Artigo: Marcação na curva para planos ou partes em Contribuição Definida – por Daniel Pereira da Silva*

daniel pereira da silva

A metodologia de precificação de ativos patrimoniais em planos de previdência complementar, diferentemente de valor de mercado ou valor justo, sempre resultou em uma constante polêmica, sobretudo em que pese a transferência de riqueza entre os participantes, que poderia infringir o princípio da uniformidade.

Segundo dados do Regime de Previdência Complementar publicados no sítio do Ministério do Trabalho e Previdência[1], de R$1,10 trilhões alocados em planos de benefícios administrados por Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC, os planos de Contribuição Definida – CD respondem por, respectivamente, R$ 148 bilhões e R$ 305 bilhões, em ativos financeiros totais. No total, as EFPC possuem uma alocação de R$ 670 bilhões em títulos públicos federais.

Em 2022, assim como no exercício de 2021, os títulos públicos federais registram alta volatilidade e baixa rentabilidade para o segmento, a valor de mercado, em especial as NTN-B mais longas. Por exemplo, as NTN-B com vencimento em 2045 e 2055 auferiam volatilidade de 9,25% e 10,69% respectivamente, obtendo um retorno correspondente de 2,94% e 0,77%[2].

Considerando que os planos de benefícios regidos sob a modalidade CD puro, isto é, como todos os benefícios e institutos lastreados pelos saldos de conta acumulados, a marcação a mercado desses títulos achatou a rentabilidade das cotas patrimoniais, em função da abertura das taxas no mercado.

Esses resultados provocaram muitos questionamentos por parte dos participantes, que na maioria dos casos têm dificuldades de entender a dinâmica dos mercados de capitais, principalmente, em momentos de juros altos e de grande volatilidade na renda fixa.

A metodologia de precificação dos títulos públicos federais para planos de previdência está prevista pela Resolução CNPC Nº 43, de 6 de agosto de 2021, que trata dos sobre os procedimentos contábeis das EFPC e sobre o registro e avaliação de títulos e valores mobiliários, senão vejamos:

Art. 30. Os títulos e valores mobiliários adquiridos para carteira própria, carteira administrada ou fundos de investimentos exclusivos pertencentes à entidade devem ser registrados pelo valor efetivamente pago, inclusive corretagens e emolumentos, e classificados na categoria:

I – títulos para negociação; ou

II – títulos mantidos até o vencimento.

  • 1º A entidade deve registrar os títulos públicos federais e os títulos privados na categoria “títulos para negociação”, independentemente do prazo a decorrer da data da aquisição, ressalvado o disposto nos §§ 2º, 3º e 4º deste artigo.
  • 2º A entidade pode registrar os títulos públicos federais na categoria “títulos mantidos até o vencimento” em planos de benefícios na modalidade de benefício definido, quando o prazo entre a data de aquisição e a data de vencimento dos títulos for igual ou superior a cinco anos e desde que haja capacidade financeira e intenção em mantê-los na carteira até o vencimento.
  • 3º A capacidade financeira, de que trata o § 2º deste artigo, deve ser analisada com base na projeção dos fluxos financeiro e atuarial e caracterizada pela capacidade de atendimento das necessidades de liquidez da entidade, em função dos direitos dos participantes e assistidos, das obrigações da entidade e do perfil do exigível atuarial de seus planos de benefícios, e evidenciada pelas demonstrações atuariais – DA.
  • 4º O disposto no § 2º deste artigo pode ser aplicado a planos de benefícios de contribuição variável e de contribuição definida exclusivamente na fase de concessão de benefícios, desde que esses benefícios utilizem hipóteses atuariais.

5º A entidade pode manter registrados na categoria “títulos mantidos até o vencimento” os títulos e valores mobiliários da carteira própria, da carteira administrada ou dos fundos de investimentos exclusivos assim classificados antes da entrada em vigor desta Resolução.

À primeira vista, essa metodologia encontra respaldo técnico no sentido de evitar a transferência de riqueza entre os participantes assegurados pelos planos, em caso de pagamentos benefícios ou institutos em tempos diferentes. Isto é, o pagamento de um resgate em 2022, deve considerar o valor justo dos ativos patrimoniais, inclusive títulos públicos, no momento do pagamento, desprezando o valor na data de vencimento do papel, que neste caso, possivelmente, seria maior.

Entretanto, o §4º do artigo 30 da Resolução em tela, admite a modelagem de precificação a vencimento para os planos CV e CD, para a parte correspondente à Provisão Matemática de Benefícios Concedidos (participantes em gozo de benefícios de renda continuada), se utilizarem componentes (hipóteses) atuariais. A legislação não menciona se a vinculação das hipóteses está no cálculo do benefício (muitos planos CD puros utilizam essa forma) ou na respectiva reserva matemática (Valor Atual dos Benefícios Futuros – VABF, segundo metodologia disposta de Nota Técnica Atuarial), no caso de benefícios de riscos em planos CD.  

Atualmente, o mercado de EFPC tem assimilado e praticado que, se há benefícios concedidos dimensionados em BD (Valor Atual dos Benefícios Futuros – VABF), essa parte do plano poderá ter o correspondente de ativos patrimoniais investidos em títulos público federais marcados a vencimento, dado que os encargos atuariais têm como pressuposto a longevidade dos assistidos na fase de percepção do benefício, dimensionada em função da expectativa de sobrevida futura, segundo tábuas biométricas de mortalidade geral ou de inválidos, conforme o caso.

Este raciocínio técnico pode ganhar amplitude. Se pensarmos em planos ou partes em CD, cuja concessão dos benefícios se dá em função da expectativa de vida ou fator atuarial (tábua biométrica + taxa real de juros), ou por um prazo determinado superior a 15 anos ou, até mesmo, um percentual do saldo de até 0,5%, os benefícios decorrentes tendem a ter uma fase de percepção tão longeva quanto uma renda vitalícia, resultando em prazo de exaurimento próxima da duration do passivo de planos BD ou CV.

Neste caso, desde que preservada a verificação da capacidade financeira com base na projeção atuarial de fluxos de receitas e despesas, ainda que de forma teórica (dadas as faculdades admitidas na percepção de rendas em CD), consoante ao §3º do artigo 30 da Resolução em epígrafe, não se vislumbra óbice técnica em precificar essa parte dos ativos financeiros, corresponde aos saldos de conta remanescentes a vencimento, exatamente com a finalidade de gerar uma maior previsibilidade nos benefícios mensais percebidos pelos assistidos, que não observariam diferenças substanciais nas rendas, dado que são permanentemente ajustados em função de seu saldo de contas remanescente.

Considerando um caso prático de um plano de CD puro patrocinado, que oferece renda de aposentadoria em prazo certo, para uma massa de aproximadamente 750 participantes ativos e assistidos, estimamos o fluxo de contribuições e pagamento de benefícios de acordo com a experiência do plano e opções dos atuais assistidos. Como resultado, auferimos um fluxo atuarial teórico, repercutindo na duration de 19,59 anos. Isto é, uma duration até maior que muitos planos CV e BD do mercado.

Na prática, as EFPC que administram planos CD, quando adquirem no mercado títulos públicos federais, geralmente, carregam até o vencimento, ou seja, não se desfazem antes do prazo do papel, até mesmo em função de possível deságio.

Por outro prisma, se o problema, para alguns técnicos e a legislação, ainda residir no conceito de transferência de riqueza, se considerado na sua essência, os planos CD não poderiam investir em FIP – Fundo de Investimentos em Participações (Private Equity), que é caracterizado como investimento de baixa liquidez e retorno a longo prazo, projetando um alto potencial de retorno futuro, superior aos meios tradicionais de investimento.

É importante destacar que o investimento via FIP em projetos ou empresas, possui uma dinâmica específica em seu ciclo de atividades, a depender da fase do negócio, mas geralmente, apresentam um desembolso inicial elevado. Esse custo inicial pode ser compreendido na famosa curva “J” que representa a marcação do preço (valor da cota) no tempo, a qual se divide em duas partes, o período de investimentos, em que o fluxo é negativo, utilizando-se dos recursos para o crescimento do negócio e o período de desinvestimento, após a maturidade, em que os retornos passam a ser positivos, refletindo positivamente no valor da cota.

Observando essa dinâmica, dado ser no início do investimento neste veículo, há o concurso da curva “J”, nesta hipótese, se o participante adere ao plano, quando a EFPC fez um investimento em FIP e um ano depois tem a cessação do vínculo empregatício, onde ele resolve optar pelo instituto do resgate, é bastante provável que a cota patrimonial, utilizada para pagar o instituto, seja influenciada pela barriga da curva “J”, ao passo que, se ele permanecesse no Plano até a concessão do benefício pleno, muito provavelmente, não teria tal influência.

Em suma, os planos de previdência complementar têm uma natureza essencialmente coletiva, independentemente de sua modalidade e gestão estratégica de investimentos, com o objetivo de entregar um benefício financeiramente sustentável e de longo prazo.

Neste sentido, creio que a provocação gerada por este artigo possa levar a uma reflexão interessante acerca da precificação dos títulos públicos federais em planos ou partes em CD, no sentido de buscarmos a melhor forma exequível de precificar esses ativos patrimoniais e de obtermos a transparência necessárias juntos aos participantes, que são os principais interessados nessa dinâmica e na rentabilização de suas cotas. 

Daniel Pereira da Silva é Atuário, Mestrando em Business Administration in Financial Education, Sócio-Diretor da WEDAN e WTI e Professor da UniAbrapp, IBMEC, FGV-DF e UFG.

 

Notas

[1] https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/assuntos/dados-e-estatisticas/previdencia/painel-estatistico-da-previdencia/regime-de-previdencia-complementar.

[2]https://www.quantumaxis.com.br/

 

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