principles for Responsible Investment no Brasil.

A organização reúne investidores institucionais em todo o mundo, entre outros atores, e é uma das coordenadoras técnicas na criação das taxonomias consideradas benchmarking para os investimentos ligados aos critérios ASG (ambientais, sociais e de governança).

Confira:

Várias entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) no Brasil já são signatárias do Principles for Responsible Investment. Para os dirigentes que ainda não conhecem essa iniciativa, poderia comentar um pouco sobre os objetivos do PRI?

MARCELO SERAPHIM: O PRI é um clube de investidores, uma associação que tem o apoio da ONU, e é composta principalmente por investidores do mainstream do mercado financeiro: os proprietários de ativos, os gestores de ativos e os prestadores de serviços. E qual é o objetivo do PRI? Qual é o compromisso desses signatários? Em suma, fomentar a incorporação das questões ambientais, sociais e de governança nas suas práticas de investimentos.

Isso também inclui a influência que o investidor deve exercer sobre as investidas. O poder que uma Previ tem de atuar para melhorar as questões ASG de uma Invepar, por exemplo, é enorme. Então, o engajamento com as empresas investidas, que pode ser feito de forma individual ou coletiva, é um componente muito importante nesse compromisso que os investidores assumem quando se tornam signatários do PRI.

Quais as outras formas de engajamento com as investidas?

Outra forma de se engajar com as investidas é se valer da oportunidade do voto nas assembleias para também endereçar questões relacionadas aos fatores ambientais, sociais e de governança. Como a Black Rock fez, recentemente, quando votou contra a continuidade do mandato de diretores que não cumpriram suas metas relacionadas ao meio ambiente em algumas empresas cujas ações o fundo possuía. Então, há esses componentes, tanto no processo de decisão de investimento quanto no pós-investimento.

Poderia citar o número atual de signatários do PRI?

Atualmente, o PRI tem mais de 4.500 signatários no mundo. No Brasil, temos 115 signatários, dos quais 15 são o que chamamos de asset owners ou proprietários de ativos, aí incluídos os fundos de pensão e os family offices. Nesse grupo está também a BrasilPrev, que é uma entidade aberta de previdência complementar. A grande maioria dos signatários são gestores de ativos.

Como avalia os avanços do PRI no Brasil até o momento?

Para fazer essa avaliação, gosto de colocar em perspectiva o contexto da sociedade e do país. O investimento responsável, a agenda ASG, cresceu bastante nos últimos três anos no Brasil. Em 2018 tínhamos menos de 50 signatários. Hoje temos 115. Então, o aumento é muito significativo. Mas é lógico que, em países mais desenvolvidos, a pressão da sociedade sobre as questões ambientais e sociais é maior e isso reflete também nas práticas ASG dos investidores.

No Brasil, acredito que temos uma variação grande entre os signatários: alguns estão muito avançados na incorporação das questões ASG; outros estão no começo dessa jornada, digamos assim. Mas isso, na minha opinião, é próprio de um mercado que está amadurecendo essas práticas.

Poderia citar alguma iniciativa que permite fazer essa comparação?

O PRI desenvolveu um questionário anual que todo signatário com mais de um ano de casa precisa responder. Chama-se Reporting & Assessment e ele é feito de forma estruturada, padronizada. Então, conseguimos comparar as práticas dos signatários brasileiros com os signatários de fora, da Europa, principalmente, que é o grande benchmarking. E vemos que, realmente, a maioria ainda precisa desenvolver melhor as técnicas de incorporação de questões aSG nos seus processos, principalmente as relacionadas às mudanças climáticas. Nós ainda temos muito a avançar, mas também contamos com signatários que estão no mesmo nível dos europeus.

Essa variação entre os signatários ocorre no mundo todo. E uma das funções do PRI é trabalhar para diminuir essas diferenças, fazendo o compartilhamento de boas práticas entre os signatários. Mas eu diria que o saldo do Brasil é muito positivo. Temos visto uma procura e um interesse muito grandes. É lógico que esse boom recente tem prós e contras. Alguns estão preocupados que esse processo poderia se tratar de uma onda que poderia não ter muita substância. Mas é também contra essa ideia que trabalhamos. Temos que fazer dessa agenda uma agenda sustentável, de longo prazo e que realmente agregue valor para os investidores e para a sociedade.

Você poderia mencionar algumas EFPCs que são exemplos, estão bem alinhadas e avançadas em relação às práticas ASG?

Sim. A Previ é bastante atuante, tanto do ponto de vista do engajamento com as investidas quanto do ponto de vista das práticas ASG. Ela liderou, por exemplo, um processo de engajamento com o tema ¨Integridade¨, que é bastante forte na entidade. O PRI coordenou essa iniciativa, que teve a participação de mais de 40 signatários. Então, houve um engajamento grande de investidores, inclusive estrangeiros, para analisar políticas e procedimentos como, por exemplo, os canais de denúncia de 12 empresas, o que teve um resultado muito interessante.

O PRI valoriza muito a liderança de um investidor como a Previ, puxando outros players para um projeto que trata de um tema de grande relevância principalmente no Brasil, que teve esse histórico de problemas relacionados à governança e à integridade. Isso é muito significativo. Mostra o compromisso do maior fundo de pensão do país, que inclusive é um dos fundadores do PRI, com essa agenda. A Vivest também se destaca em muitos aspectos. A entidade possui uma política de investimentos bastante completa, então também podemos citá-la como um benchmark entre os fundos de pensão.

Além dos fundos de pensão, há ainda os gestores de ativos, que têm uma pressão maior do mercado para avançar na incorporação dos fatores ASG. Então, eles procuram implementar essas questões em seus processos e tendem a evoluir mais rapidamente do que os fundos de pensão. Os fundos de pensão estão começando a entrar com mais ênfase na agenda ASG. Acredito que a legislação também contribuiu para o aumento da conscientização sobre o tema entre as entidades fechadas de previdência complementar.

 Quais são os principais mitos em torno do investimento responsável?

O principal é o de que o investimento responsável não traria tanto retorno quanto um investimento “tradicional”. Isso é até um paradoxo perante os fatos. Fica evidente, infelizmente, quando acontecem esses eventos grandes e negativos que impactam o valor de mercado de papéis de empresas como Vale ou Odebrecht. Ou mesmo do Carrefour, com aquele triste episódio de violência que resultou na morte de um afrodescendente. A desvalorização dos papéis impacta negativamente no bolso do investidor. Então, na questão da gestão do risco, esse é um mito que não corresponde à realidade, que já poderia ter sido dissipado com os próprios fatos.

Quando você considera questões ASG, você trata principalmente, mas não somente, de riscos. Quando o investidor compra um papel e não se preocupa com a possibilidade de a empresa ser multada em razão de questões ambientais ou sociais, ele negligencia uma análise importante. Ao renunciar a uma análise mais completa, que inclua questões/riscos ASG, ele diminui a possibilidade de obter um melhor retorno ajustado aos riscos.

Eu diria que um outro mito é considerar que questões ASG não fazem parte do dever fiduciário. Eu já mencionei a questão da mitigação do risco. Quando um gestor de ativos ou mesmo quando o próprio fundo de pensão está fazendo a gestão de recursos – que não são dele, mas dos participantes e da patrocinadora – se não se atentar às questões ASG, ele não estará mitigando riscos importantes. Ou seja, ele estará dando um tratamento temerário, digamos assim, àquele dinheiro que não é dele. Então, o dever fiduciário é justamente isso: é tratar esse dinheiro, de outrem, como se fosse seu e com prudência. Essa prudência, obviamente, inclui o dever de analisar esses riscos ASG, que estão incluídos em diversas operações, em qualquer empresa.

E quais são as oportunidades?

Muitos investidores já procuram a diversificação de ativos que estejam mais ligados à economia de baixo carbono. Por exemplo, hoje a capacidade instalada de energia solar no país tem o mesmo potencial de Itaipu. Quem diria que isso aconteceria no Brasil? E, como será a frota de veículos daqui a 10 anos? Será que as montadoras continuarão a produzir carros movidos a combustíveis fósseis para atender só a demanda de países como o Brasil e outras nações emergentes? Provavelmente, não. Então, qual é o impacto disso no portfólio? Se o portfólio está carregado de ativos lastreados por empresas altamente emissoras de gases de efeito estufa, isso precisa estar precificado. Então, essas realocações de ativos no portfólio também são uma oportunidade de melhorar a performance, considerando as questões de sustentabilidade.

Clique aqui para ler o restante da entrevista no Blog do Sindapp.

São EFPCs signatárias do PRI: Previ, Vivest, Fundação Itaú Unibanco, Valia, Fundação Real Grandeza, Fapes, Serpros, Economus, Infraprev, Néos Previdência Complementar e Inovar Previdência.  

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