Nova edição da Revista – COP 27: Reparação e protagonismo brasileiro*

*Edição n. 443 da Revista da Previdência Complementar – uma publicação da Abrapp, ICSS, Sindapp e UniAbrapp.

 

Entrevista com Marcella Ungaretti, por Martha Elizabeth Corazza

A 27ª Conferência do Clima das Organização das Nações Unidas (ONU) – COP 27 – concentrou as atenções do mundo entre os dias 06 e 18 de novembro em Sharm El-Sheikh, no Egito, ao reunir as lideranças de quase 200 países em torno de uma pauta cada vez mais urgente: tirar do papel compromissos previamente assumidos pelas nações em relação às medidas de mitigação das mudanças climáticas e metas de redução de emissões de gases de efeito estufa. Também chamada de COP “da implementação”, a reunião jogou holofotes sobre o Brasil, seus compromissos de redução do desmatamento e iniciativas para a proteção do bioma da Amazônia. A relevância do País no enfrentamento desse desafio e a expectativa internacional em relação à Amazônia é tão acentuada que houve convite especial a Luiz Inácio Lula da Silva, que assumirá a Presidência da República a partir de janeiro de 2023, para expor as ideias e diretrizes do novo governo nos próximos anos.

Nesta entrevista, a especialista Marcella Ungaretti, Head de Research de ESG da XP, fala à Revista sobre os principais temas discutidos, a importância da volta do Brasil à mesa de negociações climáticas – agora com uma postura mais presente – e avalia como uma sinalização positiva o discurso feito pelo presidente Lula.

Formada em Administração pela FEA-USP, Ungaretti também explica a relevância do debate em torno do financiamento climático às nações em desenvolvimento. A definição de regras para o mercado de créditos de carbono e os impactos do atual quadro geopolítico global sobre a transição energética estão entre os tópicos da agenda, segundo aponta o relatório preparado pela XP que analisa a relevância da COP 27.

Confira a entrevista:

 

Qual é o impacto do retorno do Brasil às discussões climáticas, com a presença do Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na COP 27, e que avaliação a XP faz da sua apresentação?

Marcella Ungaretti – O Presidente Lula fez um discurso do qual podemos ressaltar cinco principais pontos. Ele reforçou a agenda climática como uma prioridade de governo, destacando que pretende fazer mais do que já fez em governos anteriores, e confirmou que o Brasil está de volta às negociações internacionais sobre o clima. Em segundo lugar, destacou a postura de cobrança, ou seja, é de se esperar que ele cobre mais de vários outros países em relação aos compromissos climáticos. Fez ainda um pedido para que a COP 30, em 2025, seja realizada no Brasil, num dos estados da Amazônia. O quarto ponto não é bem uma grande novidade, que é a questão do combate ao desmatamento, mas ele ressaltou que o principal desafio do País é a luta contra o desmatamento ilegal. Finalmente, o quinto aspecto foi a defesa de maior representatividade na ONU, ressaltando que o mundo mudou e que os países devem estar mais bem representados.

O discurso deu uma sinalização positiva em relação ao clima, mas o mais importante agora é acompanhar os próximos passos e o que será feito em termos práticos. A partir do momento em que o Brasil volta a essa mesa de negociação, com uma postura mais presente e assumindo compromissos mais claros, essa agenda deve ter avanços importantes. Enfatizamos também a nossa visão positiva a partir de agora para empresas que estão bem posicionadas nessa agenda, que acaba sendo a nossa preferência de exposição na carteira das Top10.

 

Quais são os principais temas levados à COP 27 e o que se espera como resultado desse encontro, se levarmos em conta o que havia sido pactuado em conferências anteriores a respeito das metas e prazos a serem cumpridos até 2030?

Marcella Ungaretti – Na cúpula dos líderes mundiais, que aconteceu no início do evento, foi importante a inclusão de debates sobre a iniciativa de financiamento para perdas e danos provocados pela mudança climática, um assunto que até agora não tinha entrado formalmente na mesa de discussões, embora já houvesse expectativa a esse respeito há algum tempo. Isso significa que os países desenvolvidos financiariam os mais vulneráveis, principalmente como forma de dar suporte para sua adaptação aos efeitos do aquecimento global e oferecer reparação pelas consequências das alterações do clima. Foi importante que essa questão das perdas e danos tomasse forma logo na abertura da reunião. A tendência que vemos é que o assunto ganhe força daqui para a frente.

O relatório preparado pela XP aponta três temas centrais na agenda do evento, e o primeiro deles é justamente a questão do financiamento climático às nações em desenvolvimento, cuja meta de US$ 100 bilhões não tem sido cumprida em sua totalidade. É preciso ter maior clareza quanto à acessibilidade a esse montante. A falta de repasses de valores criou uma lacuna de credibilidade, o que tornou mais difícil o planejamento de novas ações climáticas.

 

Na COP 26, o Artigo 6 do Acordo de Paris deu as bases para o mercado de créditos de carbono internacional, prevendo as transações entre as partes e o uso de instrumentos de mercado para mitigar os efeitos das emissões. A diretriz do Acordo de Paris foi aprovada como princípio, mas faltam regras claras. De que modo a regulação desse mercado entra no atual debate e o que falta fazer para que essas operações ganhem maior maturidade nos próximos anos?

Marcella Ungaretti – O segundo tema para o qual se espera definições é justamente o do mercado internacional de carbono, segundo o Artigo 6. Embora o assunto não tenha sido incluído na cúpula dos líderes este ano, há forte expectativa em relação a isso porque o mercado de carbono teve um avanço importante na COP 26, em Glasgow, com a criação de diretrizes básicas. O entendimento dado na conferência anterior foi de que é preciso estabelecer, de forma mais sólida e clara, quais serão os mecanismos a reger esse mercado, ainda pouco maduro aqui no Brasil e também globalmente, para que os países possam usar os créditos na mitigação dos efeitos climáticos.

Hoje o preço dos créditos de carbono não é único, há diferenças na Europa e nos EUA, por exemplo, e correntes de opinião divergentes a esse respeito: há quem entenda que os preços deveriam convergir, mas também há a percepção de que, como o custo para poluir é diferenciado em cada país, seria preferível que houvesse preços distintos. Uma das maiores conquistas da COP 26 foi a criação de regras básicas para definir como os créditos de carbono podem ajudar os países a cumprir seus planos de mitigação das mudanças climáticas.

 

O cenário geopolítico, com a guerra entre Rússia e Ucrânia e seus impactos econômicos, tende a ser um fator complicador na agenda da transição energética e no enfrentamento da mudança climática?

Marcella Ungaretti – O obstáculo geopolítico é o terceiro tema que consideramos fundamental nas discussões da COP 27 porque, com a guerra na Ucrânia, o cenário se deteriorou bastante. Há o impacto da crise energética e vários desafios por conta disso; ao mesmo tempo, esse cenário abriria oportunidades porque ficou claro que os países precisarão cooperar para que as obrigações assumidas sejam cumpridas.

O quadro atual, que é de crise no fornecimento de energia, representa mais um desafio para a transição na direção da economia de baixo carbono e isso esteve refletido no posicionamento dos países durante a conferência. Aqueles que ainda são dependentes dos combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, acabam se posicionando contra o impulso para uma transição mais rápida porque são pobres e dependem desses recursos. Seria, portanto, até mesmo injusto sob esse ponto de vista ter uma mudança rápida. Ao mesmo tempo, há vários representantes que insistiram, durante a cúpula dos líderes, em prosseguir com o ritmo da transição energética a despeito do desafio econômico.

A dependência do financiamento climático para os países pobres, principalmente na África, reforçou a percepção de que eles são favoráveis à redução das emissões, mas não podem aceitar que seja feita de forma que os prejudique. O presidente francês, Emmanuel Macron, e outros líderes, porém, insistem na posição de que os compromissos climáticos não sejam sacrificados por conta da atual crise energética. Na nossa visão, há sim um impacto de curto prazo provocado pelos obstáculos geopolíticos, mas no longo prazo a importância da transição ficará ainda mais latente porque as nações percebem cada vez mais a necessidade de reduzir sua dependência dos combustíveis fósseis.

 

Qual será o efeito imediato dessa crise em prejuízo das metas climáticas? Há tempo para uma recuperação das iniciativas, diante da proximidade de 2030?

Marcella Ungaretti – No curto prazo, podemos enxergar, sim, um aumento das emissões porque os países estão precisando recorrer mais aos combustíveis fósseis devido à crise, até para limitar efeitos negativos sobre suas economias. Mas esse mesmo impacto da crise leva os países a buscarem a descarbonização e o uso de energias renováveis, em linha com os compromissos assumidos na COP.

O Brasil também tem o compromisso com as metas de redução de emissões até 2030. O uso de energias limpas, assim como a descarbonização, estão na agenda. Há consciência de que o cenário é urgente e as ações precisam ser adotadas.

 

E qual a expectativa específica para as questões ligadas ao desmatamento?

Marcella Ungaretti – O tema do desmatamento ganhou destaque adicional no contexto das discussões este ano. Na COP 26, 146 países já haviam se comprometido a acabar com o desmatamento até 2030, mas o assunto cresceu diante do surgimento de uma nova parceria, a Forests and Climate Leaders’ Partnership (PCLP) – ou Parceria de Líderes Florestais e Climáticos. Lançada durante a COP 27, a parceria inclui 26 países, responsáveis por 35% das florestas no mundo, com o objetivo de reverter perdas florestais e a degradação da terra. Esse é um ponto-chave na agenda climática. A senadora Marina Silva mencionou que a ida do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva à COP 27 colocaria em destaque o tema do desmatamento, e que o País deverá ser mais vocal a respeito do assunto nos próximos anos. O Brasil tem importantes florestas e o desmatamento é relevante em sua geografia, então é preciso considerar sua responsabilidade nesse compromisso.

Além disso, temos que lembrar do papel brasileiro na transição energética e o fato de a matriz nacional já ser bastante verde, assim como considerar os compromissos do País com a redução das emissões. Há ainda o fato de o Brasil ter um papel relevante na temática do carbono e um potencial interessante de geração de créditos por meio de diferentes frentes. Também é verdade que as regras locais caminham cada vez mais de acordo com o regramento internacional e, se tivermos as definições de regras conforme o Artigo 6, esse mercado será regulado de forma mais ampla, assim que saírem as diretrizes práticas sobre o assunto. Há uma perspectiva interessante em oportunidades de geração de crédito aqui no País porque há diferentes fontes de energias renováveis e muito espaço para explorar nesse mercado.

 

Há um aparente aumento da presença de representantes do mercado de investimentos brasileiros nas COPs e este ano não foi exceção, pelo número de assets, consultores e investidores que participam do encontro. Podemos dizer que esse é um reflexo da maior preocupação dos investidores com os fatores ESG?

Marcella Ungaretti – Temos mantido contato próximo, acompanhamos mais de 140 companhias de capital aberto e recentemente fizemos um roadshow com investidores institucionais brasileiros para tentar compreender os níveis de interesse deles. Esse contato reforçou a visão de que o mercado olha cada vez mais para o ESG, e com uma visão cada vez mais crítica. Isso não é de hoje, mas as empresas agora passaram a se pronunciar mais sobre o que fazem.

O olhar crítico, mais atento, por parte desses investidores, ajuda a impulsionar a agenda ESG à medida que aumenta o fluxo de capitais para empresas bem posicionadas nessa temática, o que, por sua vez, contribui para endereçar o tema. Para enfrentar o risco do greenwashing, é importante contar com essa postura do investidor crítico, que pressiona as empresas a evoluírem em transparência e a fornecerem mais qualidade do que quantidade. É melhor ter menos empresas falando sobre o assunto, mas com maior propriedade, porque o investidor quer entender o que ocorre na prática e o que é só discurso.

 

Clique aqui para ler a entrevista na íntegra

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