O estudo revela mudanças estruturais significativas nas relações trabalhistas no Brasil e no mundo. Uma delas advém do fato de que menos pessoas trabalham em empregos formais com carteira assinada e salário fixo. Segundo Afonso, atualmente, cerca de 39% dos cem milhões de brasileiros ocupados são empregados com carteira assinada. Do total, apenas 5% recebem acima do teto previdenciário, ou seja, representam a parcela que pode se interessar pela adesão à previdência complementar.
O professor explica que esse cenário exige um repensar sobre o sistema previdenciário, dada a redução do número de trabalhadores que seguem o modelo tradicional. “As mudanças no mercado de trabalho impactam diretamente o comportamento dos contribuintes previdenciários. Muitos trabalhadores informais, autônomos e empreendedores não contribuem para a previdência social ou o fazem sobre valores muito inferiores ao que ganham”, avalia.
De acordo com o estudo, a estimativa é que um terço dos ocupados no Brasil não possui qualquer cobertura previdenciária, e aqueles que contribuem, como os Microempreendedores Individuais (MEIs) e empresários que pagam pró-labore, fazem o recolhimento sobre valores aquém de sua renda real. “Resultado é que, no futuro, não terão proteção previdenciária suficiente: ou terão que recorrer ao benefício assistencial dos mais pobres, ou receberão uma aposentadoria irrisória diante de seu padrão de consumo e vida”, acrescenta.
Flexibilidade
O crescimento de modelos de trabalho independentes e flexíveis também trouxe desafios adicionais. Isso porque trabalhadores independentes, como microempreendedores e autônomos, possuem uma renda variável, o que dificulta o pagamento frequente das contribuições previdenciárias. É um comportamento que, segundo Afonso, já se reflete na inadimplência do MEI, que alcança 46%, e reforça a necessidade de maior conscientização sobre a importância do planejamento para a aposentadoria.
Outro fenômeno relevante que o estudo alerta é o chamado “quiet quitting” que, na prática, seria uma forma de “desistência silenciosa” do trabalho tradicional, com horário e local fixo, que ocorre com aqueles que trabalham por muito tempo com o mesmo empregador. Esse novo comportamento do trabalho independente, aliado à crescente transformação de trabalhadores em pessoa jurídica para fins de planejamento tributário, tem impactos significativos. Trabalhadores, na grande parte deles, jovens, optam pelo trabalho independente, sem a devida preocupação com contribuições previdenciárias, o que pode comprometer a segurança financeira futura.
Além disso, o professor lembra que o aumento da expectativa de vida e a postergação da aposentadoria exigem ajustes pelas entidades de previdência complementar. Embora a tendência de trabalhar por mais tempo ajude a reduzir o passivo atuarial, ela ocorre em um contexto de redução da mortalidade e da entrada de novos trabalhadores no sistema previdenciário. “Os cálculos atuariais já estão sendo revistos e atualizados, diante dessas novas tábuas demográficas. O planejamento estratégico da previdência complementar é mais uma vez pressionado a buscar novos rumos e traçar novas diretrizes, sobretudo para alargar o número de contribuintes”, alerta.
Afonso destaca que, para enfrentar esse desafio, a previdência complementar deve se adaptar, com a oferta de planos mais flexíveis, acessíveis e personalizados. O objetivo é encontrar soluções que visam universalizar a proteção previdenciária, inclusive para as classes média e alta. “O futuro da previdência complementar no Brasil é desafiador, mas promissor. O desafio será atrair novos participantes com perfis e motivações diferentes, e oferecer soluções inovadoras para esses grupos. Com ciência e planejamento, há grande potencial para as EFPC equacionarem esse desafio e reverterem a atual tendência de estagnação do setor”, conclui.